Em fala sobre corrupção, Boulos desafia Nunes a abrir sigilo bancário
Candidatos à Prefeitura de SP, Guilherme Boulos (PSol) e Ricardo Nunes (MDB) participam de debate na TV Bandeirantes nesta 2ª feira (14/10)
atualizado
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São Paulo — O candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSol) provocou o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, a abrir o seu sigilo bancário para explicar cheque que teria recebido e é alvo de inquérito na Polícia Federal em investigação sobre a máfia das creches na capital.
“Abra o seu sigilo bancário”, provocou Boulos durante o debate desta noite de segunda-feira (14/10) na TV Bandeirantes.
“Tenho a minha vida limpa”, rebateu o prefeito Ricardo Nunes durante o embate sobre corrupção.
Ambos os candidatos seguiram trocando farpas em relação ao tema. “Você sabe o que é trabalhar?”, disparou Nunes, arrancando risos de assessores que fazem parte da plateia no estúdio da emissora, no bairro do Morumbi, na zona sul paulistana.
“Tenho o maior orgulho de ser professor”, rebateu o deputado federal, enfatizando a carreira como professor universitário.
Investigação sobre a Máfia das Creches
Segundo a investigação da PF, que começou em 2019 a partir de indícios de fraude e sonegação no recolhimento de guias previdenciárias por parte de entidades que administram as creches terceirizadas da prefeitura, 36 organizações sociais participaram do suposto esquema de desvio de dinheiro da educação municipal, por meio de superfaturamento de contratos e emissão de notas fiscais frias.
Essas entidades são pessoas jurídicas sem fins lucrativos que, pelas regras da prefeitura, são contratadas sem licitação pela Secretaria Municipal da Educação. Na última terça-feira (30/7), a PF concluiu que houve desvio de dinheiro público e, além de indiciar mais de 100 pessoas, manteve aberta uma investigação para apurar possível envolvimento do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), no caso.
De acordo com a PF, uma das principais empresas “noteiras” do esquema – responsável por emitir notas frias –, repassou R$ 1,3 milhão à Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), que era dirigida por uma funcionária da empresa da família de Nunes, além de ter transferido R$ 20 mil à Nikkey Serviços, que estava registrada em nome da mulher e da filha do prefeito, e mais R$ 11,6 mil ao emedebista, por meio de dois cheques. Nunes nega que os pagamentos tenham sido ilegais.
Contratos sob suspeita
Ampliar o número de vagas nas unidades de ensino infantil, de 0 a 3 anos, era uma das bandeiras de Nunes, que conseguiu zerar a fila da creche na atual gestão, ampliando a terceirização do serviço por meio de contratos com organizações sociais. As 36 entidades identificadas pela PF como relacionadas ao suposto esquema administravam 152 creches, a maioria nas zonas sul e leste.
Em comum, elas usavam um grupo de cinco escritórios de contabilidade acusados de fraudar as prestações de contas. Ao todo, segundo a PF, o grupo fraudou contas de 112 das creches sob responsabilidade deles. A maior parte dos desvios de recursos teria ocorrido por meio da simulação de compras de bens de consumo que não foram feitas para o atendimento das crianças nas creches, apontou a investigação.
Além dos cinco escritórios de contabilidade que interligavam as entidades, a máfia das creches se valeu de oito empresas “noteiras”, especializadas na emissão de notas fiscais frias. As entidades gestoras das creches recebiam dinheiro público da prefeitura e simulavam compras de merenda, material de papelaria e produtos de limpeza. As empresas “noteiras” não forneciam os produtos completos e devolviam parte do dinheiro às entidades, por meio de transferências ou simulações de outros tipos de serviços.
Vendas maiores do que o estoque
Ao analisar a quebra de sigilo bancário dessas oito “noteiras”, a PF identificou que “o total de vendas era nove vezes superior ao valor das compras, segundo o relatório de conclusão do inquérito da PF, obtido pelo Metrópoles. Agora, o caso está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF).
Uma dessas empresas é a TAG Distribuidora Delivery, que ficava na zona leste e já foi extinta. No caso dela, por exemplo, a investigação verificou que “as vendas (R$ 15.941.163,31) no período apontado [de 2016 a 2020] são 49.291% superiores às aquisições (R$ 32.275,29) de mercadorias por esta fornecedora”.
Ou seja, segundo a PF, a empresa tinha registros de ter comprado R$ 32 mil em mercadorias para vender às creches, mas declarou ter vendido R$ 15 milhões. A TAG atendia a 68 creches, a maioria da zona leste. O mesmo esquema foi identificado pela PF nas outras sete empresas “noteiras”.
A partir dos dados que constam no Sistema de Identificação de Movimentação Bancária (Simba), a PF descobriu que um dos grupos de empresas associadas ao esquema movimentou, entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2020, R$ 1,04 bilhão. Em um segundo grupo, a movimentação constatada pela investigação foi de R$ 466 milhões.
Alvos misturados
Outra característica da máfia identificada pela PF foi a troca de postos entre as 111 pessoas relacionadas ao esquema. O funcionário de uma creche era também sócio de uma empresa “noteira” e tinha parentes como funcionários de um dos escritórios de contabilidade.
Um dos indiciados é Erasmo Cordeiro de Oliveira, sócio do escritório de contabilidade Eco Assessoria Empresarial, que prestava serviço para 100 creches na cidade, de acordo com a PF. Ele foi presidente da entidade Abracci e era sócio também de três empresas apontadas como emissoras de notas frias. “Há inúmeros parentes do indiciado que trabalham em associações comprometidas [com prestações de contas fraudadas] vinculadas a seu escritório, denotando que é ele quem efetivamente as controla”, diz a PF.
Os trechos da investigação que tratam do prefeito Ricardo Nunes também apontam esse modo de atuação. A entidade Acria, que administra creches na zona sul, era presidida por Elaine Targino, que foi funcionária da Nikkey Serviços, empresa em nome da mulher e da filha do prefeito, mas que Nunes admitiu à PF ser controlada por ele.