Como a tragédia da VoePass pode aumentar protocolos de segurança aérea
Segundo especialista, investigações sem viés criminal levaram aviação ao status de meio de transporte mais seguro do mundo
atualizado
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São Paulo — A imagem do avião da Voepass, um modelo ATR, caindo como um helicóptero, sem se deslocar para a frente, assustou o mundo. Naquela sexta-feira (9/8), em Vinhedo, no interior de São Paulo, 62 pessoas morreram. “É uma tragédia. Para as famílias. Para a comunidade. Para a segurança aérea, é o primeiro acidente grave do ano com um número grande de vítimas no mundo. A forma com que o avião caiu, em parafuso chato, é extremamente impactante”, disse o professor do departamento de aeronáutica da USP, James Rojas Waterhouse.
Ao Metrópoles, o especialista afirmou que quedas assim são eventos muito raros.
“O avião sempre foi um risco potencial. Afinal, você está voando longe da terra, sem lugar para parar, nenhum acostamento, absolutamente nada. Você está ao lado de toneladas de combustíveis altamente inflamáveis e em alta velocidade. Isso deixa qualquer passageiro, literalmente, apavorado.” Mesmo neste cenário, a aviação chegou ao status de meio de transporte mais seguro do mundo.
“Para cada acidente que ocorreu nos últimos 100 anos, houve uma investigação, a maior parte uma investigação completa. A humanidade entendeu a mitigação de risco através dos incidentes e dos acidentes”.
Em 2006, o Voo Gol 1907, utilizando um Boeing 737-8EH, partiu do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, com destino ao Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro. Enquanto sobrevoava o estado de Mato Grosso, colidiu no ar com um Embraer Legacy 600.
Segundo a Força Aérea Brasileira (FAB), após o acidente, diversas melhorias foram feitas, como o aumento no quadro de controladores. Também foram implementados alertas visuais e sonoros em todos os centros de controle, assim como atualizações nos sistemas de gerenciamento de dados de todas as rotas de aeronaves comerciais e militares.
Desde 2007, o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, passou por mudanças após o acidente com o airbus da TAM e as recomendações feitas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Para aumentar a segurança na pista do terminal, foram adotadas várias medidas, entre elas a redução no número de autorizações para pousos e decolagens.
Investigações sem caráter criminal
O especialista explicou que a aeronáutica é um ecossistema que compreende itens como saúde dos pilotos, requisitos técnicos do avião, certificação aeronáutica, controle de tráfego aéreo, manutenção, tecnologia e infraestrutura aeroportuária. “Cada um desses atores está relacionado de alguma forma com a segurança do voo”, apontou.
Quando acontece um acidente como o da VoePass, as causas são sempre uma associação, uma sequência, nunca um fator único. É o que chamam de “fatores contribuintes”. Num exemplo hipotético, o excesso de trabalho entraria como “fator contribuinte”, segundo Waterhouse.
Através da investigação, esses fatores são elencados para que recomendações de melhorias sejam aplicadas.
Segundo o especialista, no âmbito da aeronáutica, todas as investigações de acidentes visam a melhoria da segurança. “Elas não têm um caráter de criminalização”, ressaltou. O viés criminal na investigação impediria o compartilhamento de informações vitais. E, por não ter esse viés, tragédias quase nunca são parecidas porque eventuais acidentes possivelmente foram evitados. Waterhouse destaca que esse distanciamento da criminalização permitiu que a aviação evoluísse até chegar ao meio de transporte mais seguro do mundo.
Toda investigação de acidente na aeronáutica, ressalta, é feita mediante o uso de sigilo de uma forma completamente rastreável e com acompanhamento de auditores. “Não existe um tempo padrão. Eu acredito que essa não será uma investigação muito longa. Nós estamos falando aí de um resultado preliminar da ordem de um mês. E em questão de seis meses até um ano, o relatório final”, disse. Após a investigação, ela torna-se pública para que todos saibam o que aconteceu e evitem que aconteça novamente.
“Enquanto voarmos, infelizmente, apesar de todo esforço, aviões ainda cairão. Enquanto dirigirmos, continuarão existindo acidentes. Prefiro acreditar no avião do que em qualquer outro meio de transporte”, concluiu, destacando estatísticas. “São milhares de voos, dia e noite, no mundo inteiro”, conclui.
PF também investiga
A equipe da Polícia Federal (PF) designada para investigar o acidente aéreo aguarda laudos do Instituto Nacional de Criminalística (INC) e da FAB para descobrir a causa da tragédia e indiciar eventuais responsáveis.
Pessoas ligadas à investigação, ouvidas pelo Metrópoles, afirmam que ainda é prematuro falar em suspeitos, mas não estão descartadas as hipóteses de crime culposo, por negligência ou imprudência, e até crime doloso, com o chamado dolo eventual, quando se assume o risco de cometê-lo, mesmo que não tenha havido intenção.
A PF vai analisar se a aeronave ATR 72 da VoePass, prefixo PS-VPB, estava com manutenção em dia e se todos os equipamentos necessários para o voo estavam funcionando. Ex-funcionários da companhia aérea já relataram uma série de problemas em aeronaves da empresa, como o improviso de um palito de fósforo para resolver um problema no botão que aciona o sistema antigelo.