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Feira da Madrugada: a disputa entre a Faria Lima e os camelôs do Brás

Securitizadora de produtos financeiros da Faria Lima pede controle da Feira, no Brás, após denúncias de irregularidades e ação de máfia

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Feirinha da Madrugada
1 de 1 Feirinha da Madrugada - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

São Paulo – O universo do compliance, dos fundos de investimentos e da securitização de ativos da Faria Lima, avenida da zona oeste paulistana que é o centro financeiro do país, se chocou com o mundo dos camelôs, da sonegação fiscal e da máfia que impera no Brás, região central da capital paulista.

O motivo: a disputa pelo controle da Feira da Madrugada, considerada o maior ponto de comércio popular da América Latina.

Há pouco mais de um ano, foi inaugurado no local um shopping de três andares, com capacidade para quatro mil boxes e cerca de mil lojas, na tentativa de regularizar um polo que movimenta millhões de reais, mas que era marcado pela extorsão de ambulantes e pela venda de produtos contrabandeados.

No projeto desenhado pela Prefeitura de São Paulo em 2015, na gestão Fernando Haddad (PT), atual ministro da Fazenda, a concessão da Feira da Madrugada à iniciativa privada por 35 anos iria moralizar o novo “Circuito de Compras” da capital e garantir, com respeito às leis, uma atividade que gera milhares de empregos.

O plano atraiu uma empresa do mercado financeiro, que emitiu mais de R$ 412 milhões em títulos imobiliários com a expectativa de lucrar com os aluguéis de boxes e lojas no shopping popular. Mas a implementação do projeto suscitou uma briga com quem reinava na “terra de ninguém” que era a Feira da Madrugada paulistana.

A disputa pelo controle da Feira entrou na mira da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pirataria, na Câmara Municipal, que aprovou nesta semana a condução coercitiva de um investidor ligado à concessionária que administra o espaço. Até hoje, parte das exigências feitas pela Prefeitura na concessão não foi cumprida e surgiu uma série de denúncias de irregularidade cometidas pela empresa.

Os vereadores Adilson Amadeu (União), Camilo Cristófaro (Avante) e Isac Félix (PL), da base do prefeito Ricardo Nunes (MDB), trabalham para que a concessão seja totalmente extinta, retirando a concessionária do Brás e devolvendo a área para o poder público, que nunca conseguiu fiscalizá-la.

A possibilidade de rompimento do contrato de concessão, discutida em uma reunião da CPI da última quarta-feira (15/2), ocorreu após uma decisão de mudança no controle da concessionária.

A empresa que fez a emissão dos títulos imobiliários emitidos para financiar a construção do shopping decidiu assumir o controle da concessionária, em meio a uma investigação interna das irregularidades. A Prefeitura recebeu oficialmente o pedido de mudança de comando na terça-feira (14/2).

Concessão conturbada

Segundo os termos da concessão, o shopping poderia alugar boxes para ambulantes, a preços sociais, e sublocar lojas para comerciantes maiores mediante o pagamento de luvas, em contratos de cinco anos. A Prefeitura também aumentaria a fiscalização no bairro, combatendo o comércio ambulante ilegal e garantindo a migração dos camelôs para a regularização que o shopping deveria promover.

Embora tenha sido inaugurado em novembro de 2021, na gestão Ricardo Nunes, o shopping da Feira da Madrugada ainda não ocupou todos os seus 5 mil boxes e lojas e teve de conviver com o comércio de camelôs ao seu redor, envolvido em investigações da Polícia Civil sobre a ação de uma violenta máfia que extorquia os ambulantes.

No ano passado, a polícia prendeu Manoel Sabino, apontado como chefe da máfia, que agiria inclusive dentro do shopping, e cumpriu mandado de busca e apreensão contra o então presidente da concessionária, Eduardo Badra, afastado de suas funções diante das suspeitas de atuar e conluio com Sabino. O esquema envolveria aluguel de lojas em nome de laranjas, que as sublocavam por preços mais altos.

Irregularidades em série

A empresa que construiu o shopping é a Concessionária Circuito de Compras, uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) formada por dois fundos de investimento.

Ao vencer a concessão, essa SPE emitiu debêntures (títulos de dívida) que foram empacotados como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), um tipo de produto financeiro que garante retorno ao investidor mediante o recebimento de alugueis, por exemplo. É um papel comum no mercado, comprado especialmente por gestores de fundos imobiliários.

Esses papéis foram emitidos ao mercado pela Fortesec, empresa especializada neste tipo de produto financeiro, e distribuídos por uma corretora de investimentos.

Ao todo, a Fortesec arrecadou R$ 412 milhões com os CRIs e o recurso foi usado para financiar a construção do shopping. A ideia era que, conforme o empreendimento desse lucro, os investidores receberiam seus retornos.

Mas esse desenho de negócio ainda não deu certo e tais retornos estão sob risco. Além das suspeitas de colaboração dos antigos gestores do espaço com o crime organizado, a concessionária deixou de pagar tributos à Prefeitura. Fora isso, o coração dessa complexa engenharia financeira se baseava na ocupação das lojas, que ainda é baixa – embora a concessionária afirme que a está “dentro do tempo de maturação do negócio informado no plano de negócios apresentado aos investidores”.

