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Pais denunciam convênio médico após mudanças no tratamento de autistas

Pais de crianças autistas denunciam redução de tempo por sessão de terapia. Empresa diz que agendas são “alinhadas” com as famílias

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Imagem colorida de criança com pulseira de identificação TEA. Pais de crianças autistas denunciam mudanças em convênio médico. - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de criança com pulseira de identificação TEA. Pais de crianças autistas denunciam mudanças em convênio médico. - Metrópoles - Foto: Getty Images

São Paulo — Pais de autistas, conveniados à rede HapVida NotreDame Intermédica, cujos filhos fazem tratamento para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), denunciaram o plano de saúde em razão da diminuição do tempo de sessão para as crianças, transferências para clínicas sem estrutura e atendimentos feitos por profissionais supostamente sem qualificação. O Metrópoles recebeu ao menos oito denúncias de famílias. A rede nega as acusações.

Segundo os relatos, os pais foram informados nos últimos dias que as sessões de Terapia Comportamental Aplicada (ABA, na sigla em inglês) serão reduzidas de 60 para 40 minutos — mudança que deve ser implementada a partir de janeiro. Para as famílias dos pacientes, essa alteração causou revolta. Isso porque, conforme as denúncias, o tempo seria insuficiente para o tratamento das crianças.

Considerando trocas de salas, idas ao banheiro e momentos para prender a atenção da criança, entre outros trâmites que ocorrem nesse período, sobrariam poucos minutos para a terapia propriamente dita, dizem os pais.

A situação levou familiares de crianças atendidas no Hospital Salvalus, no Bresser, na zona leste de São Paulo, a montarem um grupo com mais de 100 pessoas. Eles também organizaram um abaixo-assinado, que já acumula mais de 250 assinaturas.

Tempo de terapia

A ideia para o abaixo-assinado surgiu porque, em novembro de 2023, o convênio tentou reduzir a sessão de terapia de 60 para 50 minutos. Na época, os pais julgaram igualmente problemática essa redução e reuniram assinaturas.

Depois que o abaixo-assinado de 2023 foi entregue para a administração do plano de saúde, o convênio voltou atrás e manteve as sessões de uma hora. Neste ano, no entanto, os pais foram comunicados da nova mudança — que reduz o tempo de terapia de 60 para 40 minutos — e imediatamente convidados a acatá-la, escolhendo os horários da terapia sob o risco de perder espaço na agenda.

“Eles estão impondo essa agenda de forma passiva. E o que é informado? ‘Pai, se você não ficar satisfeito com essa agenda, corre o risco de seu filho ficar sem horário de atendimento’. Porque eles estão montando várias agendas e estão acabando os horários dos terapeutas. Então, quem se recusa a montar essa agenda, vai ficar sem terapia”, relatou Miriam Serafini, de 40 anos, cujo filho autista, de 7 anos, faz tratamento no Hospital Salvalus desde a inauguração da instituição, em junho de 2022.

“A gente, por ora, aceitou a agenda para não ficar sem a terapia, mas não estamos de acordo com o que foi feito”, complementou Cassandra Silva Rocha Mendonça, de 43 anos, mãe de uma menina autista de 8 anos.

Samantha Stein, de 42 anos, cujo filho de 4 anos faz atendimento na rede, relatou a mesma situação. “Para garantir o tratamento do filho, os pais foram lá fazer essa prévia de agenda. Porque na realidade, ficam com medo de que, conforme vai indo, vão preenchendo as vagas dos terapeutas, e eles ficam com medo de não conseguir os horários”, contou.

Estudo interno

Como justificativa para reduzir o tempo de sessão, a HapVida informou aos pais que se baseou em um estudo interno. No entanto, o estudo e seus métodos não foram apresentados aos pais, dizem os familiares. “Não dizem para as mães que estudo é esse”, disse Cassandra. O Metrópoles também solicitou o levantamento à empresa, mas não recebeu o documento.

