Empresa de Cariani usou CPF de prefeito para simular negócio, diz PF
Segundo a PF, nome de Felipe Augusto, prefeito de São Sebastião, foi usado por empresa de Renato Cariani para simular venda para AstraZeneca
atualizado
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São Paulo — O inquérito da Polícia Federal (PF) que serviu como base para a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MPSP) contra o influenciador fitness Renato Cariani, por tráfico de drogas, aponta a suspeita de que o esquema tenha utilizado dados do atual prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), para simular depósitos do laboratório AstraZeneca para a Anidrol, empresa química de Cariani.
Segundo a PF, as transferências falsas teriam dado origem ao desvio de substâncias usadas na produção de cocaína e crack. Na semana passada, Cariani e quatro sócios viraram réus na Justiça de São Paulo por tráfico de drogas, associação ao tráfico e lavagem de dinheiro. Segundo o MPSP, eles fizeram 60 transações dissimuladas de produtos químicos para a produção de até 15 toneladas de drogas prontos para consumo.
Os documentos, obtidos pelo Metrópoles, mostram que dois depósitos foram feitos em nome do atual prefeito de São Sebastião, em 2015 e 2016. Na época, ele era secretário do Planejamento em Caraguatatuba. O primeiro deles no valor de R$ 103.500 e o segundo no valor de R$ 108.500, por carregamentos de lidocaína.
De acordo com a AstraZeneca, Felipe Augusto nunca foi representante da empresa. A suspeita, de acordo com a PF, é que os criminosos tenham usado o CPF do atual prefeito de São Sebastião, que poderia ser obtido com mais facilidade, por se tratar de uma pessoa pública.
“É possível que, por se tratar de pessoa pública, o CPF de Felipe Augusto tenha sido utilizado de maneira fraudulenta. Aqui, faz-se necessário avaliar em que condições teria se dado a condição de Felipe Augusto na condição de depositante de expressivos valores em favor da Anidrol, no interesse da AstraZeneca, que nega contundentemente tal possibilidade”, diz a PF.
Após a AstraZeneca negar a compra das substâncias, a PF questionou a Anidrol sobre as transações. A empresa de Cariani insistiu no discurso de que elas foram vendidas para a AstraZeneca, apresentando cópias de emails sobre as tratativas e notas fiscais de uma suposta venda de 450 kilos de lidocaína.
Nos emails, além do nome de Felipe Augusto como suposto intermediário da negociação, aparece um outro, Augusto Guerra. O nome aparecia associado ao CPF de uma pessoa que faleceu em 2007. Questionada, a AstraZeneca afirmou que também não possui representante com esse nome.
“Uma pessoa ou um grupo de pessoas instituiu domínio na internet astrazenecadobrasil.com.br bem como contas de e-mail associadas a esse domínio e, se fazendo passar por funcionários da empresa AstraZeneca do Brasil LTDA, adquiriram junto a empresa Anidrol grande quantidade de produtos químicos”, diz a Polícia Federal.
Além de Renato Cariani, viraram réus Roseli Dorth, Fabio Spinola Mota, Andreia Domingues Ferreira e Rodrigo Gomes Pereira.
Procurado pelo Metrópoles, o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto, afirmou, por meio de mensagem, que desconhece o inquérito da Polícia Federal e que não tem relação e nem conhece as pessoas e empresas citadas. Ele disse que é “vítima” de um golpe e que já foi ouvido pela Polícia Civil.
“Sou vítima desse golpe e só tomei conhecimento dessa situação quando cheguei a delegacia de polícia. Usaram meu RG e CPF (dados roubados) de forma indevida, sem autorização para possibilitar essa compra, sem meu conhecimento. Diversas pessoas também tiveram os dados roubados para a prática desse crime abominável”, afirmou Felipe Augusto.
“Nomes de crianças”
Mensagens de WhatsApp anexadas ao inquérito que embasou a denúncia do MPSP indicam que o empresário usou “nomes de crianças” para fraudar a compra de hormônios de crescimento e sugerem que ele tinha “amigos policiais” que poderiam protegê-lo de investigações.
Em um diálogo destacado pela PF, ocorrido em julho de 2017, Cariani pede ajuda para uma parceira de negócios para conseguir receitas médicas para comprar Norditropin, mais conhecido como “GH”, com desconto. “Amiga, consegue dois nomes de crianças com os dados dos pais para mim, por favor. Preciso comprar mais daquele medicamento”, escreve Cariani. “Consigo, sim”, responde a interlocutora.
Segundo a PF, em ocasiões posteriores, Cariani envia receitas médicas para sua colega, que realiza o cadastro delas junto a empresas farmacêuticas, com a finalidade de emissão de vouchers de descontos para a compra do medicamento, que seria o “GH”. Para a PF, diante do contexto das conversas, “levanta-se a suspeita de que as receitas enviadas” por Cariani “poderiam ter uma finalidade diversa a de tratamento hormonal infantil”, com “indícios de falsidade dessas receitas”.
Amigos policiais
Em outro diálogo, Cariani é alertado pela parceira, em novembro de 2016, sobre uma operação da PF que prendeu empresário suspeito de desvio de produtos químicos para o tráfico de drogas, em Ribeirão Preto, no interior paulista.
A interlocutora fala do receio de a operação “respingar” na Anidrol, a empresa de Cariani, e diz que os policiais da operação haviam pedido as notas de quem vendeu a matéria-prima. Cariani responde: “Se eu for me preocupar com isso então não posso vender pra revenda nunca pois o que tem de tranbiqueiro [sic]”.
Menos de dois anos depois, em conversa com a mesma pessoa pelo WhatsApp, Cariani é avisado sobre uma vistoria da Polícia Civil em outra empresa química. A parceira de negócios o informa sobre os documentos que precisará apresentar sobre a empresa, como alvará e autorizações da Polícia Federal e Civil. O influencer a tranquiliza: “Não se preocupe que tenho amigos lá”.
Meses depois ela volta a escrever para Cariani dizendo que “seus amigos policiais” estiveram no local fazendo “vistoria” e que ela tinha sido “tranquila”. “Quem bom que são meus amigos querida”, respondeu Cariani. Para a PF, “a conversa causa estranheza”, pois a preocupação da interlocutora “dá a entender que a empresa não estaria funcionando regularmente” e “a fala final de Renato [Cariani] reforça essa suspeita”.
O que diz Renato Cariani
Logo após ser indiciado pela PF, em dezembro, Renato Cariani compartilhou vídeos nas redes sociais nos quais nega envolvimento nos crimes, atribuindo-os a terceiros. Ele disse que ficou “aliviado” e “tranquilo” depois de prestar depoimento e que não tem relação com as suspeitas levantadas pela investigação.
“Pude fazer meu depoimento, [tive a] oportunidade de fazer ele [por] escrito e gravado. Eu quis porque [ao deixar] gravado tenho tudo na íntegra, afinal de contas não tenho absolutamente nada com isso”, disse em dezembro.