Confira a série de reportagens do Metrópoles sobre a farra do INSS
Metrópoles revelou explosão de faturamento e esquemas de entidades acusadas de aplicarem descontos fraudulentos sobre aposentadorias do INSS
atualizado
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Em março deste ano, o Metrópoles revelou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) escancarou as portas para que associações sem fins lucrativos acusadas de aplicar descontos fraudulentos de aposentados faturassem mais de R$ 2 bilhões entre 2023 e 2024. Com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), reportagens mostraram que essas entidades aumentaram seu faturamento em 300% em apenas um ano. Os descontos, feitos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias, são autorizados pelo INSS, por meio de acordos de cooperação técnica que permitem cobranças de mensalidades associativas. O problema é que mais de 60 mil processos judiciais evidenciaram descontos indevidos de aposentados que nunca haviam ouvido falar nas associações e foram surpreendidos com os descontos em suas folhas de pagamento.
Nessas ações, que levaram a condenações em série, havia fichas de filiações com assinaturas falsas, ou mesmo a ausência de qualquer documento que comprovasse a filiação dessas pessoas às entidades. A série de reportagens sobre a “Farra do INSS” revelou que as associações que mais cresceram em faturamento sob suspeita de fraudes foram erguidas por empresários cujas companhias eram as destinatárias finais dos descontos indevidos e suas diretorias eram recheadas de funcionários e parentes deles. Até mesmo uma associação sediada em uma sala comercial vazia, sem qualquer indício de funcionamento, foi aceita pelo INSS para efetuar descontos.
Esses empresários tinham boas relações com políticos do Congresso Nacional, negócios com lobistas investigados pela Polícia Federal e histórico de suspeitas em contratos com órgãos públicos. Após a revelação do caso, suspeitos foram alvo de operações policiais, o diretor do INSS responsável pelos contratos foi exonerado e o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a suspensão de novos descontos. O próprio INSS realizou uma auditoria e identificou negligência de seus quadros, fraudes nas filiações às entidades e um prejuízo de R$ 45 milhões a milhares de aposentados.
Confira abaixo as reportagens da série:
Uma caixa preta de R$ 2 bilhões
A primeira reportagem revelou dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre o faturamento das associações que mantinham acordo de cooperação técnica com o INSS. No início de 2023, eram 21 associações que faturavam mensalmente R$ 85 milhões. Até 2024, o INSS aceitou mais oito entidades e os descontos de aposentadorias destinados a elas subiram para R$ 250 milhões mensais. A associação que mais cresceu começou o ano com 40 mil filiados e, em meses, passou a ter mais de 600 mil, faturando R$ 30 milhões mensais, em meio a milhares de processos com condenações por descontos indevidos.
Uma associação que havia acabado de obter seu acordo com o INSS chegou aos R$ 10 milhões de faturamento em quatro meses. Nas ações judiciais, havia entidades que não apresentavam sequer um documento para provar filiações de aposentados. Havia também fichas de inscrição com assinaturas falsas dos aposentados, cuja fraude foi comprovada por perícia judicial. Houve até casos de filiação de aposentados por SMS e de uma aposentada que sofreu três descontos, um em seguida do outro. Quando ela conseguia se livrar de uma entidade, outra aparecia descontando de seus vencimentos.
Durante dois meses, a diretoria de Benefícios do INSS, responsável por firmar os acordos com as entidades e fiscalizá-los, fez de tudo para esconder o crescimento suspeito do faturamento das associações em meio a denúncias de aposentados. Os dados do faturamento dessas associações foram negados duas vezes pela pasta em pedidos de Lei de Acesso à Informação. Foi somente após recurso à Controladoria-Geral da União (CGU) que a reportagem obteve os números da “farra do INSS”.
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Os empresários por trás da farra
Em comum, as associações da farra do INSS ofereciam planos de saúde e seguros em troca dos descontos sobre aposentadorias de seus filiados. Documentos de cartório, entrevistas à reportagem e trocas de e-mails internas das associações credenciadas pelo INSS evidenciavam que as entidades que mais cresceram em faturamento não passavam de CNPJs engavetados, sem qualquer atividade, antes de ganharem do INSS o direito de efetuar descontos sobre aposentados. Essas entidades, com a fachada de sindicatos de aposentados, eram erguidas por empresários da área de planos de saúde e de corretoras de seguros cujos produtos eram oferecidos pelas associações. Bastava registrar uma eleição em cartório para nomear suas diretorias com pessoas de confiança e firmar o acordo com o INSS para que se iniciassem os descontos.
Os quadros de dirigentes eram preenchidos com sócios, parentes e até funcionários das empresas que moram em regiões periféricas de São Paulo e outras capitais. Depoimentos em inquéritos policiais e entrevistas revelaram que essas pessoas apenas emprestavam seus nomes para as associações em troca de um salário mínimo pago pelos empresários que realmente as controlavam. Os próprios sites e telefones das entidades estavam em nome das empresas. Telefonemas para as entidades caíam no telemarketing das seguradoras e planos de saúde e mesmo endereços de sede também batiam com essas companhias.
