Por dinheiro do governo Lula, Derrite rasga elogios a câmeras da PM
Em proposta de convênio de R$ 103 milhões, Derrite diz que câmera corporal “melhora relação entre policiais e cidadãos” e ajuda a PM
atualizado
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São Paulo – Em proposta para conseguir repasses de mais de R$ 100 milhões do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o secretário estadual da Segurança Pública (SSP), Guilherme Derrite, apresentou projeto em que faz uma série de elogios ao programa de câmeras corporais da Polícia Militar (PM) paulista.
A defesa das câmeras da PM foi feita por Derrite em uma proposta de convênio com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. No documento, assinado em 11 de abril e obtido pelo Metrópoles, o secretário do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que os equipamentos trouxeram ao menos sete benefícios para a atividade policial.
Segundo afirma, as câmeras acopladas nos uniformes dos PMs ajudaram na “reeducação da sociedade, desestimulando a agressividade” e na “melhora na relação entre policiais e cidadãos”. Além disso, o programa “aprimorou o treinamento” e “reafirmou a cultura profissional”.
As vantagens incluem, ainda, “redução da necessidade do uso da força policial”, “diminuição de denúncias e reclamações contra policiais” e “fortalecimento da prova judicial”, de acordo com o documento que é assinado pelo próprio secretário.
Convênio de R$ 103 milhões
As informações foram incluídas na “justificativa completa do projeto”, anexada à proposta 002557/2024, em que a SSP propõe convênio para repasses de R$ 101 milhões do governo federal para investir em diferentes equipamentos da PM. A contrapartida prevista é de R$ 2 milhões.
O documento estava disponível para consulta pública essa quarta-feira (5/6), no Transferegov, ferramenta do governo federal que reúne pedidos de repasses dos outros entes federativos.
Após a SSP ser questionada pelo Metrópoles, todos os anexos que citavam as câmeras corporais, incluindo o cronograma de investimento e a cotação de preços com diferentes empresas do mercado, foram retirados do ar.
No lugar, foram disponibilizados apenas documentos que propõem a compra de novas viaturas para batalhões da PM na capital e da Baixada Santista, palco de recentes operações marcadas por mortes de civis e por denúncias de excesso policial.
Troca por viaturas
Em nota, a SSP afirma que a proposta de convênio ainda está em elaboração e, “posteriormente”, será enviada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“Inicialmente, a pasta havia adicionado a proposta indicando como objeto a contratação de serviços de ‘Câmeras Operacionais Portáteis – COP’, mas após estudos técnicos, verificou-se a necessidade de utilizar o recurso para aquisição de viaturas operacionais”, diz a SSP. “Deste modo, os documentos no sistema foram substituídos.”
A gestão Derrite afirma ainda que, após o envio da proposta, a possibilidade de convênio será analisada pela Coordenação Geral de Convênios e Contratos de Repasse (Cocel), do governo federal.
“Caso aprovada, os próximos passos serão a celebração de Termo de Convênio Federal e, consequentemente, publicação do processo licitatório.”
Programa de câmeras
Chamado de Olho Vivo, o programa de câmeras corporais começou experimentalmente em 2020, ainda na gestão do ex-governador João Doria, e é apontado como um dos principais responsáveis pela redução do número de mortes de suspeitos e de policiais em serviço naquele período.
A atual gestão herdou dois contratos de prestação de serviço, ambos assinados com o consórcio Axon e Advanta, em fevereiro e em setembro 2021, que somam 10.125 câmeras corporais disponíveis no estado. O efetivo da PM é de cerca de 80 mil homens e mulheres.
Durante a campanha eleitoral, Tarcísio havia prometido retirar as câmeras das fardas dos PMs, medida amplamente defendida pelos bolsonaristas que o apoiaram na eleição. O discurso passou por diversas mudanças desde então.
Em maio, o governo Tarcísio lançou um novo edital para compra de 12 mil equipamentos para a PM.
A expectativa da SSP é que os novos equipamentos tenham tecnologia de leitura de placa de carros e até de reconhecimento facial. Essa última funcionalidade é criticada por especialistas em tecnologia aplicada à segurança por causa da possibilidade de erros algorítmicos que levam a falsos reconhecimentos.
O edital também foi alvo de questionamento por permitir que o próprio PM acione o início da gravação e por não garantir o armazenamento por 365 dias de imagens, conforme exigência do Ministério da Justiça.
Em nova nota enviada ao Metrópoles após a publicação da reportagem, a SSP afirma que “desde o início da gestão, o secretário destaca a importância que a tecnologia das câmeras proporciona na segurança pública, sendo não só mais uma ferramenta de trabalho policial, mas uma aliada no combate ao crime”.
Segundo a pasta, “é justamente pensando nisso que foi elaborado um novo edital, que além de aumentar em 18,5% o número de equipamentos no estado, permitirá a modernização das tecnologias com a inclusão de novas funcionalidades, como reconhecimento facial, leitura de placas de veículos, melhoria na conectividade, entre outras”.
A secretaria diz ainda que “o edital cumpre rigorosamente a legislação vigente” e está alinhado com as diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, “incluindo o tempo de armazenamento das imagens que permanece em 365 dias, já que após o tempo de armazenamento em nuvem os arquivos ficarão guardados em um Data Center da Polícia Militar”.
Por fim, a SSP afirma que reconhecimento facial “irá cumprir rigorosamente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)” e “valerá apenas para pessoas com ordens judiciais, sejam mandados em aberto ou cumprimento de medidas cautelares”.
“Além disso, servirá apenas como apoio ao trabalho policial, já que o reconhecimento não extingue a necessidade da abordagem para certificação de que o suspeito esteja em situação irregular com o Poder Judiciário”, conclui.