Crime organizado não sobrevive sem braço do Estado, diz desembargadora
Ivana David atuou como juíza corregedora dos presídios paulistas e testemunhou o surgimento e ascensão da facção criminosa PCC
atualizado
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São Paulo – O assassinato do corretor de imóveis Vinícius Gritzbach, atingido por dez tiros de fuzil no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na região metropolitana, no último dia 8, trouxe à tona as relações do crime organizado com autoridades, entre elas, policiais civis e militares.
“Uma organização criminosa não sobrevive sem os braços dados com o Estado”, afirmou ao Metrópoles a desembargadora Ivana David, que já atuou como juíza corregedora dos presídios paulistas, entre 1999 e 2008, testemunhando o surgimento e ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Para ilustrar o envolvimento de atores do Estado com o crime organizado, ela usa exemplos em vários níveis e contextos.
“Celular não voa nem anda sozinho, alguém colocou ele dentro da cadeia e, isso, é fruto de corrupção. Isso também ocorre com atores do Estado ajudando na lavagem de dinheiro, em homicídios, com o narcotráfico, com várias condutas criminosas que se retroalimentam. Quando se estuda as organizações criminosas, é comum constatar a simbiose com o Estado, que atua junto e contribui para a existência da organização criminosa”.
A desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) destaca que, pouco antes da execução, ligada ao PCC — como aponta investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) –, Gritzbach havia fechado um acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo (MPSP), no qual deu o nome de um delegado e de um investigador-chefe do DHPP, que teriam lhe pedido R$ 40 milhões para retirar o indiciamento do corretor de uma investigação sobre o assassinato de dois membros da facção criminosa.
“A gente está falando do desvio de milhões [de reais], nós estamos falando de autoridades que tergiversam [usam de evasiva] com prova, na fase de investigação, para beneficiar em troca de dinheiro alguém envolvido numa conduta criminosa. Isso chama a atenção, claro”, disse a desembargadora.
Propina milionária
Em depoimento feito à Corregedoria da Polícia Civil, obtido pelo Metrópoles, Gritzbach afirma que o delegado Fábio Baena Marin e o investigador-chefe Eduardo Lopes Monteiro, ambos do DHPP, à época, receberam ao menos R$ 11 milhões de propina, em dinheiro vivo, para retirar o nome de investigados em inquéritos por homicídio e envolvimento com o tráfico de drogas.
O inquérito policial de homicídio, mencionado no depoimento, era o mesmo no qual Gritzbach era investigado pelo suposto envolvimento no assassinato de dois integrantes do PCC, facção que o havia jurado de morte e que ele também ajudou na lavagem de dinheiro.
Sobre isso, a desembargadora Ivana David afirmou que, agora, cabe às corregedorias das polícias Civil e Militar providenciar procedimentos de cunho administrativo, já feitos, como o afastamento dos policiais de suas funções. “Concomitantemente a isso, são instaurados inquéritos [policiais]. Os policiais civis respondem na justiça comum e os PMs no Tribunal de Justiça Militar [TJM]”, complementou.
Policiais envolvidos em homicídio
O próprio secretário da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou não descartar a participação de policiais no assassinato de Vinícius Gritzbach.
“Temos certeza que o crime organizado está envolvido [na morte de Gritzbach]. A participação de policiais, óbvio, não está descartada. Mas não tem ainda indícios de materialidade de autoria na participação direta no homicídio. As corregedorias [das polícias Civil e Militar] seguem trabalhando”, afirmou Derrite, na terça-feira (19/11).
O secretário acrescentou que um Inquérito Policial Militar foi instaurado e que a PM solicitou a quebra do sigilo telemático dos policiais que compunham a escolta particular de Gritzbach para “uma varredura minuciosa” em todas as conversas deles.
Todos os policiais civis e militares investigados pelo suposto envolvimento no crime foram afastados das ruas e seguem trabalhando em setores administrativos. Até o momento, nenhum suspeito de envolvimento no assassinato foi preso.
Olheiro
Uma câmera de monitoramento (assista abaixo) registrou o instante em que Vinícius Gritzbach chega ao saguão do terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo, acompanhado da namorada e de dois seguranças particulares.
No fundo da imagem, é possível avistar Kauê do Amaral Coelho falando ao telefone. Segundo investigações do DHPP, ele é o olheiro que avisou os dois assassinos, ainda não identificados, sobre a chegada de Gritzbach.
Além da ligação, a polícia suspeita que ele usou uma espécie de alarme para anunciar a chegada do corretor de imóveis, que foi assassinado com 10 tiros de fuzil, cerca de 30 segundos depois.
Vídeo
Vinícius Gritzbach fechou um acordo de delação premiada com o MPSP e denunciou membros do PCC e a extorsão supostamente cometida por policiais civis corruptos.
Além de divulgar o nome e a foto de Kauê, a pasta ofereceu uma recompensa de R$ 50 mil para quem der informações que ajudem a localizar e prender o olheiro.
Cinco envolvidos no crime
O secretário Guilherme Derrite afirmou que, até o momento, pelo menos cinco pessoas estão envolvidas na execução de Gritzbach, direta e indiretamente.
A polícia também confirmou que as armas encontradas logo após o crime, entre elas, fuzis, perto do aeroporto, foram usadas na ação, segundo laudos periciais.
Os policiais militares responsáveis pela segurança de Vinícius Gritzbach disseram em depoimento que, momentos antes do ataque ao delator do PCC, pararam em um posto de combustíveis para lanchar, enquanto aguardavam a chegada dele.
Segundo eles, quando decidiram ir em direção ao aeroporto, a caminhonete blindada não funcionou. Apenas um dos PMs teria ido até o local.
Câmeras de segurança do aeroporto registraram o momento em que dois homens de capuz descem de um carro preto e disparam contra Vinícius. Ele morreu na hora. Um motorista, que transportava clandestinamente passageiros, foi atingido por uma bala perdida e também morreu.
Até o momento, ninguém foi preso.