Escolaridade é chave para abordar demência, diz professora da Unifesp
Estudo global com apoio de pesquisadora da Unifesp aborda novos fatores de risco para a demência. A escolaridade pode ser o principal deles
atualizado
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São Paulo — Um estudo publicado na revista científica The Lancet no fim de julho deste ano apresenta novas perspectivas para a prevenção da demência – um problema de saúde pública que atinge cerca de 2,71 milhões de pessoas no Brasil – ao abordar novos fatores de risco para a doença. De acordo com a única integrante brasileira da comissão realizadora da pesquisa, Cleusa Ferri, docente do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a escolaridade deve ser vista como um do fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da demência.
“Ter escolaridade implica em acesso a atividades, tanto de trabalho como de lazer, que são mais estimulantes durante a vida inteira, o que aumenta a reserva cognitiva para quando você for mais velho”, diminuindo a chance de ter um quadro de demência, segundo afirmou a pesquisadora ao Metrópoles. “Acesso limitado à educação também determina os outros fatores de risco, como diabetes, hipertensão arterial, sedentarismo, obesidade etc”, completou.
Outro fator que se adiciona à escolaridade é o isolamento social, segundo Cleusa Ferri. “É uma questão da estimulação também. Na idade dos idosos, passa-se a ter um círculo familiar e social menor e isso leva a pessoa às vezes a ficar mais isolada”, explica. “Fora o próprio preconceito da sociedade e dos próprios familiares, que deixam de convidar para atividades ou de incluir em situações que são importantes para estimulá-la”.
A doença
A demência, um declínio cognitivo que afeta a memória, o pensamento e a capacidade de realizar atividades diárias, é uma das principais causas de incapacidade entre os idosos. Segundo o relatório Nacional sobre a Demência, divulgado no último dia 20 em uma parceria do Ministério da Saúde com a Unifesp, cerca de 8,5% da população com 60 anos ou mais convive com a doença, representando um número aproximado de 2,71 milhões de casos. Até 2050, a projeção é que 5,6 milhões de pessoas sejam diagnosticadas no país.
No mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), acredita-se que, em 2019, 55,2 milhões de pessoas no mundo viviam com demência. A estimativa é que o número suba para 78 milhões, em 2030, e 139 milhões, em 2050.
O estudo conduzido pela comissão da revista The Lancet, do qual Cleusa Ferri faz parte, é um avanço na compreensão dos fatores de risco que podem ser modificados para prevenir ou retardar a demência. Foram incluídos mais dois fatores – déficit visual e colesterol LDL alto –, totalizando agora 14 fatores de risco bem estabelecidos na literatura, e aos quais podem ser atribuídos 45% dos casos no mundo.
Na edição anterior desta publicação, foram identificados 12 fatores de risco que estariam bem estabelecidos na literatura. São eles: baixa escolaridade, hipertensão arterial, perda auditiva, tabagismo, consumo excessivo de álcool, obesidade, depressão, diabetes, sedentarismo, isolamento social, poluição e trauma crânio encefálico.
Mundialmente, estes fatores responderiam por cerca de 40% dos casos. Em um estudo anterior, também com a participação da professora Cleusa, viu-se que no Brasil estes 12 fatores de risco respondiam por 48% dos casos, ainda mais do que a média mundial.
Intervenção
Identificar outros fatores de risco que não os tradicionais, como a escolaridade e o isolamento social, trazem uma mensagem de esperança: a demência não é uma condição inevitável do envelhecimento. Ou seja, com intervenções adequadas, é possível prevenir ou retardar seu início, melhorando a qualidade de vida das populações vulneráveis.
Para a população brasileira, isso significa que, ao investir em educação, saúde e igualdade social, é possível reduzir o impacto da demência nas próximas gerações. Segundo Cleusa Ferri, existe a intervenção a nível populacional, como campanhas de conscientização e políticas públicas, e a nível individual, como o apoio mais cauteloso e presente do ciclo social/familiar do idoso.
“Esta publicação é um chamado à ação. Precisamos reconhecer que a demência pode ser prevenida ou adiada, e o Brasil tem o potencial de implementar mudanças que façam uma diferença real para as gerações futuras”, conclui Ferri.