Os erros do piloto do helicóptero que sumiu em SP: “Ele fez loucura”
Estudos de aviação mostram que helicópteros que ousam enfrentar neblina sem instrumentos costumam sofrer acidente em até 178 segundos
atualizado
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O piloto do helicóptero que sumiu na véspera do Réveillon sob a neblina da Serra do Mar, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo, não tem habilitação nem preparo para voar dentro de nuvens, no chamado voo por instrumentos. Para piorar a situação, Cassiano Tete Teodoro, de 44 anos, conduzia uma aeronave que não é certificada para esse tipo de viagem, segundo documentos obtidos pelo Metrópoles e especialistas ouvidos pela reportagem.
O helicóptero modelo Robinson R44 partiu do Campo de Marte, na zona norte da capital paulista, com destino à Ilhabela, no litoral norte do estado. A aeronave foi localizada pela última vez no radar por volta de 15h20 do dia 31/12. Teodoro levava três passageiros: Raphael Torres, de 41 anos; Luciana Rodzewics, 45, e Letícia Ayumi, 20. Neste sábado (6/1), a Força Aérea Brasileira (FAB) realiza o sexta dia de buscas, mas nenhum vestígio do helicóptero e dos tripulantes foi encontrado até agora.
O modelo Robinson 44 não tem os equipamentos adequados que poderiam ajudar o piloto a navegar sem visibilidade. Além disso, a demora no trabalho de buscas também pode ser explicada pela ausência de outro item essencial: o chamado ELT, localizador que emite sinais de emergência em caso de colisão ou impacto.
Pelas regras brasileiras, o dispositivo de localização é obrigatório apenas no serviço de táxi aéreo, quando o piloto transporta passageiros por pagamento ou compensação financeira, e não nos voos privados, feitos pelo próprio dono. Compulsório ou não, o uso do ELT é questão de “prudência”.
“Se cair no mar, o helicóptero afunda e não fica boiando, como o avião. Se cair na Mata Atlântica fechada, ele some entre as árvores. Pessoas optam por economizar no localizador, pensando que não vai acontecer algo grave, e acabam ficando sem socorro”, explicou um piloto com experiência de voos na região do desaparecimento, que pediu para não ser identificado.
Sem habilitação
Até agora, as investigações ainda não demonstraram qual atividade a aeronave fazia no dia 31 de dezembro de 2023. O que se sabe é que Cassiano Teodoro e o helicóptero não tinham permissão para voos comerciais. E que o histórico de habilitações vigentes do piloto, obtido pelo Metrópoles, mostra que ele não era preparado oficialmente para esse tipo de missão.
Segundo Rodrigo Duarte, piloto e advogado especializado em direito aeronáutico, estudos acadêmicos já demonstram que quem ousa enfrentar nuvens sem os equipamentos de navegação adequados costuma se acidentar em, no máximo, 178 segundos.
“O piloto, quando não tem os instrumentos para voo dentro das nuvens como também não possui o treinamento para voar nessa condição, tende a se desorientar espacialmente, ou seja, perde a noção se está subindo, descendo, virando para um lado ou para outro”, explica Duarte, que já foi presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe).
Na viagem entre São Paulo e Ilhabela, o piloto chegou a fazer uma parada na margem da Represa de Paraibuna, no Vale do Paraíba. Material de áudio e vídeo encaminhado por uma das vítimas à família, e entregue às autoridades, mostra que o condutor estava com dificuldade de navegação e envolto por densa neblina.
O ex-presidente da Abraphe diz que, numa situação como essa, o certo seria interromper a viagem, chamar ajuda e ser resgatado – de carro. “Ele decolou por vontade própria, provavelmente tomou uma decisão totalmente errada, diante do cenário que ele tinha de condição ruim de meteorologia. Uma situação totalmente adversa, totalmente abaixo dos mínimos regulamentares determinados para o voo visual do ponto de vista meteorológico”, diz.
Fora de controle
A região da Serra do Mar, apesar do fluxo de aeronaves, não é uma área controlada ativamente pelo Departamento de Controle do Espaço Aérea (Decea), ligado à Força Aérea Brasileira (FAB), que concentra esse trabalho especialmente em espaços próximos dos aeroportos paulistas. Ou seja, quando sumiu, o helicóptero não estava sendo acompanhado de forma detalhada por ninguém. Caberia ao piloto pedir ajuda em uma frequência de rádio específica para isso.
Questionado pelo Metrópoles, o Decea confirmou que “não houve captação de sinal de ELT” do helicóptero que desapareceu e que “não houve chamado de emergência da aeronave”. Segundo o órgão, existe o controle do trecho entre São Paulo e Ilhabela e que, “no caso de corredores visuais, os pilotos são responsáveis por manter a separação com o solo e com outras aeronaves, não sendo mandatário o contato com os órgãos de controle de tráfego aéreo”.
Mesmo se estivesse sendo monitorado ativamente, especialistas afirmam que o equipamento usado para a geração do sinal de localização da aeronave, o transponder, dificilmente teria conexão com as torres de controle, já que o helicóptero estava entre montanhas e em altura baixa.
Foi nesse cenário que o piloto Cassiano Teodoro fez comunicações por rádio e celular com o heliponto que o receberia, em Ilhabela. Em entrevista ao Metrópoles, o dono do local explicou como se deu a última comunicação.
“Eu estava aqui falando com ele (piloto) no celular e com o rádio na mão, mas meu rádio não tem alcance para falar onde ele estava. Então, eu usava o celular. Não tinha jeito de ajudar ele. Se ele estivesse alto, 5 mil pés, 6 mil pés, aí ele estaria falando com o controle de São Paulo. Mas, do jeito que eu conheço ele, ele não iria falar com o controle”, explicou Jorge Maroum.
Nos bastidores, o piloto é conhecido pela teimosia e tem um “histórico ruim” na aviação, incluindo autos de infração a cassação da licença, como mostrou o Metrópoles — ele obteve uma nova, apenas para voos privados, recentemente.
O dono do heliponto explicou que Teodoro sequer deixou clara a gravidade da situação. “Ninguém está sabendo que ele está naquele quadro. Se ele falasse que estava em momento crítico, eu pegaria o carro e iria resgatar”.
Para ele, em situações como essa, o manual manda tentar pousar e ficar no chão. “A única coisa que ele tinha que fazer era pousar, né? Daí ele pousou. Só que depois ele decolou em seguida, uma loucura, entendeu? Ele não tinha que sair do chão, ele tinha que ficar lá, porque você está rodeado de nevoeiro.”
No site da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a aeronave desaparecida tem como operadora oficial a Companhia Brasileira de Aviação, registrada sob o nome CBA Investimentos Ltda, cujo sócio administrador é Cassiano Teodoro, ao lado de familiares. A propriedade do helicóptero é da mãe dele e da RGI Locações Ltda, que, inicialmente, não tem vínculo com o piloto.
Defesa do piloto
Procurada pelo Metrópoles, a defesa do piloto disse não ter informações sobre o acidente e afirmou que, desde outubro do ano passado, ele tinha nova autorização de voo e estava vigente.