Corregedor dá esculacho em colegas do MPSP: “Coisa de moleque”; ouça
Em reunião gravada, corregedor-geral do Ministério Público (MPSP) faz críticas duras a supostos desvios de conduta de promotores
atualizado
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São Paulo – O corregedor-geral do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Motauri Ciochetti, criticou duramente promotores por supostos desvios de conduta, como trabalhar de casa (home office) indevidamente, fora da escala de teletrabalho, “terceirizar” suas atribuições a assistentes e fazer política dentro da instituição.
“Além de ser coisa de moleque irresponsável e inconsequente, as consequências virão”, afirmou Ciochetti durante uma reunião com promotores realizada por videoconferência nessa terça-feira (3/10). O Metrópoles obteve acesso ao áudio da reunião (ouça os principais trechos abaixo).
Na mesma reunião, o corregedor-geral disse ainda que malfeitos dentro do MPSP vão acabar resultando em reações da classe política que vão “mutilar”, por exemplo, a paridade da remuneração de procuradores com o Poder Judiciário.
Ciochetti disse que esses comportamentos vão levar a instituição para um “barranco” semelhante ao da “Polícia Civil”, que, segundo ele, está “degradada” em razão de seus quadros terem colocado interesses “pessoais” acima dos interesses da instituição.
O encontro foi convocado para tratar, sobretudo, das eleições para a Corregedoria-Geral do MPSP e para a lista tríplice ao cargo de procurador-geral de Justiça, que é encaminhada em seguida ao governador para que ele escolha o novo chefe do Ministério Público paulista. As eleições ocorrem em abril do ano que vem e costumam acirrar os ânimos entre grupos adversários.
“Há sério risco de o Ministério Público implodir, erodir por comportamentos internos de guerras, ofensas, de agressões, ouvidas por questões de cunho político. Isso a corregedoria não irá admitir, em nenhuma circunstância, venha de quem vier”, disse Ciochetti.
Ele disse ainda que não admitirá que se faça política na corregedoria e que quadros dispostos a fazer campanha por candidatos devem deixar o órgão.
Além do alerta sobre as eleições, o corregedor passou a tecer duras críticas sobre o teletrabalho. Disse ser contra o home office no MPSP e que parte dos promotores e procuradores tem abusado do direito a dar expediente em casa.
Ciochetti disse que, inicialmente, a corregedoria tem feito recomendações aos membros do MPSP. Quando elas são descumpridas, estão propondo acordos que implicam sanções aos promotores.
“E já digo: as propostas desse acordo são não acumular e não realizar teletrabalho por no mínimo seis meses. Querem correr o risco? Além de ser coisa de moleque irresponsável e inconsequente, as consequencias virão. E não pensem que a Corregedoria não sabe de onde os colegas estão trabalhando. Isso é muito fácil”, disse.
“Analista virou promotor”
O corregedor também falou sobre casos em que promotores estão terceirizando suas atividades e até entregando seus tokens usados para assinatura digital e peticionamento em processos nas mãos de servidores, que ocupam cargos de analistas e assistentes.
“O analista virou promotor de Justiça. Colegas, não pensem que esse dado não chega ao conhecimento da Corregedoria. Não pensem que esse fato se resume ao ambiente que é repartido pelo promotor ou pela promotora e pelo analista”.
Ele alerta que além de esse comportamento ter levado a punições administrativas, também é criminoso, e costuma ser encaminhado para investigação na esfera penal.
“O analista que assim faz divulga isso. Ele fala até como forma de se orgulhar: olha, eu faço todo o trabalho do promotor ou da promotora de Justiça. Pensaram nas consequências disso? Pensaram se esses fatos chegam ao conhecimento da sociedade ou ao conhecimento político?”, disse.
Na gravação, o corregedor-geral ainda menciona consequências políticas para o MPSP. “Pensem, colegas, é fácil sair uma PEC mutilando a nossa paridade com o Judiciário. Não há nada que impeça isso. Pensaram nas consequências que isso vai gerar a todos nós em termos de garantias e prerrogativas, em termos de nossas remunerações?”, afirmou.
O corregedor ainda disse que o MPSP está sem “amizades” na política, enfrenta “restrições” da mídia, e que há dificuldades em ser ouvido no Legislativo em suas pautas. “Nao podemos fazer com que o promotor esteja apenas no ambiente virtual longe da sociedade, do povo, porque é o povo que nos sustenta, e não apenas financeiramente. O povo nos sustenta porque o povo tem o poder de pressionar os políticos e fazer com que políticos nos respeitem. A partir disso, não lancem tantas iniciativas contrárias àquilo que temos”, afirmou.
“Caminho do barranco”
O corregedor pediu, durante a reunião, para que os promotores não sejam “inconsequentes, irresponsáveis, egocentristas, que colocam seus interesses pessoais mesquinhos acima dos valores sociais e dos valores institucionais”.
“Porque esse é o caminho do barranco para o qual a instituição vai se esses comportamentos continuarem a ocorrer. O papel da Corregedoria Geral é evitar que entremos nesse barranco”.
“Isso já aconteceu com os professores da rede pública de ensino, que há 30 anos tinham qualidade e condição profissional invejáveis, isso aconteceu com os quadros da Polícia Civil, que estão hoje bastante degradados por colocarem seus interesses pessoais acima dos interesses da instituição”, completou.
O que diz o corregedor
Por meio de nota, o corregedor Motauri Ciochetti afirma ao Metrópoles que realizou uma reunião com promotores de Justiça do Estado para “alertá-los acerca da necessidade de cumprimento das diretrizes de atuação traçadas no âmbito institucional”, o que considera “imprescindível para que o Ministério Público possa efetivamente cumprir com os mandamentos constitucionais que lhe são dados, melhor atendendo à sociedade”.
Segundo ele, os problemas destacados por ele na reunião “foram detectados pontualmente e deram azo à adoção das medidas correcionais apropriadas”. Ainda de acordo com o corregedor, “a Corregedoria-Geral expôs os fatos e suas consequências sociais, institucionais e políticas, concitando todos os membros do Ministério Público a não se afastarem de seus deveres funcionais e institucionais, através de posturas desviantes incompatíveis com a grandeza e a relevância do cargo de promotor de Justiça”.
Por fim, o corregedor afirma ainda que “enfatizou a sua posição de absoluta equidistância das disputas políticas internas” e que a Corregedoria “continuará, de forma intransigente, a cumprir suas obrigações para assegurar que a população paulista receba da instituição o melhor serviço possível”.