Famílias narram desespero com deslizamentos em SP: “Parecia terremoto”
São Sebastião foi a cidade mais devastada por tempestades, no início do Carnaval, que resultaram, até o momento, em 46 mortes
atualizado
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São Sebastião – “Por mais que ela soubesse que morava em uma área de risco, não tem o que fazer quando não se tem o maldito dinheiro”, afirmou, na manhã desta terça-feira (21/2), a autônoma Kethelen Pugleise, 31 anos. Ela aguardava notícias da irmã, soterrada com o marido e a filha, de 2 anos, na região do bairro Pantanal, em São Sebastião.
Até a publicação desta reportagem, os três permaneciam desaparecidos, após a casa da família ser varrida por uma avalanche de lama, pedras e árvores. A cidade do litoral paulista foi a mais devastada por tempestades, no início do carnaval, que resultaram, até o momento, em 46 mortes e 49 desaparecidos. Os dados tendem a mudar com o passar das horas.
A camareira Karolyn Pugleise, seu companheiro, o faz tudo Luan Pedro Araújo de Freitas, ambos de 23 anos, e Paloma, filha do casal, estavam em uma das quatro casas destruídas depois de uma sequência de pelo menos três deslizamentos, na madrugada de sábado para domingo.
As outras casas eram habitadas por parentes da família soterrada, que estão entre as 2,5 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas até o momento na cidade.
“Filme de terror”
Vestindo uma roupa de doação, a faxineira Letícia Araújo Lubarino, 44 anos, relembra com lágrimas nos olhos as cenas de terror que se sucederam às avalanches que também destruíram o lar dela.
Quando a chuva começou, no fim da noite de sábado, aos poucos, a água foi entrando em casa, “algo corriqueiro”, afirmou. Ela convidou o sobrinho Luan para que ele fosse até a casa dela, com Karolyn e a criança.
A ideia era de que toda a família dormisse em um mesmo lugar, com o intuito de evitar desconfortos por causa da água, que já havia invadido o banheiro e um quarto da casa do sobrinho. Ele negou o convite. Após secar o excesso de água do chão, todos da família de Letícia foram para a cama. Mas ela não conseguia dormir.
“Tive um pressentimento ruim. Aí, eu falei para o pessoal: ‘Podem ir dormir, que eu vou ficar vigiando [a evolução da chuva]’. Se eu não tivesse ficado vigiando, todos nós íamos morrer juntos.”
Por volta das 2h de domingo (19/2), ela ouviu um estrondo e acordou o marido. “Parecia um terremoto, e meu marido já acordou gritando: ‘É o morro caindo.’”
Letícia e o companheiro não tiveram tempo nem de pensar. Com as telhas do teto desmoronando, após o imóvel ser atingido por árvores arrastadas pela lama, ela e 10 familiares saíram de casa, com a roupa do corpo, antes que ela ruísse por completo.
Depois disso, o marido subiu em uma árvore e traçou uma rota de fuga para a família, por cima do morro.
“Estava tudo escuro. Passamos no meio de uma cachoeira, a correnteza ia puxando a gente e eu ia me agarrando em espinhos para não ser levada. Foi horrível, uma cena de filme de terror”, relembra a sobrevivente. O sobrinho dela, juntamnte com a companheira e a criança, já estavam sob a lama. Ela soube disso somente na manhã de domingo.
Letícia e os parentes desabrigados foram levados para a Igreja Congregação Cristã do Brasil, em Juquehy, local usado como abrigo por cerca de 180 pessoas.
Única casa em pé
No mesmo abrigo, está a autônoma Simone Pugleise, mãe de Karolyn. Ela mora na única casa não destruída pela avalanche de lama. Após ouvir o morro caindo, ela não sabe descrever como chegou até o abrigo. “Só me lembro de pegar os documentos e sair correndo para a igreja.”
Buscas
Sujo de lama, durante uma breve pausa nos trabalhos, o major do Corpo de Bombeiros Helder Kato afirmou ao Metrópoles que as equipes trabalham em dois pontos de buscas, no bairro Pantanal.
“Estamos procurando por pessoas. Há a informação de que três estão em um ponto e uma em outro [do soterramento].” Os dois locais de buscas foram indicados por cães farejadores, nessa segunda-feira (20/2). A corporação localizou os escombros de duas casas, onde passaram a fazer mais esforços.
Eles usam pás, picaretas e enxadas para remover a lama, misturada com escombros. No total, 51 bombeiros atuam nas buscas.