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Ana Animal: corredora que trocou a rua pelo Ibirapuera terá novo teto após campanha

Ana Animal, que viveu nas ruas até virar corredora de alto desempenho, vai mudar do Ibirapuera para novo teto após comoção contra despejo

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Imagem mostra mulher de óculos, cabelos raspados, roupa rosa e amarela, com dois polegares levantados - Metrópoles
1 de 1 Imagem mostra mulher de óculos, cabelos raspados, roupa rosa e amarela, com dois polegares levantados - Metrópoles - Foto: William Cardoso/Metrópoles

São Paulo — A corredora Ana Luiza dos Anjos Garcez, de 60 anos, será obrigada a deixar o Complexo do Ibirapuera, mas não vai mais viver nas ruas de São Paulo, de onde saiu no fim dos anos 1990. Ana Animal, como é conhecida, vai morar no Complexo Esportivo Baby Barioni, na Água Branca, zona oeste, após comoção no mundo da corrida com a possibilidade de que fosse despejada pelo governo estadual do alojamento onde vive há 23 anos.

Ana é conhecida pelo jeito brincalhão, pelas roupas coloridas e os óculos sem lentes. Mais que isso, é também uma atleta de alto rendimento, acostumada nas últimas décadas aos pódios no Brasil e no exterior, seja Europa, Ásia, África, Estados Unidos ou países da América do Sul.

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Ana Animal é fotógrafada por Sérgio Rocha, do canal Corrida no AR, ao lado de PH Dragani
Ana Animal ao lado de Sérgio Rocha, do canal Corrida no Ar, e PH Dragani, no Expo Transamérica
Ana Animal recebe medalha de Rafael Medeiros, da equipe Correr é Viver
Ana Animal ao lado de Mayco Geretti (à esq.) e Marcel Agarie (à dir.)
Ana Animal, que vai trocar o Complexo do Ibirapuera pelo Baby Barioni, em São Paulo
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Ana Animal chora ao receber medalha de Rafael Medeiros, da equipe Correr é Viver

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Ana Animal, que vai trocar o Complexo do Ibirapuera pelo Baby Barioni, em São Paulo

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Ana Animal fecha os olhos e junta as mãos

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Ana Animal em visita ao Complexo Baby Barioni, onde deverá viver

Arquivo Pessoal/Fernanda Paradizo

O carisma que despertou nos corredores já tinha sido notado pelo então secretário municipal dos Esportes Fausto Camunha ainda nos anos 1990, durante uma abordagem na Avenida Nove de Julho, onde Ana liderava uma gangue de 17 moleques. “Ele perguntou se eu e os meninos queríamos sair da rua. Eu disse: ‘Eu roubo. Eu sou ladrona. Você não conhece a gente. Faço coisa errada e não me arrependo’.”

Entre todos que viviam ali, só ela viu o destino ser transformado por completo. Era o começo do fim da vida nas ruas.

Se para o recordista mundial da maratona, o queniano Eliud Kipchoge, “nenhum ser humano é limitado”, Ana mostra que recuperar uma vida é possível, apesar das dificuldades.

O passado de Ana é marcado por tragédias em série até o encontro com o esporte, quando já tinha mais de 30 anos de idade. A corredora afirma que foi abandonada ainda bebê com a irmã gêmea em uma caixa de sapato e criada em uma instituição para menores, onde permaneceu até os 16 anos, quando foi viver em uma casa de família.

Na casa dessa família, a atleta diz que era tratada como empregada, não como membro. Não ficou muito tempo. Furtou o que podia, botou em malas e pegou um ônibus até a praça da República, na região central de São Paulo. Distribuiu tudo e guardou só os cobertores.

A partir da República, Ana conta que passou a roubar, traficar, andar armada, usar de cola de sapateiro ao crack, em um leque de entorpecentes. Fez de tudo e, alucinada pelas drogas, quase se jogou do Viaduto do Chá. Sofreu também três tentativas de estupro, que mudaram a sua forma de se vestir e andar pelas ruas de São Paulo. “Falei: ‘Vou usar bermudão, camisetão, para não ser mais molestada'”, diz.

O interesse pela corrida surgiu ao ver e ouvir, pelos vidros de uma vitrine do antigo Mappin da Praça Ramos de Azevedo, o filme “Carruagens de Fogo”, com a música que também é sinônimo da Corrida de São Silvestre.

Na época, Ana já liderava uma gangue e era conhecida como Tia Punk. Disse aos moleques que iria correr e foi alvo de chacota, o que a fez ter mais gana ainda. “Se corro da polícia, então eu posso começar a correr [na rua].”

