“Cultura não tem partido, nem fronteira”, diz secretária de Tarcísio
Marília Marton, secretária de Cultura do governo Tarcísio de Freitas, afirma que deseja construir uma “política de consenso”
atualizado
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São Paulo – À frente de uma das áreas mais sensíveis sob o ponto de vista ideológico, a secretária de Cultura e Economia Criativa do governo paulista, Marília Marton, afirma em entrevista ao Metrópoles que “cultura não tem partido, nem fronteira” e que deseja construir uma “política de consenso” com todos os setores culturais.
Aos 45 anos, a socióloga foi escolhida pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para comandar a secretaria que tem orçamento de R$ 1,2 bilhão diante de uma expectativa sobre qual política o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) adotaria em uma área fortemente ligada a grupos de esquerda demonizados pelo ex-presidente.
Marília se considera de “direita moderada” e diz ter diálogo aberto com todos os grupos. Ela pretende tornar oficial, ainda nos primeiros 100 dias de governo, 12 câmaras setoriais da cultura, economia e indústrias criativas. A iniciativa funcionará como um órgão consultivo com representantes de diversos setores, como literatura, dança, música, design, circo, games, cultura pop e teatro.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Marília Marton ao Metrópoles:
Qual o balanço que a senhora faz deste início de governo à frente da Cultura?
Acabou de bater 50 dias, nós conseguimos fazer várias conversas, encontramos os setores. Contei um pouco para eles as aflições que a Secretaria tinha com relação às publicações dos editais do Proac por conta da nova mudança de legislação, foi uma conversa muito boa com todos os setores. Tivemos uma conversa muito franca, muito aberta e obviamente a Secretaria vai manter esse canal de diálogo permanente. Tanto que estamos publicando uma resolução para manter as câmaras setoriais de permanente diálogo. São 12 câmaras setoriais, vamos ter oficialmente três encontros por ano, já fizemos a primeira reunião, se houver a necessidade convocamos mais reuniões. Obviamente vamos ter mais reuniões dependendo da área. Por exemplo, o setor audiovisual, porque esse ano teremos a [lei de incentivo] Paulo Gustavo, na primeira conversa com eles eu brinquei: ‘Olha vem bastante dinheiro. Vocês tenham juízo de como vamos direcionar esse recurso, porque é um recurso, a princípio, único. Precisamos ter responsabilidade de usar para criar projetos permanentes que sejam mesmo da história e da memória do nosso cinema, projetos mais perenes que ultrapassem os tempos’.
Uma lição apreendida em dois anos de pandemia foi, realmente, a necessidade de se profissionalizar, de ter projetos concretos e entender que não fazemos cultura sozinhos, fazemos com muitas mãos, com uma cadeia produtiva. Os grandes artistas puderam fazer lives, mas o cenógrafo, o sonoplasta, o pessoal de iluminação, de figurino, esse pessoal ficou sem emprego e teve que buscar outras fontes de renda. Isso desmobilizou o setor, então estamos fazendo esse diagnóstico muito próximo dos setores. A cultura é múltipla, diversa e transversal. Precisamos organizar tudo isso para não ficar tudo muito fragmentado. Temos que conseguir organizar tudo isso de forma sistêmica para mostrar melhor o potencial das nossas produções.
A senhora quer criar uma assinatura para a atuação da secretaria?
É uma assinatura, praticamente, isso. Ainda estamos em conversas para chegar a isso e nós esperamos entregar ao fim de quatro anos, quando vamos entregar também muita produção, muitas formações.
Durante a campanha, Tarcísio afirmou que daria continuidade ao que fosse positivo e inovaria no que fosse necessário. Já foi possível avaliar o que será mantido e o que deve ser criado?
A grande novidade que estamos trazendo é essa questão de um planejamento estratégico das ações da secretaria. O estado produz muita coisa, temos um pouco mapeado. Por exemplo, no estado de São Paulo acontecem mais de 70 festivais e feiras ligados à literatura. Não são iniciativas do governo, mas acontecem no estado. Como que eu conecto tudo isso pra dar uma cara de um estado literário? Então, essa grande articulação vai ser o nosso mote de entrega para todas as linguagens.
