Drinque-senha e brigada treinada: bares de SP atentos à lei do assédio
Confira as providências que bares de SP estão tomando – ou já vinham tomando antes – para se adaptar à lei estadual contra assédio sexual
atualizado
Compartilhar notícia
Desde 3 de fevereiro, o estado de São Paulo conta com a lei 17.621/2023, que obriga bares, restaurantes, casas noturnas e eventos a adotarem medidas similares ao No Callem, (“Não nos calamos”, em tradução livre do catalão), protocolo que foi criado em 2018 pela prefeitura de Barcelona, na Espanha, para coibir agressões sexuais e violência contra a mulher em locais de lazer. Foi esse documento que permitiu à polícia espanhola encontrar evidências e prender em 20 de janeiro o jogador brasileiro Daniel Alves, acusado de estuprar uma mulher de 23 anos na discoteca Sutton.
Entre as exigências da lei paulista estão a afixação de cartazes nos banheiros femininos, para informar que é possível obter ajuda no local; a oferta de um acompanhante até o carro ou outro meio de transporte; e a comunicação à polícia. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), inclusive, diz que vai debater com os bares e restaurantes associados meios para preservar a segurança das mulheres e treinar os funcionários para que estejam preparados para auxiliar a vítima. Uma pesquisa realizada pela multinacional de bebidas Diageo apontou que 66% das mulheres já sofreram assédio em bares e restaurantes no Brasil. Já entre as funcionárias desses locais, 78% dizem já terem sido vítimas de assédio enquanto trabalhavam.
Mas antes mesmo da promulgação da lei, alguns bares em São Paulo já vinham adotando medidas para combater o assédio. Desde antes da pandemia, o Soul Botequim, no Brooklin, mantém grafismos no banheiro masculino com mensagens contra o assédio e apresenta no cardápio uma opção de drinque ou de cerveja artesanal que, caso sejam pedidos, o garçom saberá que está diante de uma situação de risco de assédio. É uma espécie de “drinque-senha”, que a casa troca de tempos em tempos. Cartazes afixados no banheiro informam às clientes qual é o drinque-senha da vez. O simples fato de um cliente pedir ao garçom que leve uma bebida a uma mulher que esteja em outra mesa, por exemplo, está sujeito a esse protocolo.
“Antes de levar a bebida à mesa, nossa brigada pergunta à mulher se ela aceita o drinque que está sendo oferecido pelo cavalheiro da mesa tal. Se ela não quiser, não entregamos”, diz Humberto Ribeiro, um dos sócios da casa, que também irá contratar o serviço de cliente oculto para aferir se a equipe está mesmo preparada. “O passo seguinte é fortalecer a presença feminina na casa”, diz Humberto Ribeiro. Atualmente, dos 17 funcionários, sete são mulheres e todos passam por treinamento constante, que inclui técnicas de observação e abordagem às mesas em casos de suspeita.
Para Lili Varella, dona do Drosophyla, localizado na região central, ter mulheres na equipe é um ponto que ajuda a detectar situações suspeitas. Na brigada do bar, gerente, segurança, caixa e duas bartenders são mulheres. “Por si só, acabamos criando uma rede de defesa para nós e por nós, mulheres”, diz Lili. “As mulheres têm uma sensibilidade mais aguçada para lidar com a questão”.
Especializado em uísques e coquetelaria, o bar Caledonia Whisky & Co., em Pinheiros, promoveu em maio de 2022 um treinamento para a equipe, ministrado pela Women Friendly, empresa especializada em prevenir e combater assédio ou qualquer outra importunação em organizações, restaurantes e eventos. No curso de duas horas de duração, financiado pelo projeto Bares sem Assédio, da Diageo, são abordadas situações práticas e é apresentado um passo-a-passo de como a brigada deve reagir: 1. observar a linguagem corporal dos clientes; 2. perguntar se está tudo bem; 3. oferecer à pessoa incomodada que troque de lugar; 4. pedir ao assediador que pare; 5. retirar o assediador do bar, se necessário. “Assédio é a dor do outro”, define Mauricio Porto, sócio do Caledonia, que recebeu, em nome do bar, um certificado emitido pela Women Friendly. “É importante mostrar para as pessoas que elas não sabem que estão cometendo assédio. Se você estiver constrangendo alguém, saiba que está assediando”.