Ex-diretor do DER montou negócio com empresário “papa-obras” emergenciais
Dono de empreiteiras que assinaram contratos sem licitação com o DER, alvo de investigação, abriu empresa de criação de gado com ex-diretor
atualizado
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São Paulo — Um ex-diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de São Paulo, responsável por obras em rodovias paulistas, abriu uma empresa de criação de gado em sociedade com o dono de construtoras que receberam mais de R$ 100 milhões em contratos emergenciais (sem licitação) assinados pelo órgão durante a gestão dele.
Adevilson Maia foi diretor de Engenharia do DER entre fevereiro de 2019 e janeiro deste ano. Nesse período, duas construtoras que pertencem ao empresário Ernaldo Caetano do Nascimento e outra em nome do filho dele receberam R$ 114 milhões por meio de contratos sem licitação celebrados pelo DER, como o Metrópoles revelou em novembro do ano passado.
Os contratos são alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por suspeita de direcionamento na dispensa de licitação, durante os governos João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB). No período, o DER ficou sob influência política do vereador Milton Leite (União), presidente da Câmara Municipal paulistana e aliado dos ex-governadores tucanos.
Registros da Receita Federal e da Junta Comercial de São Paulo mostram que, em junho de 2021, Adevilson e Ernaldo abriram a empresa AE Agronegócios, destinada à criação de gado, no município de Porangaba, que fica a 350 quilômetros da capital paulista. Dois meses depois, contudo, a empresa foi baixada e encontra-se inativa hoje, segundo registro da Receita.
Nos meses seguintes, Ernaldo abriu cinco CNPJs da empresa EC Agronegócios, também no interior paulista. Desta vez, em sociedade com o filho Ennan Nascimento. O empresário é dono da Ercan Construtora e da Naspe Engenharia e Construtora, enquanto o filho consta como o responsável pela Construnan. As três foram beneficiadas por contratos emergenciais do DER na gestão de Adevilson Maia.
Todas as construtoras foram abertas ou adquiridas pela família Nascimento a partir de 2020, ano em que começaram a assinar os contratos emergenciais com o DER. Desde então, as empreiteiras chegaram a multiplicar por 10 o capital social, passando de R$ 5 milhões para R$ 50 milhões. Apenas a construtora Ercan, segundo dados da Secretaria da Fazenda, recebeu R$ 53,6 milhões do DER desde 2020, por meio de 25 contratos. Todos foram celebrados por dispensa de licitação.
Doação ao partido
Em novembro do ano passado, o Metrópoles revelou que Ernaldo Nascimento fez uma doação de R$ 100 mil para a conta do diretório municipal do União Brasil, comandado por Milton Leite. A transferência foi realizada no dia 25 de agosto, no início da campanha eleitoral, e registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na ocasião, Milton Leite afirmou à reportagem que “todas as doações” recebidas pelo seu partido “foram voluntárias” e “dentro da lei”. O vereador disse ainda que não conhece o dono das empreiteiras contratadas sem licitação pelo DER que doou para seu partido e ressaltou que as doações foram feitas por pessoas físicas, “sem qualquer relação com empresas”.
O Metrópoles tentou contato por telefone com o ex-diretor do DER Adevilson Maia e o empresário Ernaldo do Nascimento, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para as manifestações.
Questionada sobre o inquérito do MPSP que investiga suspeita de direcionamento nos contratos sem licitação, a antiga direção do DER afirmou, no ano passado, que “as obras emergenciais representam menos de 10% do total do orçamento para serviços de infraestrutura em rodovias e estradas” e que elas são feitas “quando não é possível esperar os trâmites regimentais de licitações”, para “evitar interrupção, total ou parcial, do tráfego”.
No início do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), todos os indicados do vereador Milton Leite no DER foram substituídos. Em junho, o atual superintendente do departamento, Sergio Codelo, disse, em audiência realizada na Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que todos os contratos sob investigação foram feitos pela gestão anterior e que ele não interfere na apuração.