Nós temos um rol de programas, uma gama de museus, as Fábricas de Cultura, oficinas culturais, temos uma série de iniciativas. Nós não temos nenhum programa negativo. O que pode estar acontecendo é um projeto não estar atendendo de forma plena aquilo que ele deveria estar atendendo. Então, esse olhar nós vamos fazer junto com os setores. Eu tenho recebido muitos apontamentos com relação à formação, muitos profissionais faltando na cadeia produtiva. Então, vamos, por exemplo, transformar o programa de oficinas culturais, que é um braço da secretaria para a formação, em um programa que colabore com o nosso estado para entregar para os produtores culturais e para as prefeituras que também precisam.
Qual é a sua avaliação da área de fomento e incentivo cultural?
Na parte de fomento, eu acho que a secretaria avançou bastante e podemos avançar muito mais. Vamos abrir mais uma rodada de discussão sobre a nova resolução do Proac ICMS, que é a Lei de Incentivo do estado. É uma legislação de 2012, eu até fiquei assustada porque foi uma legislação que nós soltamos na época que eu trabalhei na secretaria e teve algumas modificações, mas não houve uma grande reestruturação. Depois de conversas com os setores, com os produtores independentes, conseguimos desenhar uma resolução que atendesse o pleito e por outro lado a Secretaria fez alguns apontamentos e estamos mandando para a consultoria jurídica. Depois disso, nós vamos abrir essa resolução de forma eletrônica para receber todas as contribuições.
Os produtores me pedem questões muito estruturantes. Então, por exemplo, é a mitigação de retorno. Se por algum motivo um evento não pudesse acontecer, era necessário devolver o dinheiro. Será que eu não posso fazer uma mitigação de dano em que eu ofereço uma outra data ou um outro evento para substituí-lo? Isso mexe com a nossa legislação, então eu preciso da consultoria jurídica primeiro para dizer se isso é possível. Outra problemática apontada é a prestação de contas que é muito difícil porque tem as exigências dos tribunais. Então, eles fizeram alguns pleitos.
Depois da consultoria jurídica, vamos ouvir todo mundo, para não falarem ‘ah eu queria ter sido ouvido’, então vamos criar canais de comunicação. Eu quero construir uma política de consenso, as pessoas também precisam aprender a discutir na mesa e encontrar esse consenso.
Como é a relação com o governo federal? Planeja alguma parceria com o Ministério da Cultura?
Cultura não tem partido, não tem fronteira. Aqui nós vamos ter uma relação extremamente republicana, extremamente próxima, é o meu segundo encontro com a Margareth [Menezes]. Ela é uma pessoa extremamente do diálogo, ela sempre está aberta a ouvir, é muito sensível nessa escuta, ela olha para equipe. Ela está no mesmo momento que eu de conhecer e entender as aflições e necessidades de cada lugar. Ela ainda tem um território muito maior do que o meu. Apesar de que aqui temos uma cultura muito diversa no estado de São Paulo. Temos que transitar por essa diversidade, porque precisamos dar lugar para todo mundo, temos uma cultura originária indígena muito forte aqui no estado. Então não posso dizer que vou dar atenção para literatura, porque vão questionar: ‘e os quilombolas?’ E os artesãos?’.
A senhora afirmou que cultura não tem partido nem posicionamento político. E a secretária de Cultura tem?
A secretária de Cultura é de direita moderada, particularmente. Mas eu digo para todos que estão aqui, inclusive, falei em um encontro com os Pontos de Cultura, eu fui bem clara com eles, porque eles são quase na totalidade de esquerda, eu disse: ‘Meu diálogo com vocês será extremamente sincero, aberto, com muito muito respeito e, obviamente, até os limites que eu me permita’. O teclado da cultura é enorme e tem todas as teclas. Mas tem os limites do próprio Estado, independentemente até da posição de quem está sentado na cadeira. Isso não tem a ver com desejo, orientação ou posicionamento político. O Estado também tem suas limitações, inclusive administrativas.