Defesa usa foto do príncipe Harry para mostrar que cotista é pardo
Aluno teve a matrícula da USP cancelada após a Comissão de Heteroidentificação da universidade entender que ele não era pardo
atualizado
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São Paulo — Mais de uma semana após o início das aulas na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o estudante Alison dos Santos Rodrigues ainda aguarda decisão da Justiça para ser matriculado na instituição.
O aluno teve a matrícula da universidade cancelada após a Comissão de Heteroidentificação entender que ele não tinha características de uma pessoa parda e, por isso, não poderia ocupar a vaga destinada a cotistas.
Entre os argumentos apresentados à Justiça na tentativa de rever a decisão da USP, a defesa do estudante anexou fotos do aluno ao lado de imagens de personalidades brancas, como o apresentador de televisão Silvio Santos e o príncipe Harry.
Ao Metrópoles a advogada Giulliane Fittipald disse que a escolha das imagens tinha como intuito demonstrar “tanto a diferença no tom da pele, quanto nos traços da face”.
Uma imagem da atriz Débora Nascimento também foi anexada como exemplo de alguém com as características de uma pessoa parda.
“Neste sentido, trazemos um comparativo com uma pessoa notadamente branca e uma pessoa parda, ambas popularmente conhecidas, e o requerente, com vistas a demonstrar que este é nitidamente pardo”, afirma a defesa na petição que tinha as fotos de Silvio Santos e Débora Nascimento.
No dia 5 de março, o juiz Danilo Martini de Moraes determinou que a USP apresentasse à Justiça uma explicação sobre por que negou a vaga a Alison. O magistrado estipulou prazo de cinco dias úteis para a instituição se pronunciar, contados a partir da data de intimação.
Questionada pelo Metrópoles, a USP não respondeu se já tinha sido notificada. Na semana passada, a instituição afirmou que cumpriria as ordens judiciais: “Serão apresentadas em juízo todas as informações que explicam e fundamentam o procedimento de heteroidentificação”.
Comissão de Heteroidentificação
A Comissão de Heteroidentificação da USP foi criada em 2023 para evitar fraudes entre os candidatos que pleiteiam as vagas afirmativas destinadas às pessoas pretas e pardas.
A avaliação do comitê pode ter até quatro etapas, com análise de fotos, videochamada com o candidato (no caso de aprovados pelo Provão Paulista e pelo Enem), recurso e, finalmente, análise do Conselho de Inclusão e Pertencimento.
Segundo a USP, apenas os critérios fenotípicos são avaliados. São considerados para a aprovação fatores como a cor da pele (se é morena ou retinta), o formato do nariz (se tem base achatada e larga), os cabelos (se são ondulados, encaracolados ou crespos) e os lábios (se são grossos).
Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a advogada Silvia Souza destaca a relevância das bancas de heteroidentificação para assegurar que as vagas afirmativas não sejam ocupadas por pessoas brancas.
“O trabalho das bancas é de suma importância. Elas surgiram para coibir fraudes que nós, que somos do Movimento Negro, cansamos de ver, que eram pessoas usando apenas a autodeclaração para usurpar a vaga de pessoas negras”, afirma a advogada.
Silvia diz que os critérios físicos são levados em consideração porque o racismo no Brasil “se efetiva a partir da fenotipia, da aparência estética da pessoa”.
O caso de Alison, no entanto, mostra que a avaliação pode ser aprimorada, segundo a advogada. “É importante haver uma maior perícia e um maior preparo das pessoas que compõem bancas de heteroidentificação”, frisa.
Para Silvia, é importante, por exemplo, que a etapa das oitivas seja feita de forma presencial. Na USP, candidatos aprovados via Enem e Provão Paulista fazem a avaliação virtualmente, enquanto alunos aprovados na Fuvest passam por uma análise presencial.
A família de Alison questiona na Justiça a diferenciação entre os dois grupos. Para uma tia do estudante, Laise Mendes, o estudante não teria a autodeclaração reprovada se a comissão tivesse visto o jovem pessoalmente.
“Eles podem barrar por qualquer outro motivo, uma documentação, alguma outra coisa, mas não por esse motivo”, diz. Ela afirma ainda que Alison sempre se considerou pardo. “Ele nem pensou duas vezes antes de se candidatar à vaga de PPI [pessoas pretas, pardas e indígenas].”