Farra do INSS: até liga de beach tennis virou entidade de aposentados
Polícia investiga associações ligadas a empresário que seria o “beneficiário final” dos descontos indevidos em aposentadorias do INSS
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo — As investigações sobre a farra dos descontos em aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) descobriram até mesmo que uma liga de beach tennis do Rio de Janeiro teve seu nome e objeto de atuação trocados para que seu CNPJ se transformasse em uma associação de aposentados.
Essa associação já pediu para firmar um “acordo de cooperação técnica” com o INSS no qual obtém autorização para cobrar “mensalidade associativa” diretamente da folha de pagamento dos aposentados em troca de supostas vantagens em serviços como planos de saúde e seguros. O pedido está pendente de análise.
Assim como outras entidades do mesmo grupo investigado pela Polícia Civil e pelo Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP), a associação é ligada ao empresário Maurício Camisotti, apontado como suposto “beneficiário final” de descontos indevidos sobre aposentados.
Como revelou o Metrópoles, Camisotti é o líder de um grupo de empresas de seguros e planos de saúde que ergueu e loteou associações de aposentados com parentes e funcionários em suas diretorias. Ele ostenta uma vida de luxo e relação com políticos influentes em Brasília e movimentou R$ 150 milhões em um período de quatro anos, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O empresário nega estar por trás das entidades e qualquer irregularidade em suas movimentações financeiras.
Três das entidades ligadas a Camisotti conseguiram acordos com o INSS para efetuar descontos sobre aposentadorias em troca de vender, justamente, os produtos das empresas ligadas a ele. Essas entidades chegaram a faturar R$ 56 milhões mensais. Recaem sobre elas milhares de processos, com condenações em série, movidos por aposentados que dizem nunca ter ouvido falar delas até o momento em que descobriram que havia descontos em nomes dessas associações na folha de pagamento do INSS.
Camisotti, suas empresas e associações ligadas a ele foram alvo de buscas e apreensões nos últimos meses. Celulares, notebooks e documentos foram apreendidos. A Polícia Civil encontrou ainda associações que haviam sido erguidas, mas que não tinham ainda acordo com o INSS para efetuar os descontos.
Uma delas se chama atualmente Instituto Nacional dos Aposentados (Inapo), sediada no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo. A associação, no entanto, nem sempre teve esse nome. Também não ficava na capital paulista. Seu CNPJ foi aberto em 2016, em Copacabana, no Rio, e tinha o nome de Liga Nacional de Beach Tennis.
Seus quadros eram recheados de atletas da categoria e de nomes ligados à administração de competições no esporte. Em 2020, com uso de uma ata registrada em cartório, passou a se chamar Ordem Nacional de Aposentados e Pensionistas do INSS. Na eleição, consta que sua presidente da época era Soraia Barboza Camizotti.
Ela é hoje ex-mulher de Mário, irmão de Maurício Camisotti. Em outra ata registrada em cartório, após o Metrópoles revelar a farra do INSS, outra modificação foi feita. Soraia deixou a entidade em abril de 2024.
Esta não é a única associação ligada ao empresário que tinha pouco ou quase nada a mostrar, mesmo quando firmou acordo de cooperação técnica com o INSS. Em 2021, quando assinou o termo, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) tinha apenas três filiados. Até abril de 2023, havia atingido a marca de 45 mil associados. No último ano, esse número saltou para mais de 650 mil.
A Polícia Civil de São Paulo e o MPSP suspeitam que Camisotti tenha erguido essas associações para lucrar com a farra dos descontos. Sua empresa, a Benfix, aparece em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) recebendo R$ 10,8 milhões da Ambec e de outras duas associações.
Mensagens e e-mails apreendidos pela Polícia Civil com um gerente da Ambec mostram discussões e pastas sobre cinco entidades, o que, segundo investigadores, indicam que era tudo um grupo só ligado ao empresário.
As associações ligadas ao empresário fazem parte de uma lista de 36 entidades que mantêm acordos com o INSS. Em meio a uma avalanche de denúncias de descontos indevidos, feitos sem o consentimento do aposentado, o que é proibido, o faturamento mensal dessas entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões — em um ano, elas receberam mais de R$ 2 bilhões, como revelou o Metrópoles em março.
Além do inquérito da Polícia Civil paulista e do MPSP, a farra do INSS revelada pelo Metrópoles também levou a investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). Responsável pelos convênios do INSS com as entidades, o diretor de benefícios do órgão, André Fidelis, foi exonerado do cargo após a série de reportagens.
Por meio de nota, a assessoria de Maurício Camisotti afirma que “não comenta informações privadas de seus clientes ou procedimentos de autoridades em curso”.