Farra do INSS: empresa suspeita ganhou R$ 10 mi de entidades, diz Coaf
Empresa de Maurício Camisotti recebeu transferências milionárias de 3 entidades investigadas por descontos indevidos de aposentados do INSS
atualizado
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São Paulo — A Polícia Civil e o Ministério Público paulista (MPSP) identificaram repasses de R$ 10,8 milhões de três entidades da farra do INSS para uma corretora de seguros do empresário Maurício Camisotti, suspeito de ser o “beneficiário final” das associações acusadas de efetuar descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados. As operações sob suspeita foram repassadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Essas associações mantêm “acordos de cooperação técnica” com o INSS para cobrar mensalidades dos aposentados, descontadas antes do pagamento na conta do beneficiário, em troca de supostas vantagens em serviços como seguros, planos de saúde e auxílio funeral. O problema é que elas são alvo de milhares de reclamações e processos judiciais de aposentados que afirmam ter descoberto os descontos sem nunca terem ouvido falar das associações.
Além de reunirem 167 boletins de ocorrência feitos por aposentados prejudicados pelo esquema, investigadores obtiveram acesso a dados bancários, documentos e trocas de mensagens por meio de buscas e apreensões autorizadas pela Justiça que reforçam o que o Metrópoles revelou neste ano: associações que dizem defender os aposentados, na verdade, foram criadas e são controladas por empresários que lucram com os descontos em seus vencimentos. Pela regra, somente associações — e não empresas — podem firmar acordos com o INSS para efetuar descontos.
Como revelou o Metrópoles, Maurício Camisotti e executivos ligados a ele estão por trás da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), do Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e da União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unsbras ou Unabrasil). Os diretores dessas entidades são funcionários de empresas ligadas ao Grupo Total Health (THG), controlado por Camissotti, da própria família dele e de parentes de seus executivos. O empresário é investigado e foi alvo de busca e apreensão sob suspeita de múltiplos estelionatos contra aposentados.
O relatório do Coaf identificou que a empresa Benfix, em nome de Camisotti e da mulher dele, movimentou valores incompatíveis com o faturamento mensal e recebeu R$ 12 milhões entre 2020 e 2024. A maior parte desses recursos — R$ 10,8 milhões —, veio das três entidades investigadas na farra do INSS. Do total, o próprio empresário ficou com R$ 500 mil. Segundo a polícia e o MPSP, entre outras provas, esse seria um forte indicativo de que ele seja o “beneficiário final das fraudes”.
Computadores e celulares apreendidos em buscas e apreensões feitas nas entidades, segundo a polícia, evidenciaram que as associações ligadas a Camisotti “operam de forma conjunta”. De acordo com a Polícia Civil e o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, ficou “claro” que há atuação direta da Benfix na “gestão administrativa e financeira das associações”. Mensagens de um celular apreendido de um gerente da Ambec com coordenadores da Benfix, segundo investigadores, mostram diálogos sobre “pagamentos e gestão das associações”.
Uma caixa de e-mails desse mesmo gerente da Ambec tinha pastas de documentos da Cebap, da Unsbras/Unabrasil e de outras duas associações que não têm acordos com o INSS. Computadores e e-mails foram apreendidos em uma série de buscas e apreensões feitas sigilosamente e sem divulgação pela polícia e pelo MPSP. Além desses funcionários, o próprio Maurício Camisotti recebeu a polícia em seu apartamento de R$ 9,2 milhões, na Vila Olímpia, zona sul da capital.
Camisotti e seu entorno são bem relacionados com senadores, governadores, deputados e prefeitos, além de lobistas conhecidos em Brasília que já foram alvo da Polícia Federal (PF). Somente o empresário comprou em um mesmo ano duas mansões de R$ 22 milhões cada. Ele também acumula uma frota de carros de luxo em nome de suas empresas, como uma Lamborghini avaliada em R$ 3,1 milhões.
Como mostrou o Metrópoles, em maio, no auge de seus faturamentos, as três associações investigadas receberam, juntas, R$ 56 milhões com as mensalidades descontadas dos aposentados. Elas fazem parte de uma lista de 36 entidades que mantêm acordos com o INSS. Em meio a uma avalanche de denúncias de descontos indevidos, o faturamento mensal dessas entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões — em um ano, elas receberam mais de R$ 2 bilhões.
A farra do INSS levou a investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). Responsável pelos contratos do INSS com as entidades, o diretor de benefícios do órgão, André Fidelis, foi exonerado do cargo após a série de reportagens. Em pedidos de busca e apreensão, a polícia e o MPSP citaram matérias do Metrópoles que revelaram o envolvimento de Camisotti com a farra do INSS.
O que dizem os envolvidos
Por meio de nota, Maurício Camisotti afirmou que “é acionista da Benfix”, uma “empresa especializada em serviços de apoio administrativo em geral” que “tem em seu portifólio de clientes as associações Ambec, Cebap e Unsbras”. Ele diz que “não exerce qualquer função executiva nas entidades e tem uma relação de prestadora de serviços com as associações, sempre atuando em total conformidade com a legislação e regulamentação vigentes”.
Camisotti afirma que já prestou esclarecimentos à polícia e nega que a Benfix tenha recebido R$ 10,8 milhões das três entidades. “Não houve tal recebimento pela Benfix, foram apenas movimentações financeiras interpretadas como pagamentos. A Benfix não recebeu a quantia informada”, diz. Ele afirma que “não há fraude e não há beneficiário” e que as movimentações financeiras são “totalmente regulares e devidamente compatíveis com os respectivos objetos”.
As três entidades investigadas pela Polícia Civil e pelo MPSP também negaram qualquer irregularidade nos descontos feitos sobre as aposentadorias e na relação com a Benfix.
“Antes de mais nada, é preciso deixar claro que todas as situações foram devidamente esclarecidas, sendo apresentadas as devidas evidências de consentimento da filiação, inexistindo assim o alegado crime de estelionato”, afirmam as entidades, por meio de nota.
As três entidades afirmam que mantêm “contratos de serviços com a Benfix”, mas negam os repasses no montante informado pelo Coaf aos investigadores. Segundo as entidades, os boletins de ocorrência feitos por aposentados “podem ser esclarecidos com as respectivas evidências de consentimento” e que “o volume é de baixa incidência em relação à carteira de beneficiários”.
“Como esclarecido anteriormente, Ambec e Cebap comprovaram o consentimento das filiações pelos aposentados com a apresentação das evidências às autoridades, afastando qualquer relação dos casos apresentados na investigação com estelionato”, afirmam.