“Escama de peixe” e “azeite”: zap do PCC revela gírias do tráfico
Polícia Civil de São Paulo teve acesso às conversas de membros do PCC nas quais foi negociada a compra de drogas via aplicativo de mensagens
atualizado
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São Paulo — Conversas pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp interceptadas pela Polícia Civil de São Paulo trouxeram à luz gírias usadas por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para determinar a pureza de drogas. As expressões são usadas, provavelmente, para despistar ou dificultar as investigações sobre tráfico envolvendo a facção criminosa.
As mensagens interceptadas foram trocadas entre a mulher de um chefão do PCC e um criminoso com quem ela negociava a compra de cocaína. A mulher é Fabiana Lopes Manzini, presa por tráfico de drogas em setembro do ano passado.
A polícia apreendeu com Fabiana dois aparelhos celulares, com os quais ela coordenava os negócios do marido, Anderson Manzini, o Gordo, chefão da facção paulista, preso desde 2002.
“Escama” e “azeite”
Em diálogo com um fornecedor, identificado como Leandro César de Souza, Fabiana afirma que “está aguardando” e exige uma “amostra” para avaliar a qualidade da cocaína fornecida pelo criminoso.
Durante a conversa, o grau de pureza da droga é determinado por gírias como “escama de peixe”, quando a cocaína conta com alto grau de pureza, ou “azeite”, quando a qualidade é inferior.
O quilo da cocaína que pode chegar a 97% de pureza custa, em média, R$ 24 mil, segundo mensagens no celular de Fabiana. Já a droga “azeite” pode sair entre R$ 10 mil e R$ 15 mil no atacado marginal.
A droga com maior grau de pureza é mais cara, porque também pode render até 10 vezes mais por quilo, a partir das misturas feitas em laboratórios clandestinos, conhecidos como “padarias” — outra gíria comum no tráfico. Ou seja, um quilo comprado no atacado pode virar até 10 quilos no varejo.
Infiltração na política
Durante a conversa com Fabiana, Leandro ainda fala sobre seu desejo de concorrer a um cargo político nas eleições deste ano. Os planos dele foram frustrados após a prisão de sua interlocutora.
A Polícia Civil descobriu que, da mesma forma que Leandro, o PCC articulava o plano de se infiltrar na política de cidades do litoral, do interior e da Grande São Paulo. As conversas constam em cartas escritas por Gordo na cadeia, as quais “vazavam” para Fabiana — que, então, fotografava e enviava o conteúdo via WhatsApp aos destinatários.
Tráfico e “banco do crime”
O chefão, preso há 22 anos por roubo a banco, homicídio e extorsão mediante sequestro, usou sua esposa como intermediária para garantir a gestão de bocas de fumo e, também, manter a diplomacia junto a membros da alta cúpula da facção.
Fabiana foi presa em setembro de 2023, em uma ocorrência cotidiana de tráfico de drogas, quando estava na casa de um criminoso em Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo.
Dois celulares que estavam com ela, apreendidos pela Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Mogi das Cruzes, continham diálogos que descortinaram um complexo e gigantesco esquema administrado por Gordo da cadeia.
A Polícia Civil descobriu que, além de atuar com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, a quadrilha criou um “banco do crime”, por meio do qual movimentou R$ 8 bilhões.
Preso, Gordo do PCC girou mais dinheiro que 2 capitais do país juntas
O dono da instituição financeira digital é João Gabriel Yamawaki, primo de Gordo, que foi preso em 6 de agosto em uma operação deflagrada pela Dise de Mogi das Cruzes. O bloqueio apenas nas contas de Yamawaki foi de R$ 501,3 milhões.
Ao todo, seis membros do PCC são alvo da investigação. Outras 26 pessoas também estariam diretamente envolvidas com os negócios do crime organizado.
As defesas dos suspeitos mencionados nesta reportagem não foram localizadas. O espaço segue aberto para manifestações.
As investigações da Dise continuam, mirando mais alvos revelados após a quebra do sigilo telemático dos dois celulares de Fabiana.