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Estado de SP é condenado a indenizar vítima de tortura na ditadura

Estudante de economia da USP permaneceu preso por quase quatro meses durante a ditadura, período em que foi vítima de tortura

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Carteira de estudante de Evandir Vaz de Lima, preso e torturado durante a ditadura militar. - Metrópoles
1 de 1 Carteira de estudante de Evandir Vaz de Lima, preso e torturado durante a ditadura militar. - Metrópoles - Foto: null

São Paulo — Passados 50 anos desde que foi preso e torturado pelo regime militar, em 1974, o então estudante de economia da Universidade de São Paulo (USP), Evandir Vaz de Lima, deve receber indenização de R$ 50 mil do Estado de SP, como decidiu a 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos.

A decisão foi mantida pela 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Evandir era estudante de economia, pesquisador e diretor do Centro Acadêmico Visconde de Cairu, da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), quando foi preso em 22 de abril de 1974 nas proximidades da Cidade Universitária, na zona oeste de São Paulo, aos 26 anos.

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O motivo da prisão, de acordo com o regime militar, foi por Evandir iniciar a edição de um jornal universitário com ideias anti-ditadura, além de participar ativamente de movimentos estudantis.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou à época que os jornais deturpavam fatos “no sentido de atiçar a opinião pública contra os órgãos governamentais”. Os periódicos seriam impressos em um apartamento do Bloco A do Conjunto Residencial da USP (CRUSP).

Ele foi levado à Delegacia Especializada de Ordem Política de São Paulo (DEOPS/SP), onde foi barbaramente torturado pela equipe do então delegado Sérgio Paranhos Fleury, conforme relatou mais tarde à Comissão da Anistia.

Fleury foi acusado pelo Ministério Público de torturar e matar inúmeras pessoas durante a ditadura militar, mas morreu antes de ser julgado, em 1979.

Torturas

No relato à Comissão da Anistia, presente no processo ao qual o Metrópoles teve acesso, Evandir detalhou as torturas às quais foi submetido.

Segundo o então estudante, ele teria recebido socos com toalha molhada, na altura do tórax, cabeça e rosto. “Colocaram sobre minha cabeça uma espécie de balde e martelavam-me com objeto de metal ou madeira; quando paravam, logo a seguir recebia choque elétrico, ‘telefone’, socos e pontapés”, disse.

“Telefone” era um método de tortura comum na ditadura, em que o torturador dava tapas ao mesmo tempo contra os dois ouvidos do preso com as duas mãos em forma de concha.

Conforme Evandir, a prática causou o rompimento do tímpano do seu ouvido direito, o que levou a um sangramento abundante, infecção e perda parcial da audição.

Ainda no relato à Comissão da Anistia, Evandir contou passar por interrogatórios durante dia e noite.

Ele teria sido colocado na chamada “Cadeira do Dragão”, uma espécie de cadeira elétrica onde os presos sentavam pelados numa cadeira revestida de zinco ligada a terminais elétricos. Quando o aparelho era ligado na eletricidade, o zinco transmitia choques a todo o corpo.

O então estudante também foi submetido ao “balde”, método em que os torturadores enfiavam na cabeça da vítima um balde de metal, onde também eram aplicados choques.

Evandir contou ter ficado 90 dias na solitária, com sangramento abundante, infecção e falta absoluta de assistência médica.

Sua ficha no DOPS, de 26 de junho de 1974, indicava que Evandir nunca esteve internado em casa de tratamento mental, não estava bêbado ou sob forte emoção quando foi apreendido, nunca tinha sido processado ou preso e, além disso, dizia estar arrependido pelo “crime” que era acusado.

Soltura e exílio

Ele foi solto em 12 de agosto de 1974, tendo completado 27 anos de idade ainda preso. Após a soltura, perdeu o cargo de pesquisador da USP e foi para o exílio, vivendo em locais como Buenos Aires, Moscou, Paris, Bruxelas e Itália.

Em Moscou, estudou na Escola Komsomol e fez tratamento para recuperar a audição, recuperando 40% da capacidade auditiva. Retornou ao Brasil somente em 1980, com a Lei da Anistia.

Apesar disso, Evandir se manteve na mira do monitoramento dos militares até mesmo no período em que esteve fora do país. Os órgãos de inteligência da ditadura identificavam-no como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e pertencente à Juventude Comunista.

Processo e indenização

Por meio de seu advogado, Wilson Luiz Darienzo Quinteiro, Evandir pediu indenização por danos morais à Justiça de SP e à Justiça Federal, processo que ainda está em andamento.

Quinteiro destacou, com base na Súmula nº 647 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que os direitos de presos políticos durante o regime militar não prescrevem. Portanto, mesmo após 50 anos dos fatos, Evandir tem direito a indenização.

A Fazenda do Estado argumentou inicialmente não haver provas suficientes de que o homem tenha sido torturado no período em que esteve preso.

O Juiz de Direito Dr. Bruno Nascimento Troccoli, no entanto, entendeu que “é fato notório que os presos políticos, à época, eram submetidos a interrogatórios mediante tortura, com o fim precípuo de compeli-los a revelar fatos e delatar pessoas”.

Além disso, o magistrado considerou que a documentação presente nos autos é suficiente para comprovar as alegações.

Contudo, o juiz não acatou o pedido da defesa de fixar a indenização em R$ 100 mil, definindo a sentença em R$ 50 mil. A defesa de Evandir informou ao Metrópoles que vai recorrer no STJ.

“Nós entendemos que no mínimo tem que ser 100 mil de reais porque o Tribunal de Justiça tem julgado nesse sentido. Nós vamos recorrer porque acreditamos que esse valor não repara o dano causado”, disse Quinteiro.

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