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São Paulo — O dia começa cedo nos bairros do extremo da zona sul de São Paulo, antes mesmo de o sol nascer. Por avenidas congestionadas desde as primeiras horas, ônibus levam trabalhadores para os centros econômicos da capital paulista e expõem o estrangulamento do transporte público como um dos grandes problemas da região onde moram o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), e seu adversário no segundo turno, o deputado federal Guilherme Boulos (PSol).
A Estrada do M’Boi Mirim é um desses cenários. Principal artéria entre o Jardim Ângela e a Marginal Pinheiros, costuma ter pontos lotados no começo das manhãs. A Linha 5-Lilás ainda está longe de chegar ao fundão do bairro, como prometido, o que sobrecarrega ainda mais os coletivos.
No início de agosto, bastou um ônibus articulado quebrar na altura do número 4.700 para travar o trânsito por completo, formando um longo congestionamento. Não por acaso, o tempo gasto com transporte público na região é um dos maiores da capital, com mais de uma hora por dia. Para piorar a situação, a prometida duplicação da M’Boi Mirim ainda não saiu do papel.
“Precisa ter mais ônibus, porque é sempre muito lotado, muito cheio. A gente sofre para ir trabalhar”, diz a atendente de telemarketing Lucivânia Santos, 33 anos.
O transporte insuficiente também é alvo de reclamação dos moradores do bairro mais populoso de São Paulo, o Grajaú, com seus quase 400 mil habitantes. Para quem vive no Cantinho do Céu, um dos “bairros dentro do bairro”, nem mesmo o transporte fluvial pela Represa Billings, o barco Aquático, parece ter ajudado a resolver o problema.
A professora Enedina Pedrosa, 48 anos, diz que, no momento, o Aquático é usado mais para o passeio do que como transporte eficiente de fato. “O horário não está batendo com o fluxo de ida e volta das pessoas para o trabalho”, diz. Na época da entrevista, em agosto, o barco funcionava das 9h às 17h30 — agora, vai das 5h às 21h.
De fato, quem vai ao bairro percebe o quanto é subutilizado o barco que começou a navegar neste ano — são 1.700 passageiros por dia. Enquanto isso, ônibus lotados se espremem em meio ao trânsito caótico por vielas estreitas, ladeadas pelo comércio e por sobrados. A principal e praticamente única “porta de saída” do Grajaú segue sendo a Avenida Dona Belmira Marin, com cerca de 7 km de extensão — o equivalente a duas Avenidas Paulistas e meia.
Moradia e segurança
O “fundão” da zona sul paulistana também é extremamente populoso e repleto de moradias precárias, onde as variações do terreno expõem dobras e mais dobras de casas de alvenaria muitas vezes sem reboco.
Trata-se de um mar de gente vivendo em vielas sinuosas. Como comparação, só o Jardim Ângela tem população equivalente a Pinheiros, Alto de Pinheiros, Lapa, Perdizes e Vila Leopoldina somados.
Também na zona sul está a maior favela da capital, Paraisópolis, que fica dentro do distrito de Vila Andrade, onde mais de 35% dos domicílios estão em comunidades — maior percentual da cidade.
Em bairros como Pedreira, Jardim São Luís, Capão Redondo e Campo Limpo, ao menos uma em cada cinco moradias está em favelas, segundo levantamento realizado pela Rede Nossa São Paulo no ano passado.
A capital paulista já teve nesses bairros da zona sul o seu pedaço mais violento, principalmente durante os anos de 1980 e 1990, quando chacinas em meio a disputas envolvendo rivais eram frequentes. Assim como no restante de São Paulo, os índices caíram. Ainda assim, as taxas de homicídios por 100 mil habitantes são muito maiores do que a média da capital, chegando a 16,7 no Socorro, quatro vezes a do restante da cidade.
Assombra também os moradores os furtos e roubos de celular. Segundo levantamento realizado pelo Centro de Inteligência da Polícia Militar (PM), o Campo Limpo, por exemplo, teve a companhia da corporação com mais assaltos em números absolutos para se levar o telefone ao longo de quatro anos, de 2019 a 2023, com mais de 15 mil casos.