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“Espero receber turistas em abril”, diz dona de pousada na Barra do Sahy

Rosana Brito, da pousada Tiê Sahy e do restaurante Acqua, na vizinha Cambury, vê a volta ao normal aos poucos e segue no apoio às vítimas

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Rosana Brito (à esq.) e equipe de voluntários no Tiê Sahy, em São Sebastião
1 de 1 Rosana Brito (à esq.) e equipe de voluntários no Tiê Sahy, em São Sebastião - Foto: Divulgação

“No momento em que a chuva começou, eu estava trabalhando no restaurante da pousada, na Barra do Sahy. Quando aumentou de volume, resolvi vir para Cambury porque eu imaginava que a rua ficaria alagada. Mas não tinha noção do que estava acontecendo na madrugada. Quando acordei e me conectei é que comecei a ver as notícias. Eu me apavorei e imediatamente corri de volta para a Barra do Sahy, o local mais afetado. Estava muito preocupada com os hóspedes”.

O relato é da empresária Rosana Brito, que mantém a pousada-restaurante Tiê Sahy e o restaurante Acqua, dois dos estabelecimentos de turismo e gastronomia mais tradicionais do litoral norte paulista, e conhece como poucos a região de São Sebastião que foi devastada pelo temporal que caiu durante o Carnaval e já deixou 57 mortos e 4 mil sem moradia até o momento. Os locais que ela administra ficam, respectivamente, na Barra do Sahy e na vizinha Cambury, duas das áreas mais afetadas pela tragédia.

Nascida em Campinas, no interior paulista, mas vivendo há trinta anos no litoral, Rosana se considera uma caiçara. Não por acaso, e assim como fizeram outros donos de restaurantes, pousadas e hotéis da região, ela logo percebeu a situação de calamidade e, de maneira voluntária, começou a preparar marmitas para as vítimas dos desmoronamentos e para os profissionais da linha de frente.

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Região atingida por temporal recebe doação de alimentos e itens para doação a famílias desabrigadas

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Tragédia deixou vítimas soterradas e sem lar

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Defesa Civil emitiu alerta de fortes chuvas para o litoral e o interior paulistas até segunda-feira (27/2)

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Alguns de seus funcionários, que a acompanham nessa tarefa, perderam tudo o que tinham depois do temporal. Um deles não tem mais família. Por isso, Rosana criou uma vaquinha em benefício dos colaboradores e começa, agora, a voltar sua atenção para o futuro e as necessidades não só dos mais de mil desabrigados na Barra do Sahy, mas também para ações que tragam um breve retorno à normalidade.

Nesta entrevista ao Metrópoles, ela relembra o que viveu nos últimos dias e diz o que espera do futuro próximo. Confira abaixo:

O que você viu logo que saiu de casa no domingo?

Graças a Deus a pousada não foi atingida. Nós ficamos sem energia e sem internet por quase 24 horas. A rua ficou muito alagada, com a água acima do joelho. Escoou rapidamente mas restou um lamaçal. Na divisa com a Praia Preta, que foi absurdamente atingida, toda aquela encosta deslizou. Dessa vez os desabamentos atingiram não só os mais pobres, que estão em áreas encostas, mas também a casa de veranistas. O morro que separa Cambury da Baleia também foi fortemente atingido, com três desmoronamentos. Inclusive, tem uma casa da família Maluf que foi praticamente destruída nesse morro.

Em que momento você decidiu começar a preparar as marmitas para os desabrigados?

No primeiro momento, eu pensei em fazer o que amo, que é cozinhar. Sou eu quem cuido das cozinhas do Tiê e do Acqua. E sei que ninguém consegue raciocinar, trabalhar, com fome. Nós ainda não tínhamos doações, nem funcionários porque todos eles foram muito afetados. Com a minha família – meu sobrinho, que estava passando os dias de carnaval lá e uma sobrinha que trabalha comigo –, me mobilizei e fui para a cozinha. Eles ficaram atendendo os hóspedes e eu foquei no preparo para os desabrigados. No primeiro dia, consegui fazer os panelões de arroz e feijão com linguiça calabresa. E fui mandando para a escola, do outro lado da rua, onde muita gente se abrigou. Hoje, há 400 pessoas abrigadas ali e outras 400 no Instituto Verdescola.

E você tem ideia de quantas refeições você já preparou?

Não, mas no primeiro dia peguei coisas que eu tinha no meu estoque pra cozinhar. Somente a minha vizinha e o Mercado da Isabel me ajudaram com algumas proteínas. Mas desde o segundo dia a gente está recebendo muita doação, assim como a escola do Sahy. Então, vou lá também, pego e preparo. Como estou no lugar que mais foi atingido, vejo que a demanda por alimentação é muito grande, porém a gente está conseguindo suprir. Na pousada, que é muito perto da Vila Sahy e da Verdescola, estou recebendo e hospedando bombeiros, médicos, repórteres, que estão na linha de frente e não têm onde ficar. E há dois dias consegui mobilizar a equipe do Acqua, onde estamos também fazendo marmitas para o bairro de Cambury. Então, não precisamos de mais pessoas fazendo comida.

Vocês estão com alguma necessidade específica nesse momento?

