Com R$ 10 mil, arquiteta reforma casa de 4m² para morador de favela
Obra feita por Ester Carro contou com doações de pessoas e empresas de arquitetura e engenharia, e trouxe melhorias até para a segurança
atualizado
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São Paulo – A casa de Francisco da Silva, 59, não tinha banheiro, geladeira ou pia até o começo deste ano. Localizada no Jardim Colombo, favela que faz divisa com o Morumbi, na zona sudoeste de São Paulo, contava com apenas 4 m² e pouquíssima infraestrutura, quando recebeu a visita da arquiteta Ester Carro, 28, pela primeira vez.
“Nós tomamos um susto”, diz ela, ao relembrar o dia em que conheceu o espaço. A moradia era a menor casa de alvenaria que Ester já tinha visto até então.
Sete meses depois, a residência de Tiquinho, como Francisco é conhecido no bairro, foi totalmente transformada. Um projeto arquitetônico desenhado por Ester envolveu a comunidade, atraiu doações e mudou a moradia.
O local cresceu 1 m² e ganhou um banheiro, com chuveiro, pia e vaso sanitário, graças à generosidade de uma vizinha, que aceitou ceder um espaço vazio localizado embaixo de sua escada para a criação do cômodo.
A área que antes abrigava um pequeno sofá e prateleiras recebeu um armário com nichos, que funciona também como escada. O móvel dá acesso à cama de Tiquinho, instalada no alto, como um beliche (arraste para ver antes e depois abaixo).
Do lado direito, uma grande janela deixa o ambiente fresco, mesmo em dias de calor intenso, como esta segunda-feira (11/9).
“No calor aqui eu sofria, não tinha ventilação”, afirma Tiquinho.
Paredes e teto foram rebocados e pintados de branco, e o espaço recebeu piso e revestimento. A fiação exposta da moradia também foi corrigida. “Ela tinha um risco muito grande de incêndio”, diz Ester.
O local ganhou ainda uma pia com gabinete e dois eletrodomésticos novos: um frigobar e um fogão de duas bocas.
Doações e parcerias
A obra foi resultado do empenho de Ester. Depois de visitar a casa no começo do ano, ela foi em busca de ajuda para viabilizar a reforma.
“Em fevereiro, nós começamos uma campanha [de doações]”, diz ela.
A vaquinha não atingiu a meta inicial, mas as doações ajudaram a dar o primeiro passo na obra: a criação do banheiro, que foi entregue em abril para Tiquinho.
Nos meses seguintes, outras partes da casa foram sendo reformadas, até chegar à versão final nesta segunda-feira (11/9).
Ester calcula que aproximadamente R$ 10 mil foram gastos na obra, metade deles pagos pelas doações recebidas na campanha. O resto do valor foi bancado pelo Fazendinhando, iniciativa de transformação social liderada por Ester no bairro.
A casa de Tiquinho recebeu também doações de materiais da Sum Engenharia, da Casacor e do site de urbanismo “Caos Planejado”.
“O projeto é pequeno na metragem quadrada, mas grande no propósito”, afirma Kelly Farias, da Sum Engenharia, que doou itens como o chuveiro, os revestimentos e a porta da casa.
O arquiteto Darlan Firmato, um dos parceiros da iniciativa dentro da Casacor, diz que o projeto mostra como é possível reaproveitar materiais.
“É um exemplo trazer dignidade para a moradia de alguém”, diz ele. O novo gabinete de Tiquinho estava em exposição na última edição da mostra Casacor.
Entrega emocionante
A entrega da casa reformada foi feita nesta segunda-feira (11/9) e contou com a presença de pessoas que trabalharam no projeto e ajudaram com doações.
O pedreiro Gilvan Barbosa Silva e o pintor Fabiano Valério dos Santos se emocionaram ao ver Tiquinho entrando na casa nova.
“Eu deixei de trabalhar fora para adiantar aqui. Nós estamos juntos. Eu fico feliz que ele tá na casinha dele agora”, disse Gilvan.
“É uma coisa que ninguém nunca esperava. É uma casa pequenininha e ficou linda”, afirmou Fabiano.
Os dois são moradores do Jardim Colombo, assim como Ester. A urbanista, que se define como “arquiteta da favela”, sonha que as comunidades possam ter casas e espaços de lazer com a mesma infraestrutura de outras regiões da cidade.
Em meio à onda de micro-apartamentos em São Paulo, Ester diz que o intuito da reforma na casa de Tiquinho não é o de romantizar moradias de 4m².
“É claro que, se eu fosse criar do zero, eu jamais faria algo de 4m²”, afirma. “De alguma forma, porém, nós pudemos entregar para ele algo com qualidade, conforto, beleza”, diz a arquiteta.
Para Tiquinho, a reforma tem um valor ainda mais especial. “Isso aqui levantou até minha autoestima”, diz o morador, contando que estava depressivo antes da reforma.
Ele diz que já tem planos para a casa, como instalar a TV antiga em frente à cama e colocar luzes de led na cozinha.