Cracolândia: 5 ações frustradas no passado que são repetidas agora
Desde a prisão de supostos traficantes até a tentativa de internação compulsória, autoridades repetem medidas frustradas na Cracolândia
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – Com operações policiais em série, um fluxo itinerante de usuários de drogas nas ruas e até a morte de um porteiro que teria sido esfaqueado por um dependente químico, a Cracolândia está novamente em evidência na cidade de São Paulo.
Para lidar com o problema, que já dura 30 anos na região central da capital, a prefeitura, na gestão Ricardo Nunes (MDB), e o governo estadual, de Tarcísio de Freitas (Republicanos), têm adotado algumas medidas que já se mostraram frustradas no passado.
Prisões em grande número, divulgação de detenção de “grandes fornecedores” com pouca quantidade de droga, mudança no local do fluxo de usuários, troca de direcionamento entre gestões e proposta de internação compulsória são parte dessa repetição da política pública no enfrentamento ao problema.
Abaixo, o Metrópoles detalha cada uma delas.
Prisão de pequenos traficantes
As autoridades já tentaram, por diversas vezes, estrangular o fornecimento de crack para os usuários da Cracolândia a partir da prisão de supostos pequenos traficantes, identificados pela Polícia Civil em meio à multidão de dependentes químicos.
Detidas e levadas às audiências de custódia, as pessoas acabavam liberadas pela Justiça por insuficiência de provas. Durante a Operação Caronte, encerrada em dezembro de 2022, por exemplo, 90% das prisões foram consideradas ilegais, e acabaram arquivadas. Agora, o cenário se repete. No início deste mês, por exemplo, a Justiça determinou a soltura de 11 das 13 pessoas detidas por tráfico após operação na Cracolândia.
Detenção de “grandes fornecedores”
Investigação que durou 15 meses levou à prisão da principal fornecedora de drogas para a Cracolândia, segundo a Polícia Civil, destacava o noticiário da TV em agosto de 2014. Tratava-se de uma mulher de 52 anos, detida em casa, de pijamas. Em uma das interceptações telefônicas, ela disse: “Eu dei para um fornecedor um dinheiro grande pra trazer pra nóis”, e que todo mundo a conhecia na área. “Acreditamos que foi um golpe muito grande no tráfico na região da Cracolândia”, afirmou um delegado na ocasião.
Quase 10 anos depois, no último dia 26 de julho, ao lado da cúpula da Polícia Civil, o secretário estadual da Segurança Pública, Guilherme Derrite, anunciou a prisão do “principal abastecedor de entorpecentes na região da Cracolândia”. O homem produzia a droga em sua casa, na Baixada Santista, e levava no próprio carro para distribuir na região central de São Paulo. Tinha consigo 1,5 kg de crack. “A questão aqui não é material apreendido, mas o processo de desarticulação do crime organizado, com a prisão do principal abastecedor, de acordo com o trabalho brilhante da Polícia Civil”, afirmou o secretário. Apesar das prisões dos “grandes fornecedores”, o fluxo da Cracolândia permaneceu praticamente inalterado nas duas ocasiões.
Mudança de local do fluxo
Alternar o fluxo de lugar por determinado período, como acontece agora, com a “admissão” do consumo na Rua dos Gusmões, durante a noite, e na Rua dos Protestantes, ao longo do dia, já se mostrou medida frustrada no passado.
Em 2012, por exemplo, tentou-se uma versão ainda mais radical dessa estratégia. Policiais militares escoltavam o grupo de dependentes químicos durante a madrugada inteira, com pequenas pausas para consumo e a retomada da caminhada após alguns minutos por ruas da região central. A ação ficou conhecida como a “procissão do crack”, parte da estratégia de “dor e sofrimento”, como era chamada, e não produziu resultado efetivo.
Troca de planos
Todo começo de mandato de um governante é marcado pela apresentação de soluções para tratar “o problema da Cracolândia”, com alteração no nome dos programas e, muitas vezes, na forma de abordagem.
Entre as gestões dos ex-prefeitos Fernando Haddad (PT) e João Doria (ex-PSDB), por exemplo, em 2017, trocou-se o programa De Braços Abertos pelo Redenção, provocando uma guinada na forma de lidar com os dependentes químicos – da política de redução de danos à repressão –, que dispersou usuários pela região central inteira.
Com o início do governo Tarcísio neste ano, foi o programa estadual Reencontro que substitui o Recomeço, da gestão anterior, em âmbito estadual. A discussão atual passa pelas múltiplas possibilidades de internação dos usuários. Todos os planos ao longo do tempo apresentam profusão de números considerados pelas autoridades como expressivos nas abordagens de saúde e assistência social.
Internação compulsória
Propostas de internação compulsória sempre surgiram como a “bala de prata” para, supostamente, dissolver a aglomeração de usuários na região central da capital paulista. Em 2017, por exemplo, durante a gestão Doria na prefeitura, a Procuradoria do Município propôs a medida ao Tribunal de Justiça, após avaliação do usuário por junta médica e equipe multidisciplinar do projeto Recomeço.
Tanto Ricardo Nunes (MDB) quanto Tarcísio de Freitas (Republicanos) já se manifestaram favoráveis à internação compulsória, mesmo que como “última opção”. Fora o fato de a internação em massa ser juridicamente insustentável e alvo de questionamentos, esse tipo de proposta esbarra, ainda, na incapacidade do poder público de prover local adequado e em quantidade suficiente.
Atualmente, o “Hub” contra as drogas do governo estadual já realizou 1.888 encaminhamentos para internação em hospitais especializados ao longo dos quatro primeiros meses de funcionamento. Ainda assim, o fluxo na Cracolândia conta com mais de mil usuários, segundo as contagens divulgadas semanalmente pela Secretaria da Segurança Pública.