Mandou cada um do bando roubar o que ela precisava para ser corredora, de tênis a calção. E conta ter encarado uma maratona sem saber que se tratava de uma corrida de 42.195 metros. Terminou arrebentada, mas pegou gosto pelo esporte.

O tempo correu mais um pouco até o encontro com uma senhora chamada Heloísa, que fez amizade com Ana e que conhecia Camunha, da abordagem na Nove de Julho.

Das ruas, ela foi para o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa. Mas foi o então governador Mario Covas (PSDB) quem ofereceu o alojamento do Ginásio do Ibirapuera, onde Ana encontrou pelos últimos 23 anos o lar que nunca teve na vida.

O atual governo estadual determinou a saída de Ana, que se sentiu incomodada com as abordagens da direção do Ibirapuera, consideradas por ela como agressivas. A iniciativa da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi noticiada pela revista Veja SP, em 11 de julho, apontando o fim do mês como prazo limite para a desocupação do alojamento.

“A mudança se deve à interdição de todos os alojamentos do Complexo Esportivo do Ibirapuera, tendo em vista a situação de precariedade da instalação”, diz agora, em nota, a gestão.

O Complexo do Ibirapuera passa por processo de tombamento, mas também está nos planos de concessão do governo estadual. Durante a gestão João Doria (PSDB), houve o projeto para construção de arena multiuso no local, sob a iniciativa privada.

Segundo o governo, após tratativas entre a Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo com a atleta e seu treinador Wanderlei Oliveira, ficou definida a realocação para o Complexo Esportivo Baby Barioni. “A mudança será realizada paulatinamente e deverá ser concluída em até 60 dias. A esportista conhecida como ‘Animal’ aprovou e elogiou o espaço”, diz a nota.

O governo afirma que o centro esportivo localizado na zona oeste conta com alojamento moderno, instalações reformadas, acessíveis e adequadas para receber atletas das mais variadas modalidades.

“Está sendo muito difícil sair de lá [do Ibirapuera], não quer cair a ficha. Tem que ser aos poucos. Não é de uma hora para outra: ‘Pega as suas coisas e vai’. É igual à droga, tem que sair devagar”, diz Ana.

Exemplo

O treinador Wanderlei Oliveira foi praticamente “intimado” por Covas (PSDB) a persistir na transformação de Ana em atleta.

Hoje, Oliveira é um dos grandes amigos e diz que a ex-moradora de rua é um exemplo de que o esporte transforma vidas. “Estou acompanhando a Ana há 27 anos e jamais poderíamos imaginar, quando ela começou, que atingiria um nível tão alto”, afirma.

Segundo Oliveira, Ana passou a correr quando tinha 33 anos, mas foi a partir dos 40 anos que começou a apresentar resultados relevantes e a ganhar provas. “Com 41 anos, ela ficou em segundo lugar na meia-maratona no Campeonato Sul-Americano, em Buenos Aires. Fez em 1h22 [21 km], o que é o melhor tempo dela”, diz.

Sobre a saída do Ibirapuera para a nova casa, o treinador espera que seja positiva. “Toda mudança é para melhor. O Ginásio do Ibirapuera, devido à pandemia, ficou desativado. Os atletas que estavam alojados lá foram para outros lugares. Só ficou a Ana. Não ficou abandonada, mas ficou sozinha. Para um atleta, isso não é bom.”

O círculo de amizades de Ana inclui também a jornalista e fotógrafa Fernanda Paradizo, que viu os laços se estreitarem quando a corredora passou a viver no Complexo do Ibirapuera, onde o Grupo Pão de Açúcar tinha um programa de qualidade de vida. “Ali comecei a conhecê-la mais de perto e nasceu uma relação de amizade e confiança”, diz.

Ana deposita, de fato, toda a confiança em Fernanda, que avalia o sentimento da amiga sobre a mudança para o Baby Barioni. “Ela está contente, mas ao mesmo tempo bem insegura. Eu e o Wanderlei fomos com ela no dia em que conheceu o local”, afirma. “Sei da dificuldade de se desapegar da única coisa da vida que ela conheceu como casa. Mas acho que a Ana vai ficar bem. Ela sabe que tem muita gente do lado dela”, diz.

Fernanda diz que a corredora tem carisma, atrai a atenção em palestras das quais participa e que a virada na vida não foi questão de sorte. “Eu sempre digo: ‘Ela agarrou a oportunidade que teve e não largou. Não é sorte’. Foi persistente. E ainda é. Em tudo o que faz”, afirma.

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