Febre maculosa: a luta de 30 anos de Campinas contra a doença do carrapato
Com seis mortes por febre maculosa em 2023, Campinas (SP) registrou os primeiros casos da doença em 1995
atualizado
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São Paulo – Epicentro de mais um surto de febre maculosa, Campinas registrou casos da doença pela primeira vez em 1995. Sem vacina eficaz e com áreas propícias para a proliferação de carrapatos, a cidade luta há quase 30 anos para tentar frear as mortes com diagnóstico precoce e tratamento de pacientes, além do mapeamento de áreas de risco.
Com 1,2 milhão de habitantes, dona do 10º PIB do Brasil (R$ 65,4 bilhões) e no posto de terceira maior cidade de São Paulo, Campinas tem a paisagem dividida entre zonas urbanas e parques, fazendas e cursos d’água. As áreas verdes, que atraem turistas em buscas de trilhas ou festas na roça, também são cobiçadas pelo carrapato-estrela, o principal vetor da febre maculosa.
Ao Metrópoles, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) diz que a administração municipal destinou R$ 20 milhões em ações de prevenção e controle da febre maculosa nas últimas décadas. Desse valor, 80% foi para treinamentos de profissionais de saúde e 20% para placas em áreas de risco.
“Desde o primeiro caso da febre maculosa, foram feitas capacitação das equipes, visitas e sinalização dos locais com risco de transmissão. Além disso, houve campanhas de conscientização”, diz Saadi. “Todos os anos, independentemente da ocorrência de casos, essas ações foram feitas”.
Surto
Campinas não é pioneira de febre maculosa, já que os municípios de Pedreira e Jaguariúna tiveram as primeiras ocorrências em 1985, mas assumiu a liderança do ranking de casos desde o ano 2000. Essas cidades integram sua Região Metropolitana, considerada endêmica para a doença.
Em janeiro de 2019, Campinas lançou um plano para reduzir as mortes por febre maculosa – mas o número de casos bateu recorde naquele ano, com 10 óbitos, e a letalidade permanece em patamar elevado desde então. As diretrizes incluem manter a grama em áreas públicas “roçada rente ao solo”, remover folhas secas e evitar carrapaticida por causa da “baixa eficácia” e dos “riscos de contaminação ambiental”.
O mais novo surto de febre maculosa, confirmado nesta semana, fez a prefeitura reciclar algumas medidas do pacote, anunciar outras novas e pedir a criação de um comitê técnico com as 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas para discutir ações conjuntas.
Três mulheres e um homem morreram após participar de uma festa na Fazenda Santa Margarida, no distrito de Joaquim Egídio, considerado área de transmissão. O evento aconteceu em 27 de maio e reuniu mais de 3 mil pessoas. Também há casos sob investigação.
Os números são alarmantes. Entre 2007 e 2022, por exemplo, Campinas havia registrado 68 mortes por febre maculosa – uma média de 4,2 casos por ano. Mesmo ainda estando fora do período de maior incidência da doença, que ocorre de agosto a novembro, a cidade já soma seis óbitos em 2023.
Rotina
Segundo a prefeitura, o Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa) realiza rotineiramente pesquisa acarológica para detectar a presença de carrapatos na cidade. Os relatórios são enviados para os responsáveis pela área, com as medidas que devem ser tomadas para prevenir a doença.
Com o boom recente de casos, a administração municipal também cobrou um plano de ações da Fazenda Santa Margarida, que foi entregue na sexta-feira (16/6). Entre as medidas previstas, estão a instalação de barreiras e a distribuição de repelentes.
Em 2008, Campinas chegou a fechar o Parque Lago do Café, que fica do lado do Parque Taquaral, o maior da cidade, quando três funcionários contraíram a infecção no trabalho e morreram de febre maculosa. O espaço só foi reaberto em 2013.
Durante essa crise, o município decidiu abater capivaras, o hospedeiro predileto do carrapato-estrela, e comprou uma briga com entidades protetoras dos animais que foi parar na Justiça. Como a iniciativa se mostrou ineficaz e outros bichos reapareceram depois, agora a prefeitura estuda castrá-los.
Conduta médica
O surto tem deixado moradores, turistas e comerciantes em estado de alerta. Autoridades locais, no entanto, se dizem habituadas ao cenário e manifestam confiança na rápida recuperação da cidade.
“Para a gente, a única novidade é a cobertura da mídia”, diz Andréa von Zuben, diretora do Devisa.
A diretora do órgão municipal avalia, ainda, que as mortes recentes não estariam relacionadas às ações de controle da doença – e, sim, à “conduta médica” no atendimento de hospitais públicos e privados da região. “Morte por febre maculosa é falta de tratamento no momento oportuno”, afirma ao Metrópoles.
“Prevenção e controle da febre maculosa depende muito da capacitação do médico porque, na verdade, é uma doença de tratamento ambulatorial simples, feito com medicamento oral. É tratar em tempo oportuno, até 72 horas do início dos sintomas”, diz.
“Se os médicos perguntassem, fizessem uma boa anamnese (entrevista com o paciente para investigar o histórico dos sintomas)… Estaria todo mundo vivo”.
Sintomas
- Dor de cabeça intensa;
- Náuseas e vômitos;
- Diarreia e dor abdominal;
- Dor muscular constante;
- Inchaço e vermelhidão nas palmas das mãos e sola dos pés;
- Gangrena nos dedos e orelhas;
- Paralisia dos membros que inicia nas pernas e vai subindo até os pulmões causando parada respiratória.
- Na evolução da doença, também é comum o aparecimento de manchas vermelhas nos pulsos e tornozelos, que não coçam, mas podem aumentar em direção às palmas das mãos, braços ou solas dos pés.
Como é a transmissão?
A transmissão da doença ocorre em ambientes silvestres, nos quais exista o carrapato Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. Para que ocorra a transmissão, é necessário que o carrapato fique fixado na pele por um período de cerca de 4 horas.
Como se proteger:
- Ao realizar trilhas e atividades de lazer ao ar livre, algumas precauções devem ser tomadas para evitar a febre maculosa:
- Evitar caminhar, sentar e deitar em gramados e em áreas de conhecida infestação de carrapatos;
- Em áreas silvestres, realizar vistorias no corpo em busca de carrapatos em intervalos de três horas para diminuir o risco de contrair a
doença; - Se forem verificados carrapatos no corpo, não esmagar o carrapato com as unhas, pois ele pode liberar as bactérias e infectar partes do corpo com lesões;
- Se encontrar o parasita, ele deve ser retirado de leve com torções e com auxílio de pinça, evitando contato com as unhas. Quanto mais rápido forem retirados, menor a chance de infecção;
- Utilizar barreiras físicas, como calças compridas, com a parte inferior por dentro das botas ou meias grossas;
- Utilização de roupas claras para facilitar a visualização e retirada dos carrapatos.