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“Decretaram ali que era culpado”, diz professor negro preso por erro

Professor Clayton Santos passou duas noites preso sob acusação de participar de um crime a 200 km de onde estava dando aula em SP

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1 de 1 Imagem mostra homem negro contra a luz do sol - Metrópoles - Foto: William Cardoso/Metrópoles

São Paulo — O professor Clayton Ferreira Gomes dos Santos, de 40 anos, passou duas noites na prisão nesta semana, acusado de participar de um roubo mediante sequestro em outubro do ano passado, em Iguape, litoral sul, a 200 km de onde ele estava no momento exato do crime, lecionando em uma escola pública da capital.

A prova usada pela Polícia Civil de São Paulo contra ele foi o reconhecimento feito pela vítima com base em uma foto de dez anos atrás, na qual Clayton estava com um visual diferente (cabeça raspada) do atual (cabelo black power). “Decretaram ali que eu era culpado”, diz o professor ao Metrópoles.

Clayton pediu comprovantes à escola onde leciona educação física, na capital paulista, para provar sua inocência. Perguntou também por qual motivo os investigadores não procuraram saber mais detalhes a respeito da pessoa que estavam mandando prender, como o local de trabalho, onde mora e o histórico de vida, sem antecedentes criminais.

“Só mostraram uma foto minha de um RG de 2014, e também de outra moça, e disseram que eu participei de um roubo e do sequestro de uma vítima que me reconheceu por foto”, afirma Clayton.

Em entrevista à TV Tribuna, a vítima do crime, uma aposentada de 73 anos, disse nesta semana que o reconhecimento foi realizado no portão de sua casa e que tinha dúvida. “O rapaz [policial] falou: ‘A senhora reconhece essa foto?’. Eu olhei e falei: ‘Reconheço o rosto, mas está diferente pelo cabelo. Em quatro meses, não cresceria o cabelo daquele jeito”, disse a mulher, que nem foi levada à delegacia.

“Ela me reconheceu por essa foto? Olha como estou agora fisicamente”, afirma Clayton.

Para além da imagem, outros detalhes relevantes também foram desconsiderados durante a investigação que levou o professor à prisão. Clayton afirma que não sabe dirigir, não tem carro nem carteira de habitação (CNH), e que nunca esteve em Iguape. Mesmo assim, foi apontado pela polícia como sendo o motorista da quadrilha que praticou o sequestro e o roubo. “Ando só de transporte público”, diz.

Na prisão

O pesadelo do professor começou na manhã de terça-feira (17/4), quando foi chamado para prestar esclarecimento a respeito de um boletim de ocorrência em que constava como vítima. Ao chegar ao 26º Distrito Policial (Sacomã), na zona sul paulistana, passou por interrogatório e recebeu a informação de que ficaria ao menos 30 dias preso pelo crime ocorrido em Iguape.

Ele conta ter ficado em um cubículo com chão sujo, sem banheiro. Para urinar, tinha de usar uma garrafa. “Dentro de um curralzinho nojento, nojento. Falei: ‘onde vou sentar aqui’? Caí na realidade e pensei ‘nem banheiro posso usar’. Fiquei privado da liberdade, total”, diz.

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Professor Clayton Ferreira Gomes dos Santos, de 40 anos, preso por reconhecimento fotográfico em São Paulo
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À noite, Clayton foi para uma carceragem dentro da delegacia e ficou em uma cela com outros dois presos, acusados por furto, roubo, sequestro e homicídio. Na manhã seguinte, seguiu para o Fórum da Barra Funda, para uma audiência de custódia que durou cinco minutos. A juíza referendou a prisão temporária.

O professor conta que, durante o trajeto até a Barra Funda, ouviu que a intenção dos policiais era a de levá-lo diretamente para Iguape, após a audiência. Entretanto, foi determinado que Clayton ficasse na carceragem do 26º DP. “Meu grande medo era ser levado para Iguape e ser esquecido. Imagina ficar a três horas daqui”, diz.

Durante a segunda noite na prisão, Clayton contou com a ajuda dos demais presos, que emprestaram lençol, cobertor e pasta de dente. “Tiveram um grande respeito. Viram que era estranho eu estar ali.”

Por meio dos presos, ele soube que poderia enviar uma “pipa” (recado) para familiares levarem itens pessoais até ele. “O carcereiro disse que eu teria direito a um telefonema ou a uma mensagem para a esposa ou conhecido para ficar o cumprimento dos 30 dias de prisão”, afirma.

Depois disso, o advogado de Clayton surgiu com a melhor notícia que poderia receber. A Justiça tinha aceitado o habeas corpus. “Ele falou: ‘ajoelha e a agradeça a Deus, porque você pode sair ainda hoje à noite ou até amanhã’. Aguentei mais um pouquinho”, lembra.

O habeas corpus foi concedido pelo desembargador Roberto Porto. Na decisão, o magistrado afirma que os indícios de autoria do crime contra o professor estavam enfraquecidos “pela hipótese plausível de o paciente [Clayton] estar trabalhando no momento do crime”.

O reencontro com os alunos da escola vai acontecer na próxima segunda-feira (22/4). “Vai ter um acolhimento com a minha pessoa. Graças a Deus, sempre fiz um bom trabalho e gosto do que faço. Os alunos sempre gostaram muito de mim”, afirma.

O que diz a Polícia Civil

Questionada pelo Metrópoles, a Polícia Civil afirma que a prisão do professor foi realizada com mandado expedido pela Justiça. “Uma mulher de 73 anos, vítima de um roubo no valor de R$ 11 mil em outubro de 2023, reconheceu fotograficamente o homem em depoimento assinado em juízo”, diz.

Ainda segundo a polícia, Clayton “também é investigado por um crime semelhante em setembro de 2023, no qual ele e uma mulher constam como beneficiários de uma transferência via Pix no valor de R$ 20 mil”. Segundo as autoridades, a Corregedoria da Polícia Civil segue à disposição para apurar qualquer denúncia sobre possíveis irregularidades.

A defesa de Clayton diz que, até o momento, “desconhece qualquer investigação anterior” à prisão realizada nesta semana e que não teve acesso às informações prestadas pela Polícia Civil na nota. Segundo os advogados, “independentemente da liberdade concedida, Clayton irá colaborar com o que for necessário para a conclusão de qualquer investigação em andamento, até por ser o principal interessado na resolução desta situação”.

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