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Como o PCC montou uma rede para despachar droga pelo porto do inimigo

Com aumento da fiscalização no Porto de Santos, o PCC ampliou conexões para enviar cocaína à Europa pelo porto do Rio, onde impera o CV

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A Polícia Federal apreendeu nesta terça-feira (8/3) mais de uma tonelada de cocaína no Porto de Santos, no litoral de São Paulo
1 de 1 A Polícia Federal apreendeu nesta terça-feira (8/3) mais de uma tonelada de cocaína no Porto de Santos, no litoral de São Paulo - Foto: Divulgação/PF

São Paulo — O aumento da fiscalização contra o tráfico internacional de drogas no Porto de Santos, nos últimos anos, levou o Primeiro Comando da Capital (PCC) a montar uma ampla rede criminosa para migrar parte do bilionário esquema de envio de cocaína à Europa, por via marítima, para o Porto do Rio de Janeiro, onde impera o Comando Vermelho (CV), rival da facção paulista.

Investigações feitas ao longo de dois anos pela Polícia Federal (PF), que contou com um agente infiltrado na organização criminosa, mostram como o PCC recrutou funcionários do porto fluminense, despachantes com acesso a contêineres de navios de carga e operadores altamente influentes na logística de envio da cocaína no Brasil e recebimento da droga no continente europeu.

Entre as peças-chave no esquema descoberto pelos policiais federais, estavam Chendal Wilfrido Rosa, conhecido como “Gringo” ou “Bolt” e apontado como representante da máfia italiana ‘Ndrangheta no Brasil, e Cleide Roseane Boettsche, vulgo Isa, braço direito de Karine de Oliveira Campos, a “rainha do pó”, que era considerada a maior exportadora de cocaína via portos do país e está foragida desde 2021.

De babá a operadora do tráfico

Uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) feita a partir da Operação Brutium, deflagrada em 2022, mostra que, antes de ascender como operadora do tráfico, Isa era babá de um dos filhos da “rainha do pó” e assumiu a responsabilidade pelas negociações do grupo criminoso após a decretação da prisão de Karine, em 2019, pelo envio de 5,3 toneladas de cocaína para o exterior.

Segundo o MPF, Isa atuou como representante comercial do PCC, em território fluminense, até fevereiro de 2022, quando foi presa na operação da PF. Antes de ser detida, ela havia passado a “cuidar do cofre” da patroa, incluindo os pagamentos de advogados para a “defesa de lideranças do PCC” e também de “algumas lideranças políticas do Brasil”, não especificadas.

Isa foi condenada a 15 anos por tráfico e associação ao tráfico de drogas, em regime fechado, e segue atrás das grades. Segundo o MPF, ela estava “diretamente envolvida” na operação para enviar 300 quilos de cocaína para o porto de Le Havre, na França. A embarcação, contudo, foi apreendida durante o percurso, no porto de Tanger, no Marrocos.

Assassinos do Caribe e máfia italiana

Toda essa operação, que envolvia o transporte terrestre da droga desde a Baixada Santista até o Porto do Rio, contava com a participação do grupo de Chendal Wilfrido Rosa, natural de Curaçao, ilha holandesa no Caribe. Ele é apontado como integrante do grupo criminoso No Limit Soldiers — envolvido com tráfico internacional e especializado em assassinatos por encomenda — e representante da ‘Ndrangheta no Brasil, principal cliente do PCC na Europa.

Antes da operação de 2022, Chendal já tinha sido preso e acusado pelo crime de tráfico internacional de drogas na Holanda e em Aruba, outra ilha caribenha, envolvido no envio de cocaína para a Europa e para a África. Segundo o MPF, ele “participou efetivamente” da remessa de quase uma tonelada de cocaína para os portos da Antuérpia, na Bélgica, e de Valência, na Espanha.

De acordo com a investigação, a cocaína adquirida no Brasil, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, oriunda de países produtores como Colômbia, Peru e Bolívia, custa em torno de U$ 5 mil. Já no destino final, na Europa, o valor pago por compradores gira em torno de € 25 mil e € 30 mil. Isso rende cerca de R$ 100 mil de lucro líquido a cada quilo da droga vendido no exterior.

Agente da PF infiltrado

A descoberta do esquema envolvendo o tráfico de drogas do PCC via Porto do Rio só foi possível graças à atuação de um agente da PF infiltrado na organização criminosa. O policial foi contratado pelo grupo chefiado por Isa e Chedal, que pagou o equivalente a R$ 3,3 milhões em dólar, acreditando que o falso atravessador enviaria 1,75 tonelada de cocaína, dividida em seis cargas diferentes, para o outro lado do Atlântico.

Segundo a investigação resultante do trabalho do policial infiltrado, Isa contratou o agente, acreditando que ele seria um facilitador no Porto do Rio de Janeiro para despachar 300 kg de cocaína para o porto de Le Havre, na França. Meses antes de sua prisão, Isa recepcionou o agente infiltrado em um apartamento no Leme, zona sul do Rio de Janeiro, em outubro de 2021.

Pelo serviço prestado na operação, o agente infiltrado recebeu US$ 640 mil da organização criminosa. A droga despachada em um contêiner no navio, contudo, foi interceptada em Marrocos, após alerta emitido pelas autoridades brasileiras àquele país.

Graças ao trabalho do agente, a PF pôde identificar parte da rede de contatos usada pela facção paulista para despachar cocaína por meio do porto fluminense. Ao longo de dois anos de investigações com a infiltração policial, foram realizadas seis ações controladas e 12 interceptações telefônicas.

Chendal e Isa foram presos durante a Operação Brutium da PF, deflagrada com base nas investigações do agente infiltrado, em 2022. Além deles, outros 17 criminosos envolvidos no tráfico internacional de drogas foram detidos. Do total, 14 residiam no litoral paulista — nove, no Guarujá.

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