Como Bolsonaro conseguiu emplacar vice em SP que nenhum aliado queria
Ex-presidente Jair Bolsonaro ficou isolado no apoio ao Coronel Mello contra todos os aliados a Nunes, mas saiu vitorioso na indicação
atualizado
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São Paulo — A indicação do coronel Ricardo Mello Araújo (PL) como vice na chapa do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), oficializada nessa sexta-feira (21/6), foi uma vitória pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra dirigentes dos 12 partidos que formam o arco de aliança, inclusive de sua própria legenda.
Nenhum dos aliados do prefeito, incluindo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem coube anunciar a indicação, queria como vice de Nunes o ex-comandante da Rota, tropa de elite da Polícia Militar (PM) conhecida pelas ações truculentas, em especial nos bairros de periferia.
Bolsonaro indicou Mello Araújo para o posto ainda em janeiro deste ano a Tarcísio, principal fiador da aliança entre o ex-presidente e Nunes. A indicação se deu um mês depois de uma negociação intermediada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na qual Bolsonaro disse que só apoiaria o prefeito se pudesse indicar o seu vice.
Mas o nome também não foi bem recebido por Nunes e pelos dirigentes dos partidos aliados, que passaram a cogitar uma série de outras opções para vice, com o objetivo de tentar demover Bolsonaro. Assim, aventaram-se nomes como o do secretário municipal de Relações Internacionais, Aldo Rebelo (MDB), e da vereadora Sonaira Fernandes (PL), ex-secretária estadual da Mulher.
Nos bastidores, até mesmo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filhos do ex-presidente, manifestavam preferência por outro nome na chapa de Nunes. O próprio prefeito trabalhava para adiar ao máximo a definição de seu vice, com a esperança de minar a indicação de Mello Araújo.
Mudanças de cenário
O cenário mudou há cerca de duas semanas, depois que o coach e empresário Pablo Marçal (PRTB) colocou sua pré-candidatura a prefeito na rua, e nas redes, mirando os votos de bolsonaristas. Tarcísio, que preferia uma mulher como vice de Nunes, jogou a toalha, cedeu ao ex-presidente e disse para o prefeito aceitar Mello Araújo, mesmo com a evidente resistência de todos os aliados.
O nome favorito de Nunes, considerado sua escolha pessoal, era o de Aldo Rebelo, que chegou a fazer uma foto com o ex-presidente. Havia a expectativa de que Rebelo, que foi ministro dos governos do PT, pudesse amenizar o rótulo de bolsonarista que o deputado e pré-candidato Guilherme Boulos (PSol), principal adversários de Nunes, tenta colar no prefeito.
Tarcísio acata ordem
Tarcísio é considerado o mais provável herdeiro político de Bolsonaro para as eleições presidenciais de 2026, uma vez que o ex-presidente está inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder na reunião em que tentou descreditar o processo eleitoral brasileiro para diplomatas estrangeiros, em 2022.
Caso queira entrar na disputa, ele precisa manter o apoio do ex-presidente. Valdemar colocou para rodar nesta semana, na propaganda do PL em rádio e TV, uma campanha na qual diz que, caso Bolsonaro se mantenha inelegível, será ele quem indicará o candidato a presidente e o vice-presidente do partido em 2026.
Tarcísio e Nunes jantaram juntos no dia 7 de junho, uma sexta-feira, e trataram do nome de Mello Araújo. O governador ainda tinha ressalvas na ocasião, segundo interlocutores do prefeito. No fim de semana, porém, Bolsonaro e Tarcísio conversaram e o ex-presidente reiterou sua opção e ainda citou as pesquisas que traziam Pablo Marçal bem colocado, em terceiro lugar, como uma ameaça à ida de Nunes ao segundo turno. Tarcísio entendeu a missão.
Na segunda-feira (10/6), o colunista do Metrópoles Igor Gadelha revelou que o governador seguiria o presidente e indicaria Mello Araújo a Nunes. Ao longo do dia, questionado por jornalistas, Tarcísio confirmou as informações.
Nunes, porém, só encontrou o governador novamente na noite de segunda-feira (10/6). “Eu tenho um monte de jornalista me mandando mensagem, o que você falou?”, disse Nunes ao governador, segundo relato feito pelo prefeito.
O prefeito, até aquele momento, dizia que o assunto não era urgente e repetia que ele mesmo só foi indicado para vice de Bruno Covas (morto em 2021), nas eleições de 2020, durante a convenção do seu partido, em julho.
Por isso, ele ensaiou um movimento de construção democrática em torno do nome de Mello Araújo, para que a indicação do ex-comandante da Rota, caso avançasse, ficasse na conta dos dirigentes partidários e de Tarcísio, que tem uma avaliação melhor do que a de Bolsonaro na capital. “Imposição [eu] não aceitaria de ninguém”, disse, afirmando que o indicado seria resultado de uma construção entre os partidos.
Almoço para aceitar indicação
Diante da confirmação pública de que Tarcísio indicaria Mello Araújo, o prefeito chamou o governador para discutir o tema em um almoço na prefeitura, na sexta-feira seguinte (14/6). Tarcísio optou por levar o próprio Bolsonaro e o coronel ao encontro. Àquela altura, aliados do prefeito diziam que já não havia como mudar a indicação.
Embora Mello Araújo seja um ex-comandante da Rota, Bolsonaro indicou na reunião o caminho que Nunes passou a seguir para tornar o nome dele mais palatável ao eleitorado: ressaltar seu trabalho à frente da Companha de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), no governo do ex-presidente. Aliados dizem que Mello Araújo “moralizou” a gestão do local, marcada por denúncias de corrupção. Bolsonaro saiu do almoço dizendo que o Nunes e Mello Araújo estavam em “noivado”.
Convencendo aliados
Depois desse acordo, coube a Nunes e Tarcísio aparar as arestas restantes – desta vez, sem o envolvimento de Bolsonaro. Enquanto o presidente do PP, Ciro Nogueira, deu aval ao coronel, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União), que buscava formas de emplacar um nome de sua preferência na vice, fez críticas públicas à indicação.
Tarcísio ofereceu um jantar para os aliados na quinta-feira (19/6), no Palácio dos Bandeirantes, com a expectativa de convencer a todos de que a decisão de Bolsonaro estava tomada e não haveria volta. Era seu aniversário de 49 anos. Mas Milton Leite, que comanda o União Brasil na capital, faltou à festa.
No dia seguinte, Nunes estava na porta da casa do vereador, antes das 8h, para resolver o tema. O presidente nacional do União, Antonio Rueda, também foi ao café da manhã, convidado por Leite, e o acordo foi selado. Em troca do aval ao nome de Mello Araújo, Leite conseguiu apoio dos aliados, incluindo o PL, para manter o União no comando da Câmara no mandato que vem. Ele comanda a Casa há quatro anos e tem dito que vai se aposentar da vida política neste ano.
Integrantes de alguns dos partidos da base de Nunes ouvidos pelo Metrópoles, contudo, torcem para que a vitória de Bolsonaro seja temporária, uma vez que há a expectativa de que os insatisfeitos com a indicação de Mello Araújo ainda tentem “fritá-lo” até 15 de agosto, prazo final para a oficialização da candidatura, e trocar o coronel por outro nome na vaga de vice de Nunes.