De apagão a live com Marçal: os fatos que marcaram o 2º turno em SP
Relembre como foi a campanha dos candidatos Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSol) na reta final da disputa pela Prefeitura de SP
atualizado
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São Paulo – A corrida eleitoral pelo comando da maior cidade do país chega ao fim neste domingo (27/10) após um segundo turno marcado pelo apagão em São Paulo, a empreitada de Guilherme Boulos (PSol) para virar votos, e o clima de “já ganhou” na campanha de Ricardo Nunes (MDB).
As últimas três semanas da disputa tiveram ainda Boulos chamando Nunes de “fujão”, o atual prefeito abraçando o rival no debate da Band, e Pablo Marçal (PRTB) ressurgindo às vésperas da eleição para propor uma “entrevista de emprego” com os candidatos.
Relembre abaixo os principais momentos do segundo turno:
Recalculando rota
Sem os outros candidatos na briga pelos votos, Nunes e Boulos começaram a campanha recalculando a rota para garantir o apoio dos eleitores na reta final. Os discursos feitos pelos políticos depois do anúncio do segundo turno já davam a tônica da campanha que se avizinhava pela frente.
Nunes comentou o resultado em um palco dividido com nomes como Tarcísio de Freitas (Republicanos), Gilberto Kassab (PSD) e Milton Leite (União Brasil), e disse que agora São Paulo poderia escolher entre a “experiência e a inexperiência”, o “equilíbrio e o radicalismo”.
“Cada um de nós vai levar isso para a população: a diferença entre a ordem e a desordem, entre a experiência e a inexperiência, entre a boa gestão e a interrogação. A diferença entre o diálogo, a ponderação, o equilíbrio, e o radicalismo”.
Aquele era o cenário para o qual a campanha do emedebista tinha se preparado desde o início: um embate contra a esquerda, em que Nunes pudesse se vender como um candidato moderado, um “caminho seguro”, que faria oposição ao que ele chamaria de “extremismo” de Boulos.
Do outro lado, o psolista, que discursou após o primeiro turno ao lado da vice, Marta Suplicy (PT), e das ministras do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Marina Silva (Rede) e Sonia Guajajara, direcionou sua fala para quem votou “pela mudança” – a fatia de 70% do eleitorado paulistano que não votou em Nunes no primeiro turno.
“Eu confio muito que o povo de São Paulo vai optar pela mudança. E essa mudança, que hoje foi majoritária nas urnas, está representada no segundo turno por mim e pela Marta Suplicy”.
Boulos chegava ao segundo turno com o melhor desempenho da esquerda em uma eleição na cidade desde 2008, mas a rejeição alta era um empecilho na fase final da disputa.
Para ganhar a Prefeitura da capital paulista, o ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) precisaria conquistar a confiança daqueles que optaram antes por Pablo Marçal (PRTB), seu principal antagonista no primeiro turno.
A busca pelos votos de Marçal
Em busca dos votos do influencer, a campanha de Boulos focou na divulgação de propostas para os pequenos empreendedores da cidade e os trabalhadores de aplicativo. O psolista prometeu isentar motoristas de app do rodízio, disse que criaria pontos de apoio para os motoboys, e se comprometeu a dar crédito para mulheres empreendedoras.
Boulos também adaptou uma proposta de Marçal ao seu plano de governo, dizendo que iria investir no esporte das escolas, em referência ao projeto das “escolas olímpicas” do influencer.
Além disso, passou a reproduzir as táticas do ex-coach nos discursos, como prometer fazer revelações sobre Nunes, sem apresentar nenhuma novidade, e questionar o rival sobre seu sigilo bancário, levando o eleitor a entender que o atual prefeito tinha algo escondido – o que Boulos também não comprovou.
Mesmo assim, as pesquisas de intenção de voto mostraram que o eleitorado de Marçal indicava voto em peso em Nunes no segundo turno.
Boulos, por outro lado, conseguiu atrair eleitores de Tabata Amaral (PSB). A deputada federal declarou voto no psolista assim que soube o resultado das urnas, mas disse que não faria campanha para ele e que votaria no colega de Câmara por “convicção”.
Ataques no horário eleitoral
Enquanto isso, a volta do horário eleitoral era aproveitada pela campanha de Nunes para bombardear o rival de ataques que questionavam seu passado como liderança do MTST.
