DHPP investigará morte de aposentado por PM após atrito entre polícias
Demora ocorre porque Polícia Militar não apresentou a ocorrência à Polícia Civil, que só pôde começar investigação após acionamento do MPSP
atualizado
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São Paulo – A Polícia Militar não apresentou em nenhuma delegacia a ocorrência na qual o sargento Roberto Márcio de Oliveira atirou e matou o aposentado Clóvis Marcondes de Souza, de 70 anos, em 7/5 no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
O caso só começou a ser investigado pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) quatro dias depois, nesse sábado (11/5), após o crime ser notificado pelo Ministério Público de São Paulo, à Polícia Civil, no dia anterior.
“É importante destacar que a análise técnico-jurídica por um delegado de polícia tem ainda maior relevância em caso de homicídio praticado por policial militar contra um civil”, observou o delegado Murillo Salles Freua, do DHPP, em relatório obtido pelo Metrópoles.
Ele destaca que a PM não apresentou o caso em uma Delegacia de Polícia, mas à Polícia Judiciária Militar do 8º Batalhão da PM, no qual está lotado o 1º sargento da Força Tática que matou o aposentado. O PM está preso preventivamente no presídio militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo.
Com intenção de matar
No último dia 7, terça-feira, por volta das 16h30, a equipe liderada pelo sargento abordou dois ocupantes de uma moto, na Rua Platina, 840.
A arma de Roberto disparou, por motivos ainda a serem esclarecidos, e atingiu a cabeça do aposentado Clóvis Marcondes, que caminhava pela calçada. Ele morreu no local.
Uma cópia dos autos, feitos pela Justiça Militar, só foi entregue ao DHPP três dias depois do crime, por intermédio da Promotoria paulista.
Antes de a Polícia Civil iniciar as investigações, a Justiça Militar relaxou o flagrante do sargento e converteu a prisão dele para preventiva, ou seja, por tempo indeterminado, por homicídio culposo (sem intenção de matar).
Mesmo com os trabalhos prejudicados, por causa do atraso decorrente da intervenção da PM, o DHPP reuniu elementos para mudar a tipificação do homicídio para doloso, ou seja, com intenção de matar, contra o sargento Roberto.
“Não houve qualquer homicídio decorrente de oposição à intervenção policial, especialmente em relação à vítima fatal [um civil], que apenas passava pelo local dos fatos e, inicialmente, não tinha qualquer relação com a ocorrência policial que antecedeu a sua morte”, argumenta do delegado do DHPP.
A Polícia Civil requisitou a imagens das câmeras corporais, dos policiais que participaram da ocorrência, para esclarecer detalhadamente como a arma do PM disparou. Testemunhas também serão ouvidas, para ajudar a entender a dinâmica da ocorrência.
“Investigação” da Justiça Militar
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, cujo titular é o policial militar da reserva Guilherme Derrite, admitiu ao Metrópoles, por meio de nota, que o DHPP iniciou as investigações “a pedido do MPSP”.
“A apuração por parte da Polícia Civil não interfere na investigação que já estava sendo conduzida pela Justiça Militar. Todas as circunstâncias do caso são apuradas pelas duas instituições”.
A pasta do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem sobre o motivo para o caso não ter sido apresentado pela PM à Polícia Civil, além de não informar se encaminhou as imagens das câmeras corporais solicitadas pelo DHPP.
Crise institucional
Como mostrado pelo Metrópoles, a ausência de registro sobre a morte do aposentado é mais um capítulo das desavenças entre a Polícia Militar e a Polícia Civil do estado de São Paulo.
“É um absurdo, claramente isso é inconstitucional”, disse um delegado da velha guarda da Polícia Civil da capital à reportagem, em sigilo. “Não há discussão. Ainda que o registro sobre a morte seja feito junto à Polícia Militar, é preciso fazer um boletim de ocorrência”.
“Isso acontece em um contexto de tentativa de ampliar os poderes da Polícia Militar. No contexto de nós termos um capitão no comando da Secretaria da Segurança Pública”, complementa o delegado.
“Isso não existe”, disse um delegado da região metropolitana de São Paulo ao Metrópoles. “O policial mata e ele mesmo conclui que o tiro foi acidental? Nunca vi algo assim. Isso impossibilita a investigação, a instauração de inquérito por parte da Polícia Civil. Quem vai dizer se o disparo foi ou não acidental é o delegado, é a equipe de investigação.”
Em nota, a Ouvidoria das Polícias de São Paulo diz que está acompanhando o caso com “crescente preocupação” e que as abordagens policiais “tem apresentado uma escalada que compromete o bom trabalho de policiais comprometidos com a proteção das pessoas em nosso estado”.
Ampliação de poderes da PM
O registro da ocorrência junto à Polícia Militar acontece semanas após o Metrópoles revelar que a Secretaria da Segurança Pública trabalhava para dar à Polícia Militar o poder de investigar de realizar investigações sobre crimes de menor potencial ofensivo.
Uma ordem preparatória à qual o site teve acesso aponta que o governo pretendia instituir o Termo Circunstanciado Policial Militar (TC/PM), que dava margem para que PMs apreendessem provas e realizassem oitivas.
O plano da pasta irritou delegados e provocou uma crise na cúpula da Polícia Civil. O governo do estado acabou recuando e criou um grupo de trabalho para discutir o TC/PM.