Dos megatemplos à penhora de dízimo: a derrocada do apóstolo Valdemiro
Com sucessivas derrotas judiciais, o apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial, tem perdido patrimônio associado ao império religioso
atualizado
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São Paulo – Pressionado por cobranças de aluguéis, impostos e direitos trabalhistas atrasados, o apóstolo Valdemiro Santiago aproveitou a transmissão do culto para lançar um desafio aos fiéis da Igreja Mundial do Poder de Deus: arrecadar R$ 10 milhões até o fim de janeiro de 2023.
“Me desculpa estar fazendo este apelo, é que nós estamos mesmo bem aflitos e a obra está realmente chamando você”, afirmou Valdemiro, ao convocar o mutirão de doação por Pix, depósito ou transferência bancária. “Eu mesmo vou colocar meu nome no livro do socorro. Daqui a uns dez dias, eu tenho fórum para ir, tenho delegacia. Tenho uns passeios turísticos aí, entendeu?”.
Aquela era a segunda vez que Valdemiro recorria ao “rebanho” em menos de um ano – período em que o líder da igreja evangélica acumulou mais de dez condenações em primeira instância só no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por deixar de honrar suas dívidas. Também há ações em outros estados.
Com sucessivas derrotas judiciais e até registo de greve de funcionários, o apóstolo tem visto credores avançarem sobre o patrimônio associado ao seu império religioso, constituído por rádio, TV e mais de seis mil templos. Nem o dízimo escapou de ser penhorado recentemente.
Ascensão vertiginosa
Conhecido por usar um chapéu de vaqueiro nos cultos, Valdemiro Santiago de Oliveira, de 59 anos, nasceu em um distrito rural de Palma, no sul de Minas Gerais. Em seus testemunhos, relata que cresceu em uma “família pobre com muitos irmãos”, perdeu a mãe aos 12 anos e “encontrou a salvação na mensagem anunciada do evangelho de Jesus Cristo”.
O pregador evangélico fundou a sua própria denominação após ser expulso da Igreja Universal do Reino de Deus, por desavenças com o bispo Edir Macedo, líder da igreja. A primeira sede da Mundial foi inaugurada por ele em 1998, em Sorocaba, no interior de São Paulo. O crescimento foi vertiginoso.
No início, os únicos integrantes eram o próprio Valdemiro, a esposa dele – a bispa Franciléia de Castro Gomes de Oliveira –, e outras 16 pessoas. Hoje, a Mundial é uma das principais instituições neopentecostais do Brasil, calcula ter nove milhões de fiéis e está presente em mais de 20 países – entre eles, Estados Unidos, Portugal, África do Sul, Japão e Filipinas.
Valdemiro também ganhou notoriedade por transmitir suas pregações em horário nobre na TV aberta, faturou com livros e DVDs e até se envolveu em uma polêmica na venda de “feijão mágico” contra a Covid-19, contestada pelo Ministério Público Federal (MPF) e arquivada depois.
Em 2013, a revista Forbes avaliou o patrimônio líquido de Valdemiro em 220 milhões de dólares – ou o equivalente, na época, a R$ 440 milhões. Fortuna que o apóstolo negava esbanjar ainda antes de enfrentar o lamaçal de dívidas.
Do paraíso ao inferno fiscal
Para acomodar melhor a multidão de fiéis, o apóstolo transferiu a sede da Mundial do interior para a capital paulista, em 2006, onde ergueu megatemplos com capacidade para até 150 mil pessoas. A Cidade Mundial, construída no Brás, centro de São Paulo, é um dos maiores símbolos de pujança da igreja.
Foi lá que Valdemiro recebeu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), então candidato à reeleição. O evento de campanha foi realizado em outubro de 2022, quando o apóstolo já enfrentava contestações judiciais. Na ocasião, o Metrópoles testemunhou membros da igreja circulando com maquininhas de cartão para recolher contribuições de fiéis.
A realização das chamadas “concentrações de fé”, eventos responsáveis por atrair multidões, é revezada entre a Cidade Mundial e outra igreja faraônica que fica em Santo Amaro, na zona sul. Com 300 banheiros e mil vagas de estacionamento, o imóvel é avaliado em R$ 33,4 milhões pelo TJSP.
Em abril de 2022, o megatemplo de Santo Amaro foi mandado à leilão por uma dívida de R$ 409 mil com a empresa contratada para fazer limpeza e controle de pragas naquele e em outros imóveis ligados à igreja.
“Milagre da blindagem”
Valdemiro prometeu “jejuar e orar para Deus interceder na vida econômica” dos doadores, ao pedir socorro financeiro, em janeiro de 2023.
“Eles começam a me acusar de forma leviana e isso vai render processo-crime contra eles. Eu não vou aceitar, porque eu tenho minha consciência limpa. Não tem ninguém que entrega mais para a obra de Deus do que eu e isso também financeiramente”, pregou.
Assim como a ascensão, a derrocada do apóstolo também tem sido acelerada. Só nos últimos quatro meses, ele já viu a Justiça penhorar pelo menos três carros de luxo, 50% de um apartamento de 226 m², em Rondonópolis, no Mato Grosso, e uma mansão com heliponto, ginásio e 22 quartos com banheira, em Ilhabela, no litoral paulista.
Entre os reclamantes, há quem alegue que o religioso usaria “laranjas e testas de ferro” para evitar a execução de dívidas e proteger seus bens. “Milagre da blindagem patrimonial”, ironizou um deles.
Já os advogados de defesa afirmam que parte das cobranças é indevida e discordam de alguns valores reclamados. Também sustentam que o volume de doações para a igreja reduziu drasticamente por causa da pandemia – ainda que a Mundial tenha registrado cultos lotados no período.
Voo interrompido
O mais recente revés envolve a cobrança de uma suposta dívida de R$ 21,4 milhões da empresa Intertevê Serviços Ltda, agência de publicidade ligada a Valdemiro. Em março de 2023, a Justiça mandou apreender um avião Pilatus, modelo PC 12/47E, que teve a propriedade transferida para uma das suas filhas anteriormente.
Fabricada em 2009, a aeronave teria sido dada como garantia a uma instituição financeira pelo grupo do apóstolo. A defesa, no entanto, nega a existência da dívida, afirma que o contrato é fraudulento e diz que o líder religioso seria vítima de um esquema de vingança do seu ex-genro, após processo de divórcio.
Ainda sem avaliar o mérito, o juiz Felipe Poyares Miranda, da 16ª Vara Cível do TJSP, negou embargo e confirmou a ordem de apreensão do avião na sexta-feira (14/4). Segundo o processo, a aeronave estaria estacionada no aeroporto de Bonito, cidade turística do Mato Grosso do Sul, e deve ser entregue em Jundiaí, no interior paulista.
O Metrópoles tentou contato por telefone com a Igreja Mundial. Três advogados que representam Valdemiro também foram procurados por e-mail e telefone, mas não houve retorno até o momento. O espaço segue aberto para manifestação.