O candidato à reeleição explorou imagens antigas do rival em protestos para associá-lo à pecha de radical e contrário à ordem na cidade. Como já havia sinalizado no discurso do dia 6 de outubro, Nunes procurou também carimbar o rival com a marca da inexperiência.
“Se o PT gosta tanto de Boulos, por que ele nunca teve um cargo no governo do partido? (…) Por que São Paulo vai servir de cobaia?, afirmava uma peça veiculada na TV.
Boulos também mirou o adversário, ligando Nunes à máfia das creches no horário eleitoral, em um formato de vídeo que lembrou os conteúdos produzidos por Tabata no primeiro turno.
A campanha na TV, no entanto, ganhou outra roupagem depois do apagão na cidade.
O apagão na corrida pela Prefeitura
A tempestade que atingiu a cidade no dia 11 de outubro e deixou milhões de pessoas sem luz na Grande São Paulo agitou a campanha do segundo turno, em meio às tentativas frustradas de Boulos de virar votos até então.
Sem energia na própria casa, o psolista usou o episódio para criticar a gestão do rival, a quem associou a responsabilidade pelas quedas de árvores. As menções à Nunes eram feitas tanto nas redes, onde Boulos publicava vídeos visitando locais atingidos pelo problema, quanto na TV, que replicava os conteúdos compartilhados na internet.
O prefeito se defendeu dos ataques atribuindo a culpa do apagão à Enel e ao governo federal, responsável pela concessão. Em uma tentativa de se livrar do problema, Nunes subiu o tom contra a concessionária de distribuição de energia, defendeu a intervenção na empresa, e passou a cobrar respostas do Ministério de Minas e Energia.
Durante a crise, um integrante do PSol chegou a afirmar em uma mensagem a pessoas da campanha que “uma nova chuva com ventos fortes seria bem-vinda”.
O apagão, no entanto, não abalou a liderança de Nunes nas pesquisas, que chegou a manter 18 pontos de vantagem sobre Boulos no Datafolha divulgado após a crise energética.
Debates
O tema do apagão também pautou os debates entre candidatos. No evento promovido pela TV Bandeirantes, Boulos fez perguntas retóricas sobre de quem era a responsabilidade pela poda de árvores e pela manutenção dos semáforos (ambas são da Prefeitura) para colocar Nunes na corda bamba. Na outra ponta, o prefeito voltou a destacar que a fiscalização do contrato da Enel é federal.
O evento também foi marcado por episódios que renderam cortes nas redes sociais, como quando Nunes deixou cair algumas anotações enquanto era questionado sobre seu sigilo bancário por Boulos. “Cuidado, fica calmo, fica tranquilo”, respondeu o psolista.
Outra cena que chamou atenção e chegou a render risadas da plateia foi o abraço dado por Nunes em Boulos, como resposta à estratégia do deputado federal de se manter próximo a ele durante as falas. “Você não vai me intimidar, sabe por quê? Eu vim da periferia do Parque Santo Antônio, não tenho medo de nada rapaz, só de Deus.”
O debate na Band foi o primeiro encontro entre os dois candidatos no segundo turno, depois que Nunes cancelou a ida ao evento promovido pela Rádio CBN e os jornais O Globo e Valor Econômico. No início da campanha, o candidato à reeleição afirmou que tinha sido convidado para 12 debates e pediu que as emissoras fizessem parcerias para reduzir o número de eventos a três.
Boulos aproveitou a articulação para colocar no adversário a pecha de “fujão” e compareceu sozinho a dois eventos que tinham sido marcados para o enfrentamento com o adversário. Nas duas ocasiões, os eventos foram transformados em sabatinas.
Como resposta à ausência do prefeito, Boulos chegou a montar debates em praças públicas, colocando púlpitos para a população.
Apoio envergonhado
Com uma participação quase nula na campanha do primeiro turno, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) veio a São Paulo na semana da eleição para um almoço com Nunes e empresários. O evento, no entanto, ficou marcado, mais uma vez, pela relação protocolar entre os dois, com Bolsonaro fazendo um discurso de apenas 3 minutos sobre o prefeito, e Nunes evitando comentar sobre um ataque do padrinho político às urnas eletrônicas.
