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Decisão do STJ que barra pedidos ao Coaf começa a derrubar inquéritos

Após decisão do STJ, investigações com base em relatórios do Coaf feitos a pedido de investigadores tem sido suspensas ou anuladas

atualizado

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Raimundo Sampaio/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 coaf - Foto: Raimundo Sampaio/Especial para o Metrópoles

São Paulo — Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que restringiu a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deu início a uma onda de suspensões e anulações de provas de lavagem de dinheiro no Poder Judiciário.

A decisão do STJ, tomada em agosto, foi em uma investigação no Pará sobre supostos crimes de sonegação e lavagem de R$ 600 milhões atribuídos à cervejaria Cerpa. Por lá, a Polícia Civil usou os canais de comunicação oficiais para pedir informações ao Coaf.

A Sexta Turma do STJ decidiu anular os relatórios por não terem sido obtidos por meio de autorização do juiz da investigação. O efeito cascata se dá pelo peso da decisão de uma Corte Superior, que pode ser usada como argumento em outros tribunais para barrar investigações que adotem as mesmas práticas.

O Coaf mantém um canal de comunicação próprio e sigiloso com as polícias e os Ministérios Públicos de todo o país. O órgão pode produzir relatórios espontaneamente quando alertado por bancos sobre operações suspeitas e atípicas, como aquelas que envolvem valores vultosos em dinheiro vivo ou de pessoas que façam transações muito acima de seus rendimentos.

É comum que investigadores usem esse mesmo canal para pedir relatórios ao Coaf sobre movimentaçōes de determinados investigados em um inquérito. São essas as investigações que começaram a cair após a decisão do STJ em agosto deste ano.

Investigação suspensa

Em um dos casos obtidos pelo Metrópoles, o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP) mira um suposto caso de sonegação e lavagem de dinheiro cujas cifras envolvidas ultrapassam R$ 400 milhões.

Trata-se de uma investigação sobre sócios da Copape, uma distribuidora de combustíveis que teve crescimento meteórico nos últimos anos, quando saltou do 15º lugar para a vice-liderança do ranking de maiores companhias do segmento. As investigações suspeitam que a sonegação de impostos alavancou as atividades da empresa.

Relatórios de Coaf apontaram operações milionárias entre os sócios e uma rede de distribuição de postos de gasolina que levantaram a suspeita sobre lavagem de dinheiro. Ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), uma das investigadas pediu a anulação de provas com base no relatório do Coaf, citando a decisão do STJ.

“O manifesto constrangimento ilegal a que está submetida a paciente decorre da existência de procedimento investigatório criminal instaurado a partir de relatório de inteligência financeira obtido de maneira ilegal pelo órgão acusatório”, afirmam os advogados Pierpaolo Bottini e Igor Tamasauskas.

O desembargador Ivo Almeida acolheu o pedido e suspendeu as investigações. O TJSP ainda deve julgar o mérito do pedido para anular a investigação.

Provas anuladas

Em outra investigação sobre crimes tributários e organização criminosa conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) envolvendo a empresa de importação e exportação SJW Comercial do Brasil, o ministro do Messod Azulay, do STJ, acolheu o pedido de um investigado.

Azulay decidiu pela “ilicitude das provas consistentes nos Relatórios de Inteligência Financeira obtidos diretamente pelo Ministério Público junto ao Coaf” e determinou que o juiz do caso tire as provas do processo e não autorize um eventual pedido de acesso ao relatório, como o STJ passou a exigir.

“Vale dizer, se a obtenção de dados sigilosos ora questionada feriu direito fundamental, não se pode conceber que o Poder Judiciário chancele tal ilegalidade deferindo a solicitação desses mesmos dados posteriormente, apenas para convalidar a ilicitude praticada pelo órgão ministerial”, escreveu o ministro.

A SJW não é muito conhecida, mas chegou a aparecer no ranking de maiores devedoras do Estado do Rio de Janeiro, com dívidas superiores a R$ 200 milhões em tributos. O relatório de Coaf, segundo apurou o Metrópoles, diz respeito a suspeitas de lavagem relacionada à sonegação fiscal.

