Escola cívico-militar: veja o que os especialistas dizem sobre modelo
Metrópoles entrevistou dois professores que estudam o tema; governo de São Paulo pretende implementar modelo de escola em breve
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) enviará em breve à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) um projeto de lei que institui o programa de escolas cívico-militares na rede estadual de ensino.
O modelo, que ganhou força no país durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é defendido por bolsonaristas como uma forma de melhorar a educação pública e solucionar problemas de indisciplina dos alunos.
Para especialistas que estudam a militarização das escolas, no entanto, o formato não apresenta os resultados prometidos e traz novas preocupações para o ambiente escolar.
O Metrópoles conversou sobre o tema com Catarina Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (REPME), e Salomão Ximenes, pesquisador do assunto e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Confira abaixo o que os estudiosos pensam sobre a militarização de escolas pelo país.
Qualidade de ensino
Um dos principais argumentos citados pelos defensores das escolas cívico-militares, a suposta melhoria do ensino nas unidades que recebem o modelo é questionada pelos pesquisadores.
“Não há indícios de que a militarização em si melhore os resultados escolares”, diz o professor Salomão Ximenes.
Os especialistas afirmam que é comum que as escolas militarizadas passem por mudanças no perfil dos seus estudantes, transferindo alunos que não seguem as novas normas impostas ou que tenham dificuldade em desempenhar bem nas avaliações.
Ainda assim, segundo a pesquisadora Catarina Almeida Santos, os resultados finais observados nos indicadores de qualidade de ensino não são tão diferentes dos que já são apresentados nas unidades tradicionais da rede.
“Tem escolas na rede [pública] que não são militarizadas e entregam resultados iguais ou melhores do que aquelas que são militarizadas”, afirma Catarina.
Presença militar
Os pesquisadores chamam atenção para a falta de experiência pedagógica dos militares. “Os profissionais da área de segurança são treinados para lidar com a ordem pública, a manutenção da ordem. Eles não têm nenhuma formação educativa”, diz Catarina.
Para Ximenes, além da falta de especialização técnica para lidar com o ambiente escolar, a chegada dos profissionais da segurança nos colégios gera um problema do ponto de vista orçamentário.
“A militarização coloca na folha de pagamento da educação profissionais em desvio de função”, diz ele, citando que as pastas estaduais ligadas ao ensino público acabam recebendo uma nova despesa, que não está ligada à educação de fato.
Imposição de normas
Outro fator de atenção, segundo os especialistas, são as imposições envolvendo corte de cabelo, tipo de vestuário e uso de maquiagem. Para eles, as normas ferem os princípios da diversidade e do respeito às individualidades dos alunos, e levam a situações de preconceito e racismo contra estudantes.
“Nós temos bastante indício para dizer que as escolas cívico-militares são escolas que não respeitam a inclusão, não seguem parâmetros democráticos de gestão e que convivem com situações cotidianas de violações de direitos de crianças e adolescentes”, diz Ximenes.
Os dois pesquisadores lembram denúncias de violências cometidas por militares em escolas cívico-militares pelo país e que vieram à tona em reportagens de diversos veículos.
Disciplina
Para o professor Salomão Ximenes, a ideia de que a presença dos militares pode resolver problemas de indisciplina dos estudantes é “uma falácia”. Ele diz que as questões que surgem dentro do ambiente escolar precisam ser trabalhadas por meio da gestão democrática, a partir do diálogo e não pela imposição da hierarquia, como acontece na lógica militar.
Para Catarina, as escolas cívico-militares erram ao tratar problemas disciplinares através do que chama de “imposição pelo medo”. “O medo não é disciplina”, defende a pesquisadora.
“A disciplina que a gente precisa construir [nas escolas] está vinculada ao respeito ao outro. É uma disciplina que pressupõe a construção de regras coletivas, de comportamentos, que leve com que eu reconheça o outro como alguém que precisa ser respeitado”, afirma.