O encontro aconteceu, segundo aliados de Nunes, graças à insistência governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que também discursou no evento, dizendo aos empresários que não era possível “baixar a guarda” com a liderança de Nunes nas pesquisas de intenção de voto.
Sem Lula
Padrinho político de Boulos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até que tentou estar presente nas ruas ao lado do deputado federal, mas os planos foram por água abaixo nas duas ocasiões previstas para as agendas.
Na primeira delas, uma tempestade forte que atingiu a cidade fez com que a campanha decidisse cancelar dois atos de campanha previstos para acontecerem no Grajaú, bairro da zona sul onde Boulos perdeu no primeiro turno, e e São Mateus, na zona leste. No dia, o presidente e o deputado federal acabaram fazendo uma live nas redes sociais.
Dias depois, um acidente doméstico faria com que Lula cancelasse também a última aparição na campanha, prevista para a reta final. O petista, que levou pontos na cabeça após cair no banheiro, também cancelou a viagem para São Paulo no dia da eleição. Como já tem mais de 70 anos, Lula tem voto facultativo.
Clima de “já ganhou”
O favoritismo de Nunes nas pesquisas levou a um clima geral de “já ganhou” entre políticos próximos ao candidato. Com isso, como mostrou o Metrópoles, aliados do emedebista começaram a negociar, nos bastidores, uma nova divisão de cargos dentro da Prefeitura antes mesmo da eleição do segundo turno.
A campanha do prefeito se manifestou desautorizando as negociações. “O prefeito Ricardo Nunes já negou, diversas vezes, que exista qualquer negociação de cargos para o próximo mandato. Se alguém fala sobre isso, está desautorizado.”
A ressalva ao clima de “já ganhou” acontece também em meio a uma preocupação com a abstenção de eleitores no segundo turno que, dando a eleição como certa, poderiam se ausentar da votação.
Em evento pró-Boulos nesta terça-feira, o ministro do Empreendedorismo, Márcio França, chegou a brincar que, com a disputa acirrada, seria bom que alguns eleitores de Nunes “fossem para a praia” neste fim de semana.
Caravana de Boulos
Há seis dias da eleição e sem conseguir reverter os números das pesquisas de intenção de voto, Boulos anunciou uma de suas últimas apostas para mudar o cenário do segundo turno: uma caravana pelas ruas da cidade, com o candidato dormindo na casa de apoiadores.
A medida, que lembra a caminhada de Marçal por São Paulo antes do primeiro turno, fez parte de uma série de ações adotadas pelo deputado com foco na mobilização de rua, como a panfletagem feita por parlamentares conhecidas.
A caravana foi anunciada com a leitura de uma Carta ao Povo de São Paulo, em que Boulos fez um mea culpa a respeito da visão da esquerda sobre as regiões periféricas e acenou para empreendedores de pequenos comércios.
“Eu reconheço também que, pelo nosso propósito de olhar sempre para os invisíveis, muitas vezes nós, da esquerda, deixamos de falar com tanta gente que também batalha, sofre o dia-a-dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de ganhar a vida. A periferia mudou”, disse.
Com a iniciativa, o deputado federal passou por Grajaú, na zona sul, Brasilândia, na zona norte, São Mateus, na zona leste, e pela Comunidade Nova Vitória, na zona oeste.
Live com Marçal
Na reta final, um convite inusitado feito por Pablo Marçal (PRTB) também agitou a disputa às vésperas do pleito municipal. O influencer chamou Nunes e Boulos para participarem do que disse que seria uma espécie de “entrevista de emprego”. O atual prefeito negou. Mas Boulos decidiu aceitar a sabatina.
“Eu topo. Nunca fugi de dialogar com ninguém. Será que o Ricardo Nunes topa? Ou vai fugir?”, escreveu Boulos no comentário de uma postagem feita pelo influenciador no Instagram.
A decisão dividiu apoiadores de Boulos, que viam risco na conversa com o detrator que divulgou um laudo falso contra o psolista, e outros que diziam que a live seria uma oportunidade para tentar dialogar com os eleitores de Marçal.
O evento aconteceu na sexta-feira (25/10) e teve Boulos dizendo “não me movo por mágoa” e prometendo educação financeira nas escolas.