Reportagens mostraram como esses empresários, cujas empresas têm faturamento multimilionário com descontos da folha de aposentados, davam festas com políticos do Congresso Nacional em resorts, viviam uma vida luxuosa e mantinham negócios com lobistas acusados por fraudes em contratos públicos pelo Ministério Público Federal. Somente um desses encontros reuniu senadores, governadores e candidatos à sucessão de Arthur Lira (Progressistas) na presidência da Câmara. O grupo mais poderoso de empresários da farra controla, por meio de parentes e funcionários, três associações que, juntas, faturam R$ 50 milhões mensais. Procurações obtidas pelo Metrópoles mostraram que associações procuravam um lobista com trânsito no INSS para firmar os termos de cooperação técnica e conseguir o direito de obter os descontos.
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Queda de diretor do INSS
Após o Metrópoles revelar a farra dos descontos, investigações foram abertas pela Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), pelo Grupo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público e pelo próprio INSS. Em Brasília, ficou na berlinda do diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, responsável por firmar e fiscalizar os acordos com as associações. Além de chefiar a diretoria que tentou esconder dados de faturamento das entidades, negando pedidos de acesso à Informação da reportagem, Fidelis também mentiu à reportagem sobre o número de associações com as quais firmou acordos em 2024. Somente naquele ano, ele firmou acordos com 7 novas entidades.
Em julho, como consequência da série de reportagens, ele foi exonerado do cargo pela cúpula do INSS. Fidelis ainda tinha um filho advogado que atua justamente junto a entidades. Mais tarde, a auditoria do INSS aberta com base na reportagem que revelou a farra mostrou que a gestão de Fidelis deixou de fiscalizar associações sob argumento de que não tinha pessoal suficiente para isso, mas, ao mesmo tempo, aceitou sem qualquer diligência acordos com entidades.
Nessa auditoria, o INSS identificou que, dentro de um universo de 603 filiações a associações selecionadas aleatoriamente, 332 não tinham “documentos necessários à comprovação da regularidade dos descontos”. Em uma estimativa conservadora, o INSS chegou à conclusão de que pelo menos R$ 45 milhões foram descontados indevidamente de aposentados.
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Descontos interrompidos
Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) que citaram reportagens do Metrópoles também identificaram que associações não conseguiam sequer comprovar que seus filiados haviam se associado a elas. A investigação mostrou que a associação que mais cresceu entre 2023 e 2024, identificada por reportagens do Metrópoles, tinha apenas três filiados quando teve seu acordo de cooperação técnica aceito pelo INSS, em 2021. Ela também não tinha provas de filiações de aposentados dos quais recebia descontos, segundo a auditoria.
Em julgamento no plenário do TCU, ministros como o presidente da Corte, Bruno Dantas, e o relator da auditoria, Aroldo Cedraz, classificaram o caso como “escabroso” e determinaram a suspensão imediata de novos descontos, além de pressionar o INSS a punir as associações. O INSS já havia determinado a suspensão dos descontos em um prazo mais longo após as reportagens, e a decisão do TCU antecipou essa medida. O Ministério Público Federal também moveu uma ação com base na série de reportagens para pedir a suspensão dos descontos e indenização dos aposentados.
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Operação do Gaeco
Nos últimos meses, o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo cumpriu pelo menos três buscas e apreensões contra associações e empresários que as controlam informalmente. Entre outras provas, investigadores citaram reportagens do Metrópoles para solicitar autorização para as buscas ao Judiciário.
As investigações confirmaram que três associações que faturam R$ 50 milhões mensais estavam nas mãos de um mesmo grupo de empresários, como havia revelado o Metrópoles. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mostraram que empresas deles receberam quantias milionárias das associações. E-mails e celulares apreendidos mostraram que seus funcionários faziam toda a gestão das associações. Nessas conversas, foi identificada até mesmo uma presidente formal de uma das associações cobrando os empresários para ser paga para emprestar seu nome ao cargo.
O empresário suspeito de ser o beneficiário final do esquema havia movimentado R$ 150 milhões sob suspeita, segundo o Coaf. O lobista cuja identidade havia sido revelada pelas reportagens recebeu R$ 1 milhão somente deste grupo, de acordo com as investigações. O inquérito mostrou ainda negócios milionários entre o empresário à frente de três associações e um dos maiores escritórios de advocacia do país, que, em um passado recente, foi expulso ao lado deste mesmo empresário do plano de saúde dos servidores público federais, com o qual ambos mantinham contratos para prestação de serviços advocatícios e de saúde odontológica. Assim como as reportagens do Metrópoles, as investigações do Gaeco nasceram a partir de denúncias de aposentados.
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