Covid e corrupção

Em outro caso levantado pela reportagem, o juiz federal Massimo Palazzolo, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, declarou a ilicitude de relatórios de Coaf em uma investigação que nasceu a partir da Operação Sangria, deflagrada em 2020, para investigar corrupção e lavagem de dinheiro na compra de respiradores pelo governo do Amazonas.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), acabou denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) nessa investigação.

Parte do caso foi desmembrada para São Paulo por não ter conexão direta com a investigação. Ao cumprir mandados de busca e apreensão na casa da empresária Renata Mansur, sócia da empresa que fornecia os respiradores, os investigadores encontraram seu marido, Alexandre, em uma loja de carros de luxo.

Desconfiaram de lavagem de dinheiro. Como não havia aparente elo com os contratos no Amazonas, o caso foi enviado a São Paulo. Houve troca de informações com o Coaf. O juiz citou a decisão do STJ ao anular o relatório, destacando que “é necessário autorização judicial para tanto”.

“Instabilidade jurídica”

O impacto dessa decisão do STJ em uma série de investigações levou o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, a ingressar com um pedido de amicus curiae (do latim, amigo da causa) para apoiar um recurso do Ministério Público do Pará contra a decisão que beneficiou a cervejaria Cerpa.

Segundo Sarrubbo, decisões como a tomada pelo STJ “geram imediata instabilidade jurídica, com repercussão sobre todo o sistema de Justiça”. O chefe do MPSP afirma que a decisão também desrespeita um entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

O julgamento da Superma Corte citado por Sarrubbo é de dezembro de 2019. Ministros decidiram que não há necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de informações entre o Coaf e órgãos de investigação. 

A decisão derrubou uma liminar do então presidente do STF, Dias Toffoli, que havia atendido um pedido do advogado Frederick Wassef para suspender a investigação sobre rachadinhas atribuídas ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). À época, Toffoli não só acolheu o pleito como suspendeu todas as investigações do país com base em relatórios de inteligência do Coaf.

No julgamento, ministros autorizaram, de maneira ampla, o Coaf a compartilhar relatórios com órgãos de investigação. Alexandre de Moraes, por exemplo, chegou a tornar explícito em seu voto que relatórios do Coaf poderiam ser confeccionados de maneira espontânea ou a pedido de investigadores.

Toffoli recuou em sua decisão anterior e votou com a maioria, mas, em seu voto, rechaçou o que chama de relatórios “por encomenda”. O termo, em tese, serve para qualificar a confecção de relatórios ilegais para fim de devassar a vida de investigados, mas foi usado nos últimos anos no Judiciário para anular investigações cujo relatório do Coaf foi feito a pedido do MP ou da Polícia.

Um dos casos em que se utilizou este termo para anular um relatório do Coaf, por exemplo, se deu no STJ, quando a Corte tornou nulos relatórios do caso Queiroz, sobre supostos desvios no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Nas mãos de Zanin

O recurso do MP do Pará contra a decisão do STJ está nas mãos do ministro Cristiano Zanin. A PGR se manifestou a favor do recurso para cassar a decisão do STJ.

A subprocuradora-geral Claudia Sampaio Marques afirmou que, no caso específico, o Coaf se limitou a compartilhar dados de bancos que já estavam em seus arquivos por conta de evidências de atipicidade ou crime.

Do 8/1 ao PCC

A decisão tem preocupado investigadores. Como mostrou a Folha de S.Paulo, até mesmo investigações sobre financiadores dos atos de 8 de janeiro que terminaram com a depredação das sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF podem ser atingidas porque foram abastecidas com relatórios de inteligência financeira.

Ao Metrópoles, investigadores afirmam que há inquéritos grandes que podem entrar na fila das anulações. Em São Paulo, por exemplo, uma investigação sobre agiotagem, extorsão e lavagem de dinheiro que identificou R$ 110 milhões em operações ilícitas foi abastecida por relatórios de Coaf a pedido de investigadores.

Outra investigação sobre o PCC que identificou movimentações de R$ 100 milhões anuais pela cúpula da facção também tem relatórios de inteligência financeira do Coaf enviados aos investigadores. Todas elas podem sofrer questionamentos com base na decisão do STJ.

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