Os pais dizem, ainda, que a redução do tempo de terapia só atingiu os conveniados com planos mais baratos, abaixo de R$ 600. “Aqueles que têm o plano superior a R$ 600 vão continuar fazendo seus tratamentos de 60 minutos nas clínicas credenciadas”, apontou Samantha.

Além disso, mesmo com a redução do tempo de terapia, o valor do convênio não tende a diminuir – ao contrário. O custo aumenta cerca de 25% todos os anos, segundo relatos dos pais.

Percepção de especialista

A psicopedagoga especialista em neurociência para educação Eliana Castro Saliba, também mãe de paciente TEA, explica que a sessão de terapia ABA deve ter 50 minutos, no mínimo. A profissional da área apontou a demora para a criança se concentrar e outros fatores mencionados pelos pais como justificativa para essa duração.

“Não dá para fazer um trabalho com uma criança autista em 40 minutos. É muito pouco, porque ela demora para se regular sensorialmente e para estar disponível para interação”, avaliou.

Eliana menciona, ainda, que clínicas em reforma ou sem estrutura adequada prejudicam a concentração da criança e o desenvolvimento do tratamento, e recomenda aos pais que sempre peçam a certificação de todos os profissionais que atendem seus filhos.

“Os terapeutas têm que ser muito capacitados. Não pode colocar um estagiário para trabalhar com autista sem um profissional já formado, capacitado para isso”, disse.

A psicopedagoga diz que, para compreender o problema, é preciso se colocar no lugar da família que passa por essa situação. “Para nós, pais, é uma angústia enorme, é um sofrimento enorme, porque nós precisamos dar terapia para os nossos filhos, eles precisam para se desenvolver. E a gente fica perdido, porque não tem clínica certa, não tem coisa que nosso filho precisa, é muito angustiante”, desabafou.

Aspecto legal

De acordo com a advogada Carla Bertin, mãe de um pré-adolescente autista, o convênio não pode diminuir a carga terapêutica de um paciente. “O fato é que planos de saúde desobedecem à lei todos os dias. Então, eles têm, sim, diminuído a intensidade terapêutica dos pacientes, mesmo sabendo que não podem. E eles, ultimamente, têm conseguido uma estratégia da junta médica”, afirmou.

A junta médica é um grupo de médicos – contratados pelo próprio plano de saúde – que revê o laudo médico prescrito originalmente, explicou a advogada.

Carla destacou, ainda, que não há um estudo que determine um tempo exato de terapia ABA. Segundo ela, o que deve ser levado em conta é a quantidade de horas prescritas pelo médico. “A gente não tem como estabelecer um padrão para isso. Por isso a prescrição médica e a recomendação terapêutica são extremamente importantes, justificando tudo isso”, disse.

A profissional destacou também que o convênio é obrigado a atender a prescrição feita pelo médico. “Se não for conforme prescrito no laudo médico, esse paciente tem direito ao reembolso integral em uma clínica particular”, afirmou.

Além disso, a advogada considera coercitiva a maneira como os pais foram chamados a acatar a nova agenda de terapias, com sessões mais curtas.

“As famílias estão extremamente vulneráveis, necessitam do atendimento. E aí eles falam: ‘Ou você assina isso, ou eu não posso garantir o atendimento no próximo ano’. A família, na maioria das vezes, assina. Mas ainda que ela assine, isso pode ser levado em juízo para que seja cancelado”, explicou.

Segundo ela, essa prática é considerada, inclusive pelo Código de Defesa do Consumidor, uma cláusula não escrita, que coloca uma das partes em extrema vulnerabilidade.

Atendimento com estagiários

Além da redução do tempo de sessão, alguns pacientes devem ser transferidos para clínicas menores e mais distantes, caso dos dois filhos do bombeiro civil Márcio Rodrigues, de 45 anos.

As crianças, atualmente, fazem tratamento na clínica Adapt, no Tatuapé, mas passarão a ser atendidas em um espaço menor no Carrão, também na zona leste. De acordo com Márcio, a clínica do Carrão passa por reformas, não tem estrutura adequada e o corpo de atendimento é composto por estagiários, e não profissionais devidamente qualificados.

