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Da Cracolândia à família em Portugal: a história de superação de Raul

Após 14 anos longe da família e uma internação compulsória, o enfermeiro Raul Vendramini, ex-frequentador da Cracolândia, junta-se aos pais

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Raul Vendramini, ex-frequentador da Cracolândia, reencontra os pais após tratamento
1 de 1 Raul Vendramini, ex-frequentador da Cracolândia, reencontra os pais após tratamento - Foto: Acervo Pessoal

São Paulo – Após 14 anos longe da família, o enfermeiro Raul Vendramini, de 40 anos, finalmente chegou a Leiria, cidade histórica de Portugal, para reencontrar os pais. Trazia na bagagem algumas roupas novas, disposição de voltar a trabalhar e memórias de uma longa batalha para se livrar da dependência das drogas.

Vivendo sozinho em São Paulo, Raul abusou do álcool, perdeu uma série de empregos e acabou nas ruas da capital paulista. Também fez uso de crack, maconha, cocaína, emagreceu mais de 30 quilos e chegou a frequentar a Cracolândia – região em que dependentes químicos se concentram para comprar e consumir entorpecentes a céu aberto.

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Foram mais de dois anos de tratamento até Raul desembarcar na Europa, no dia 14 de fevereiro deste ano. Os pais, Mario Vendramini, de 63 anos, e Maria Aparecida de Freitas, 62, já estavam à espera no saguão do aeroporto, com planos de almoçar um bacalhau especialmente preparado para a ocasião. Emocionada, a mãe foi quem se adiantou para abraçá-lo: “Eu te amo, meu filho”.

“Consegui reviver”, relata o enfermeiro ao Metrópoles, dois meses após chegar a Portugal, onde já conseguiu alguns serviços temporários e se mantém longe do vício. “Cheguei à situação de não ter mais esperança. Se não fosse o acompanhamento dos médicos e psicólogos, acho que eu não estaria mais aqui para contar a história.”

Internação compulsória

A volta por cima de Raul é resultado de muito esforço pessoal, do trabalho de profissionais da rede pública de saúde e assistência social e do resgate de vínculos familiares.

Segundo relata, o tratamento começou após ordem de internação compulsória, em hospital psiquiátrico, dando início a uma jornada progressiva por comunidade terapêutica e centros de acolhimento.

Filho caçula de um bancário e de uma dona de casa, Raul nasceu em Lucélia, cidadezinha de 20 mil habitantes no interior de São Paulo, onde jovens tradicionalmente começam a beber cedo. A família se mudou para Portugal no fim da sua adolescência. Ele ficou no Brasil por causa da faculdade.

“Como os meus pais já não estavam presentes, eu ganhei uma liberdade muito grande de repente, mas não sabia como usar”, diz o enfermeiro, que concluiu o ensino superior em Andradina, também no interior. “Passei a beber todos os dias. Emendava a faculdade, o estágio e o bar”.

Em situação de rua

Aos 30 anos, Raul veio morar na capital paulista a trabalho – que ainda conseguia conciliar com o vício. Com o tempo, ele passou a não ter mais controle sobre o álcool e se viu mergulhado na depressão. “Eu fiquei na rua bebendo, não queria saber de mais nada”, relata.

Na primeira noite, decidiu guardar a bolsa, com documentos e produtos de higiene, dentro de um carro abandonado. “Quando acordei, tinham roubado: perdi diploma, certificado, tudo”, diz. Na maioria dos dias, dormia na Praça da República, um dos locais de concentração de pessoas em situação de rua na capital paulista.

Entre idas e vindas, Raul viveu por mais de cinco anos em situação de rua e perdeu o contato com parentes e amigos. “Às vezes, quando eu já estava intoxicado e participava de alguma rodinha na rua, acabava usando outras drogas”, diz. Em uma das crises, o enfermeiro tentou suicídio e foi socorrido para a Santa Casa de Misericórdia, hospital filantrópico da região central.

Era o início da reviravolta. De lá, Raul foi encaminhado para o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) – que recentemente o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) rebatizou de “Hub de cuidados em crack e outras drogas”. A pedido do médico, a Justiça determinou sua internação compulsória.

Reencontro com a família

Raul conta que passou cerca de oito meses internado. Em 2021, ele deu entrada no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (Siat II), equipamento mantido pela Prefeitura de São Paulo, pensado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) para acolhimentos de médio prazo, que oferece assistência social durante o dia e abriga até 200 pessoas à noite.

“Nesse processo conosco, trabalhamos a ressignificação do uso de drogas e o fortalecimento para retorno ao mercado de trabalho. Ele possui nível superior completo, mas não conseguia se recolocar”, relata Ana Paula Viola, coordenadora do Siat II Armênia, no centro da capital. “Trabalhamos fortalecendo o seu protagonismo e o vínculo familiar”.

Em agosto de 2022, Raul também foi inserido no Centro de Apoio Psicossocial (Caps AD III Armênia), com equipe multiprofissional responsável por desenvolver um tratamento específico e acompanhar cada paciente. Lá, os dependentes químicos também podem ficar internados por até 15 dias nos estados mais agudos da doença.

Com ajuda dos profissionais, ele foi retomando aos poucos o contato com a família. Primeiro, as equipes acompanhavam mensagens e ligações entre Raul e a mãe. Depois, ajudaram o enfermeiro a renovar os documentos e comprar malas novas para a viagem a Portugal.

“Todos foram muito importante. Queriam até me levar ao aeroporto”, lembra Raul. “Não me orgulho de várias coisas na minha vida, mas tenho que aprender com todas elas. Agora, estou reescrevendo minha história”.

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