Exército: quem é o contador que atua por trás das empresas de laranjas
Luiz Romildo de Mello é investigado por fraude a licitações e ligado a empresas em nome de laranjas que ganharam contratos do Exército
atualizado
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São Paulo — Em junho deste ano, a Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagraram a Operação Mobília de Ouro para investigar o superfaturamento milionário e a fraude em licitações para fornecimento de mobiliário escolar. Esta foi a terceira vez que o contador Luiz Romildo de Mello se viu na mira de uma operação policial. Todas pelo mesmo motivo: criação de empresas para fraudar licitações em órgãos públicos.
Pelo menos 23 empresas têm ou já tiveram Romildo em seus quadros societários. Construtoras, escritórios de contabilidade, revendedoras de produtos alimentícios, serviços terceirizados, e de vendas de artigos militares. No Diário Oficial da União, uma das mais antigas contratações do contador remete aos anos 1990.
No último ano, como mostrou o Metrópoles, empresas ligadas a ele, mas em nome de jovens de 20 e 21 anos do Rio de Janeiro e de Blumenau (SC), participaram de mais de 157 licitações no Exército Brasileiro e firmaram contratos que somam R$ 18,2 milhões.
Empresas do contador e de seu filho foram usadas para atestar a capacidade técnica das companhias em nome dos laranjas. Em nome de Romildo, estão outras duas empresas que fizeram parte de pregões do Exército e levaram R$ 5,1 milhões em contratos.
Como mostrou o Metrópoles, Romildo mantém relações com empresários ligados a fraudes nos Correios que desaguaram no escândalo do mensalão, em 2005. Ele é sócio de Antonio Velasco em uma empresa e contador de Arthur Wascheck Neto em outras. Ambos foram sócios de uma empresa investigada por fraudes na estatal. Wascheck ficou conhecido por ter mandado gravar um diretor dos Correios negociando propina e dizendo que tinha aval do então deputado Roberto Jefferson (PTB), pivô do mensalão.
Parte das empresas em nome de jovens têm como contato um endereço de e-mail usado por Wascheck em licitações no Exército, e também para registrar suas próprias companhias junto à Receita Federal. Tanto Velasco quanto Washeck, que já foram sócios um dia, continuam em empresas que disputam licitações no Exército.
Um ex-sócio dessas empresas foi condenado e confessou à Justiça que abriu uma empresa com Romildo em nome de uma laranja que não tinha qualquer condição ou conhecimento sobre suas atividades. Ao Metrópoles, ele afirmou, sob condição de anonimato, que as empresas são criadas para obter contratos ou apenas competir para dar cobertura a outras empresas, simulando uma concorrência.
Atestado e cobertura
Uma das empresas de Romildo que concorrem em pregões do Exército é a Disbran Distribuidora Brasiliense de Artigos Nacionais. Somente no governo federal, a empresa participou de 30 licitações. Seu único contrato com o governo federal é de míseros R$ 380.
Foi perdendo uma concorrência na Secretaria de Educação do DF que a Disbran passou a ser investigada na Operação Mobília de Ouro, do MPDFT. Ela é suspeita de dar cobertura em licitações para a DD7 Assessoria Empresarial, empresa sediada no escritório de Romildo, mas em nome de outro sócio.
A DD7 venceu uma concorrência de R$ 21 milhões, mas o valor acabou inflacionado para R$ 40 milhões. Os contratos foram suspensos pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios (TCDFT).
Foi também a Disbran que deu o atestado técnico para que a empresa Duas Rainhas, em nome de jovens de 20 e 21 anos, pudesse participar de uma licitação no Exército. Ela se sagrou vencedora e vai fornecer uniformes por R$ 9,2 milhões — o contrato mais alto do ano para o fornecimento de bens patrimoniais do Exército.
Investigações do passado
A prática não é nova e Romildo já foi condenado por um esquema semelhante no passado envolvendo contrato do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em depoimento, ele admitiu tudo e contou que tinha um amigo com bom trânsito no Incra que lhe pediu para que alterasse o contrato social de uma de suas empresas justamente para poder participar de uma licitação para o fornecimento de material de construção para assentamentos de sem-terra. Ele disse que o ajudou em pelo menos duas oportunidades, usando uma outra empresa só para dar cobertura a seu amigo na concorrência.
Em 2016, Romildo foi denunciado na Operação Miqueias, da Polícia Federal. A investigação mirou transações suspeitas de empresas em nome de laranjas que mantinham movimentações financeiras vultosas. O esquema de lavagem de dinheiro teria ligação com um conhecido doleiro de Brasília. Neste caso, Romildo foi apontado por um dos sócios laranjas como responsável por abrir as empresas Ijui e Visão a pedido de outro empresário, em nome de terceiros.
A investigação identificou que as duas empresas, sediadas no escritório de Romildo, fizeram saques de dinheiro e outras movimentações financeiras suspeitas. Ele acabou absolvido na Miqueias. A Ijui, agora em seu nome, continuou a participar, até o ano passado, de 22 licitações no governo federal, que incluem universidades, o Exército, o Ministério da Defesa, a Polícia Federal e outros ministérios. Ela não ganhou nenhum contrato.
O contador também já foi alvo de busca e apreensão em uma operação da PF deflagrada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que levou ao afastamento de três conselheiros do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul. Ele foi investigado na condição de contador de uma empresa que recebia recursos de uma consultoria contratada pela Corte de Contas. Seu filho era sócio dela. No dia da busca e apreensão, ele entregou o real sócio da empresa aos policiais federais.
O que dizem os envolvidos
Procurado pelo Metrópoles, o contador Luiz Romildo de Mello respondeu somente com uma mensagem na qual questiona: “Qual seu interesse nesses levantamentos?”. A reportagem insistiu para ouvi-lo sobre as suspeitas, mas ele não voltou a se pronunciar. Artur Wascheck Neto não foi localizado.
Em nota, o Exército afirmou que “os critérios de seleção de empresas para fornecimento de material” para a corporação “seguem o disposto na Lei de Licitações e Contratos”. “Os certames têm como fundamentos os princípios da administração pública, com especial atenção aos da legalidade e da impessoalidade”.
“Para se tornarem vencedoras dos certames, as empresas devem oferecer o menor valor para o bem em questão dentre todos os participantes, além de comprovar a qualidade do material fornecido, conforme as características estipuladas”, afirma o Exército.
O órgão também ressaltou que somente após a entrega dos produtos contratados, prontos para o uso, “as organizações militares contratantes poderão efetuar a liquidação da respectiva nota fiscal, com o posterior pagamento pelos produtos entregues, nos estritos termos da legislação vigente”.
Sobre os contratos levantados pelo Metrópoles, o Exército afirmou que “está apurando os dados precisos para serem repassados” à reportagem. “Cabe ainda esclarecer que o Exército Brasileiro em todas as suas ações segue e cumpre a legislação vigente e reafirma o seu compromisso com a legalidade e transparência na prestação de informações à sociedade brasileira”, afirma.