Ele contou que seus filhos perderam o acesso ao Acompanhamento Terapêutico (AT), que havia sido prescrito por um médico. De acordo com o bombeiro civil, até o dia 23 de novembro, cada um dos meninos tinha um acompanhante no período escolar para auxiliar nas atividades do dia a dia.

O pai afirma que os filhos têm apresentado importantes evoluções no tratamento, mas ele teme que isso mude com as alterações impostas pelo convênio. Sem o suporte do AT, por exemplo, Márcio teme uma regressão no tratamento dos meninos, que são autistas de suporte três. “Se eles ficarem assim, vão piorar”, disse.

Já Cassandra conta que sua filha de 8 anos foi usada como “cobaia” ao ser atendida no Hospital Salvalus por um time de estagiários, tendo apenas uma fonoaudióloga formada na supervisão. “A minha filha ficou meses sendo atendida por estagiários. Só que a gente não sabia que o estagiário tem que estar junto com uma pessoa formada dentro da sala. Então, foram meses de retrocesso”, denuncia.

O que diz o convênio

Contatada pelo Metrópoles, a assessoria de imprensa da HapVida NotreDame Intermédica informou que o tempo determinado para as terapias varia em cada caso e depende de fatores, como a abordagem terapêutica adotada e as necessidades individualizadas de cada criança.

“Em conformidade com a legislação vigente, a empresa realiza o monitoramento contínuo das necessidades dos pacientes, garantindo que as terapias sejam sempre planejadas individualmente para promover o melhor cuidado e o progresso contínuo de cada paciente”, diz trecho da nota.

Além disso, conforme a nota, alguns beneficiários mudaram de unidade porque solicitaram essa mudança e tiveram seus pedidos atendidos pela companhia.

“A empresa informa, ainda, que as agendas são readequadas em alinhamento com as famílias e necessidades específicas de cada paciente, garantindo o plano terapêutico proposto pelos médicos e priorizando seu principal compromisso: a evolução do paciente. Ressalta-se que os profissionais que atuam na rede são formados em suas especialidades e qualificados para o atendimento de pacientes com TEA”, diz o convênio.

Por fim, em relação ao aumento do plano, a empresa informa que o reajuste é anual para todas as operadoras, conforme regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O que diz a ANS

Em nota, a ANS esclarece que regula o setor de saúde suplementar no país, sendo responsável definir regras e fiscalizar o cumprimento das normas pelas operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios.

A ANS não tem, portanto, atribuição legal para definir, autorizar ou determinar indicação e duração de tratamentos para os beneficiários de planos de saúde. Tais atuações são de responsabilidade dos profissionais de saúde, seguindo as determinações de cada área profissional.

“A operadora está obrigada a disponibilizar atendimento com profissionais de saúde aptos a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para seu tratamento, sem limite de horas ou sessões, seguindo a indicação médica para o tratamento, dentre os quais o método ABA. Já a decisão sobre as horas terapêuticas e tempo de duração da sessão de cada método compete aos profissionais de saúde responsáveis pelo tratamento, não havendo participação da ANS”, explicou a agência.

Problemas estruturais

Nessa quarta-feira (27/11), um despacho no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE-SP) mostrou que a Notre Dame Intermédica Saúde S.A. – Hospital e Maternidade Salvalus foi multada em R$ 10.608 pelo governo por problemas estruturais.

Questionada, a Secretária da Saúde explicou que o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do estado informou que, durante inspeção, encontrou inconformidades estruturais, no prédio, e técnicas na área de diálise, tais como: problemas no teto do posto de enfermagem; ausência de porta e exaustor do expurgo; falta de manutenção nos armários para guarda de material de consumo do posto de enfermagem e da sala de emergência; ausência de manutenção dos aparelhos de ar-condicionado; vazamento e gotejamento no posto de enfermagem, entre outras situações de caráter técnico.

Metrópoles procurou a assessoria de imprensa do hospital e aguarda um posicionamento.

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