Segundo cálculos repassados pela Prefeitura à CPI, só em tributos municipais vencidos, a concessionária precisa pagar R$ 30 milhões ao Executivo, antes de dar retorno para seus credores.

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Roupas expostas na entrada do Shopping
Lojas abertas no primeiro piso
Maioria de lojas fechadas
Corredor vazio no shopping
Andar praticamente vazio
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Lojas abertas na entrada do shopping

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Roupas expostas na entrada do Shopping

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Lojas abertas no primeiro piso

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Maioria de lojas fechadas

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Corredor vazio no shopping

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Andar praticamente vazio

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Lojas do "boulevard" do shopping

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Acesso ao shopping da feira

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Entre as irregularidades atribuídas aos antigos gestores da concessionária, há até a construção, sem licença da Prefeitura, de um prédio anexo na entrada do shopping, chamado boulevard. O espaço, que ainda precisa ser regularizado, já foi sublocado para comerciantes do bairro, situação que deve gerar ainda mais custos para a concessionária.

Tomada de controle

Diante do cenário, a securitizadora Fortesec decidiu que seria preciso tomar alguma medida para garantir a segurança de seus papéis e recorreu a uma cláusula do contrato com a concessionária para tomar o controle das ações do Circuito das Compras em caso de inadimplência. Essa manobra foi feita nesta semana. Na prática, a Fortesec passará a ser a nova gestora da Feira, em um movimento que ainda precisa da aprovação da Prefeitura.

No comunicado enviado à Prefeitura, ao qual o Metrópoles teve acesso, a Fortesec disse que pretende “promover a imediata gestão da companhia, de acordo com as melhores práticas financeiras e de governança, e organizar os pagamentos devidos à Prefeitura com brevidade”.

Na Feira da Madrugada, há expectativa de aumento da fiscalização aos boxes e até o ingresso de ações judiciais contra os supostos laranjas que ocupam os espaços fechados, o que vem desagradando a comerciantes do bairro.

Embates na Câmara Municipal

Mas os vereadores Adilson Amadeu e Camilo Cristófaro, que têm entre os comerciantes do Brás parte de suas bases eleitorais, vêm trazendo à CPI informações sobre supostas cobranças abusivas do shopping aos camelôs. Para eles, isso explica a baixa ocupação da Feira da Madrugada. Amadeu já afirmou que o que ocorreria ali é um “massacre aos trabalhadores”.

Os vereadores afirmam já ter elementos para requisitar a saída da concessionária do espaço, de forma a impedir que a Fortesec assuma o controle e implemente as mudanças prometidas. A CPI deve durar até abril.

Nessa quarta-feira (15/2), em meio a pressões contra a concessionária, os vereadores aprovaram a condução coercitiva (quando o convocado não pode se recusar a ir) de Marcos Jorge, um dos sócios da Fortesec, para depor à CPI. Ele já obteve um habeas corpus preventivo para não precisar responder a perguntas durante a sessão, alegando que suas atividades “não se enquadram no escopo de investigação da CPI”.

Ao Metrópoles, Adilson Amadeu afirmou que “o que está acontecendo na Feira é motivo urgente para uma intervenção da Prefeitura, conforme os termos do contrato de concessão firmados que não estão sendo cumpridos”.

Já Camilo diz que o shopping entrou na mira da CPI porque estaria praticando sonegação fiscal e que há pirataria no local. “Estivemos lá é pegamos 283 sacos de Lacoste, Chanel Louis Vuitton, Gucci, Fendi, Adidas, Nike, tudo falsificado”, diz.

O vereador acusa os gestores da Feira de terem “depreciado o shopping para depois comprar do jeito que quiserem”. Camilo acrescenta que “eles (os gestores) vão apanhar enquanto não entrarem na linha”.

Posicionamentos

A Concessionária Circuito de Compras disse, em nota, que “se reporta periodicamente aos seus investidores” para “garantir a gestão eficiente dos negócios e o cumprimento do contrato de concessão”.

“Diante de acontecimentos recentes, como a prisão de um suspeito de comercializar boxes ilegalmente dentro do Circuito de Compras, que resultou no afastamento da antiga diretoria e na contratação de uma nova administração independente, a concessionária tem implementado rígidos processos de governança, auditorias e investigações internas”, afirma a empresa.

A concessionária disse ainda que tem adotado medidas para proteger o shopping e os comerciantes, “apoiada pelos fundos de investimento e sócios que visam a transparência na gestão da concessão”, e que colabora com a CPI da Pirataria.

A empresa ressalta ainda que dois de seus gestores já depuseram à CPI de forma voluntária.

Já a Secretaria Municipal das Subprefeituras, órgão da gestão Nunes encarregado de fiscalizar o contrato com a concessionária, afirma que está analisando o pedido da Fortesec para assumir a gestão da Feira da Madrugada.

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