Agora, as equipes se organizaram e eu meio que larguei as minhas cozinhas nas mãos delas. Todos estão muito felizes de fazer esse trabalho para os colegas e vizinhos. A nossa preocupação agora é que com as pessoas que precisam voltar para as casas que se mantiveram de pé mas que perderam cama, geladeira, fogão, roupa. Por isso, na quinta (23), eu, o Edinho (Engel, chef e proprietário do restaurante Manacá, em Cambury) e o Valmir (Alexandrini, do restaurante Ogan, também em Cambury) nos reunimos para começar um movimento de arrecadar esse mobiliário, para que as pessoas possam montar sua casa de novo. A gente precisa de um espaço físico para receber e depois distribuir porque as pessoas ainda não podem voltar para suas casas.

Além desse grupo, há alguma coordenação de ações voluntárias para evoluir nesse diagnóstico de necessidades daqui em diante?

A gente ainda está num momento de prestar socorro imediato. Mas o que eu penso, e conversamos ontem na reunião, é tentar trabalhar a imagem desse litoral. Que não fique marcado como um lugar de catástrofe e, sim, um lugar de força, que vai se reconstruir e no qual, pouco a pouco, os turistas vão poder voltar. Como estamos num destino turístico, todos os comerciantes vivem do turismo. Nossa dúvida é: o que vai ser daqui pra frente? Se a gente não puder ter turista no nosso restaurante, na nossa pousada, como a gente vai manter os empregos? Falamos com a associação de bairro de Cambury, que vai ver como pode intermediar tudo isso, e estamos esperando uma posição da prefeitura. Eu, por exemplo, tenho 50 funcionários. São 50 famílias. Por isso criei uma vaquinha para receber doações em dinheiro e repassar 100% aos funcionários. Neste momento, toda e qualquer ajuda financeira nas pequenas vaquinhas como esta irá justamente para a reconstrução da casa dessas famílias.

Você empreende e vive no Litoral Norte há trinta anos. E certamente viu a ocupação desordenada da região. Em algum momento pensou que uma tragédia como essa poderia acontecer?

Sim, tudo isso é anunciado, ano a ano. Eu vi como era este lugar antes da chegada da Rio-Santos: tudo de terra, havia pequenas vilas. Aí veio aquela especulação imobiliária e tudo foi sendo ocupado de forma totalmente desordenada. Não era possível prever 700 milímetros de água. Mas que a gente sabia que um dia ou outro poderia acontecer alguma coisa, a gente sempre soube.

Mas já houve outros desmoronamentos anteriores, não?

Já tivemos várias enchentes e pequenos desmoronamentos em Juqueí, porque lá tem uma área precária bem grande e bem próxima da estrada. Houve um crescimento muito rápido e a região não comporta isso. Cambury não tem saneamento básico, não tem esgoto. Ainda vivemos no sistema de fossa!

E o que a Prefeitura vinha fazendo diante dessa situação?

Eu entendo que a Prefeitura de São Sebastião tem muita dificuldade de organização porque são quase 90 quilômetros de costa. Deve ser uma operação bem difícil. Mas em vez de o prefeito orientar as pessoas para saírem da área de risco – porque já estava prevista uma chuva de 280 milímetros naquela noite e já sabia que existia a possibilidade de acontecer algum problema – ele estava anunciando os blocos de carnaval e os shows que ele articulou para acontecer na região. É triste.

Há onde alocar essas famílias que estão em área de risco?

É difícil, essas pessoas precisam ficar perto de onde trabalham, porque transporte aqui é péssimo. Mas existem áreas planas nos sertões e, com planejamento, acredito que é possível ter acesso a esses lugares.

Todos os seus funcionários estão vivos?

Sim, mas uma funcionária perdeu o marido e dois filhos. Outros perderam tios, primos. Pela proximidade com a Vila Sahy, muitos funcionários são de lá.

Já contabilizou seus prejuízos?

Eu não quero nem chegar nesse momento… Mas prejuízos materiais o Tiê e o Acqua não tiveram porque não foram atingidos. Agora, o prejuízo vai ser futuro porque eu tenho minhas contas a pagar, os funcionários. Vou tentar, como a gente fez na pandemia, não dispensar ninguém.

Diferentemente do seu exemplo, estamos tendo relatos de exploração da tragédia e superfaturamento de preços de comida e hospedagem. Você chegou a saber disso também?

É muito triste mas tem pessoas pegando água na escola, que foi doada, para vender na rua.

Você viu essa cena?

Vi, eu vi essa cena. Não vou citar nomes, mas alguns mercados subiram o preço. Água, então, estava por 50 reais um galão.

Você consegue estimar quando as coisas vão começar a se normalizar?

O governo do estado, o Exército e outros órgãos têm se mobilizado e a ajuda tem sido muito rápida. A gente imaginou que o trecho da Praia Preta, que estava totalmente tomada pelo barro, demoraria muito para ser liberado e hoje já há carros passando. A minha esperança é que a gente consiga colocar tudo em ordem neste mês de março para receber os turistas nos dois feriados de abril e ver alguma luz no fim do túnel.

Como está a cor do mar?

Já está azul. Quando se olha para o mar, a imagem já está mais normal. Mas quando você olha para os morros é muita encosta destruída.

Panorâmica da praia de Cambury, em São Sebastião, na manhã de sexta, 24 de fevereiro de 2023
Praia de Cambury, em São Sebastião, na manhã de sexta (24): vista a parrir do restaurante Acqua

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