Famílias protestam contra remoção por obras de túnel na Vila Mariana
Moradores da Vila Souza Ramos fizeram um protesto contra danos socioambientais de obra de túnel do complexo viário Sena Madureira
atualizado
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São Paulo — Moradores da comunidade da Rua Souza Ramos, na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, fizeram um protesto (veja vídeo abaixo) na noite dessa terça-feira (1º/10) contra a construção do complexo viário Sena Madureira. Iniciadas no último dia 16, as obras da prefeitura pretendem tirar do papel um projeto esboçado ainda em 2011. Pessoas que vivem no local afirmam que não houve consulta pública, que famílias podem ser desalojadas e que danos ambientais já estão em andamento, com a derrubada de árvores e aterramento de uma nascente.
O túnel terá início na Rua Sena Madureira e passará sob a Rua Domingos de Morais, com cerca de 500 metros de extensão, desembocando em paralelo à Rua Maurício Francisco Klabin, em uma área onde há nascente e a comunidade da Souza Ramos. O valor do empreendimento é de R$ 218 milhões, sob responsabilidade do Consórcio Expresso Sena Madureira.
Contratada originalmente em 2011, a obra foi suspensa em 2013 no âmbito da Operação Lava Jato, após as empreiteiras contratadas pela prefeitura terem sido pegas em esquemas de corrupção.
Uma das pessoas presentes na manifestação, Mara Cavalcante, de 58 anos, é moradora da comunidade há 6 anos. Ela afirmou ao Metrópoles que os moradores se sentiram desrespeitados, porque não houve aviso prévio da prefeitura sobre o início das obras.
“Nós estamos sem respirar. Na madrugada de ontem eu não dormi com o barulho dos caminhões [de obras] na rua. Às duas horas da manhã, minha filha de 12 anos precisou fazer inalação por conta do pó que os caminhões soltam”, revelou a técnica em enfermagem. “Aqui todo mundo é trabalhador, ninguém quer sair daqui.”
Veja:
A prefeitura reuniu, nessa terça-feira, dezenas de munícipes na Subprefeitura da Vila Mariana para tratar do projeto, mas a reunião foi cancelada, “uma vez que o número de pessoas excedeu a capacidade do auditório”, segundo a administração municipal. De acordo com Denise Delfim, vice-presidente da Associação dos Moradores da Vila Mariana, o encontro foi reagendado para esta quinta-feira (3/10).
Famílias desalojadas
Uma representação do presidente do partido Rede Sustentabilidade ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) no último dia 23 pede a paralisação imediata das obras, “em nome da defesa, da comunidade local, do meio ambiente e do interesse público dos paulistanos”.
Anexado à representação, há um abaixo-assinado de mais de 200 moradores da comunidade, manifestando sua indignação com o projeto.
Em um dos itens, o presidente Marco Antônio Mills Martins afirma que mais de 200 famílias estão sendo diretamente afetadas pelas desapropriações e não foram consultadas sobre o projeto em nenhum momento.
“As famílias não receberam informações sobre o futuro de suas moradias, nem sobre o processo de indenização, o que configura uma flagrante violação de seus direitos fundamentais”, informa o documento.
Magda Moreira da Silva, de 25 anos, morou a vida inteira na Vila Souza Ramos e reforça o que o documento destaca. “A gente não teve contato da prefeitura, não existiu suporte, não existiu cadastramento em projetos sociais de habitação, ou talvez de um auxílio aluguel”, disse. “Por que essas obras estão correndo? Para pular um semáforo?”, questionou.
Segundo o Coletivo Metropolitano de Mobilidade Urbana, a construção dos túneis tem previsão de expulsar 118 famílias da comunidade Souza Ramos, sem provisão de habitação.
Questionada, a Prefeitura de São Paulo informou que “as famílias residentes na área de intervenção das obras têm direito ao atendimento habitacional definitivo pela Secretaria Municipal de Habitação”. Segundo a prefeitura, na próxima semana, a equipe social realizará uma reunião com a comunidade para dar detalhes desse atendimento.
“Durante o processo de cadastro e selagem dos imóveis, as famílias poderão optar entre a indenização de seus imóveis ou a realocação em uma nova unidade habitacional”, diz a nota.
Derrubada de árvores
As primeiras etapas das obras já resultaram na derrubada de árvores e no desmatamento de áreas de preservação permanente, afetando o Córrego Emboaçu, uma nascente que leva ao Córrego Ipiranga. Também houve intervenção na própria Sena Madureira, com a ciclofaixa interditada nos dois sentidos, a instalação de tapumes para o corte de árvores no canteiro central e implementação da construção.
“Derrubaram as árvores que tinham nas nossas casas para cima. Tinha muito verde”, afirmou Mara Cavalcante, sobre a situação na comunidade da Souza Ramos. “Eles também estão mexendo no córrego que tinha uma nascente. Eles cobriram, concretaram o córrego. A chuva, quando vier, vai correr por ali. Vai ser muita lama”, relatou preocupada.
A representação do Rede Sustentabilidade afirma, ainda, que “o projeto compromete a sustentabilidade hídrica da região, colocando em risco os recursos hídricos essenciais para a qualidade de vida dos moradores e a manutenção dos ecossistemas locais”.
Em nota, a prefeitura informou que “a obra do túnel Sena Madureira cumpre todas as exigências relativas a questões ambientais”.
Sobre o corte de árvores, a administração municipal indica que foi autorizada pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente “a supressão de 172 exemplares arbóreos, sendo preservadas as demais 362 árvores existentes no local”.
“A compensação será realizada com plantio de 266 mudas de espécies nativas do Estado de São Paulo dentro do perímetro da obra”, adiciona.
Licitação
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) está aproveitando parte dos projetos originais de duas obras. Além da Sena Madureira, também um túnel na Avenida Jornalista Roberto Marinho, projetos elaborados na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf (1993-1996), com alguns ajustes para adaptá-lo às atuais demandas da cidade.
As duas obras tiveram contratos assinados na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), entre 2006 e 2012. Após assumir o cargo, em 2013, o então prefeito Fernando Haddad (PT), hoje ministro da Fazenda, não deu ordem de serviço para a execução dos trabalhos.
Em 2020, o então prefeito Bruno Covas (PSDB) rescindiu definitivamente os contratos com as empresas denunciadas. Os processos de rescisão contratual das duas obras não estão definitivamente encerrados e ainda faltam pendências jurídicas a serem finalizadas.
Após consultarem o Tribunal de Contas do Município (TCM), os técnicos da prefeitura concluíram que não é preciso ter a rescisão final assinada para começar o novo processo licitatório.
Sobre o processo de licitação, a Prefeitura de São Paulo citou a consulta ao TCM e informou que “a obra possui Projeto de Compensação Ambiental (PCA), teve os valores e licenciamentos atualizados e conta com uma nova avaliação de impacto à vizinhança e Termo de Permissão para Ocupação de Vias Públicas, entre outras autorizações e licenças”.
A administração cita que o túnel Sena Madureira vai melhorar a fluidez do trânsito, com a redução dos congestionamentos e dos tempos de deslocamento, e a qualidade de vida da população, com a redução da emissão de poluentes. Segundo a prefeitura, as obras vão beneficiar mais de 800 mil pessoas que circulam na região.
“[O túnel] permitirá a interligação da Avenida Ricardo Jafet aos complexos viários João Saad e Túnel Jânio Quadros e gerar aproximadamente 2,5 mil empregos diretos e indiretos”, complementam.
A previsão é que a obra seja entregue até setembro de 2025.