Coaf suspeita de lavagem em repasse de Nelson Wilians a empresário
Advogado Nelson Wilians pagou R$ 751 mil a empresário da farra do INSS, Maurício Camisotti, que transferiu R$ 500 mil a empresa de lobista
atualizado
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São Paulo — O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou indícios de lavagem de dinheiro em ao menos um pagamento feito pelo advogado Nelson Wilians ao empresário Maurício Camisotti, suspeito de ser o “beneficiário final” de fraudes na bilionária farra dos descontos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Como o Metrópoles revelou nessa segunda-feira (23/9), um relatório de inteligência financeira do Coaf anexado ao inquérito que investiga crimes de estelionato por meio de descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados, mostra que Nelson Wilians (foto em destaque) repassou, entre 2016 e 2022, por meio de sua conta pessoal ou de seu escritório de advocacia, R$ 15,5 milhões a Camisotti, que é seu cliente.
A investigação envolve o empresário, que já foi alvo de busca e apreensão em operação conjunta da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo (MPSP). O advogado não é investigado neste caso.
A transação sob suspeita de lavagem envolve uma TED no valor de R$ 751 mil feita em novembro de 2021 pelo escritório de advocacia de Wilians para uma conta de Camisotti no Banco Safra. No mesmo dia, segundo relatório do Coaf, o empresário transferiu R$ 500 mil para a Primares Viagens e Turismo, que pertence a Francisco Emerson Maximiano, conhecido como Max, acusado de fraude na venda da vacinas ao governo federal.
Chamado a dar explicações sobre a movimentação considerada atípica, Camisotti justificou que havia contraído um empréstimo de Wilians e que o pagamento à agência seria para custear uma “viagem de Réveillon a ser realizada pelo cliente e família para Maldivas”, um arquipélago de ilhas paradisíacas no Oceano Índico.
Segundo dados da Junta Comercial de São Paulo, a Primares é registrada como uma holding, com o objetivo “participação no capital de outras sociedades”, como “fundos de investimentos” e “empreendimentos de qualquer natureza”. A reportagem não identificou nenhuma menção a agenciamento de viagens nem participação da Primares em uma empresa do ramo.
“Diante da evidência de recebimento de recursos com imediatas transferências a terceiros, sem comprovação formal da motivação, comunicamos com base na regulamentação vigente”, afirma o relatório do Coaf, fazendo menção a uma carta circular de 2020 do Banco Central (BC) que lista a relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens.
Como mostrou o Metrópoles há dez dias, o mesmo relatório do Coaf enviado à Polícia Civil de São Paulo e ao Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MPSP), apontou um pagamento de R$ 1 milhão de Maurício Camisotti a um lobista do INSS, além de transações entre uma empresa dele e associações suspeitas de aplicarem descontos indevidos sobre aposentadorias.
Outra transação que levantou a mesma suspeita, com citação à mesma carta circular do BC, foi um conjunto de transações milionárias com uso da conta da esposa de Maurício Camisotti. Em meio a essas transações, está um repasse de R$ 647 mil feito pelo escritório de Nelson Wilians que o Coaf aponta “suspeita de sonegação fiscal”.
Do Geap para o INSS
A maior parte das transações, no total de R$ 12 milhões, foi feita entre 2016 e 2020, período em que empresas ligadas a Camisotti, como a Prevident, e a banca de Nelson Wilians eram prestadoras de serviços do Geap, plano de saúde dos servidores públicos federais que tem em seu conselho e diretoria indicações políticas e era um feudo político do PP e do PT.
Em 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Geap foi ocupado por militares que rescindiram os contratos com Camisotti e Wilians sob o argumento de que davam prejuízo. Batalhas judiciais entre o plano de saúde dos servidores, Camisotti e Wilians se arrastam até hoje no Judiciário de Brasília. Nessa briga, inclusive, o advogado já defendeu a Prevident contra o Geap.
A saída do Geap guarda relação com a entrada para o mundo das entidades no INSS, cujo conselho tinha indicados do órgão de saúde federal. Após ser expulso do Geap, Camisotti ergueu, em 2021, a Ambec, que firmou “acordo de cooperação técnica” com o INSS para efetuar descontos de mensalidades diretamente na folha de pagamento dos aposentados em troca de supostas vantagens em serviços como seguro e plano odontológico.
A entidade era um antigo CNPJ engavetado e foi ocupada com pessoas ligadas a Camisotti. Quando firmou seu acordo com o INSS, a Ambec tinha apenas três associados. Três anos depois, esse número saltou para 650 mil, atingindo faturamento mensal de R$ 30 milhões, sob uma avalanche de acusações de descontos indevidos que viraram reclamações em órgãos de defesa do consumidor e processos na Justiça.
Além da Polícia Civil paulista e do MPSP, a farra dos descontos indevidos do INSS é investigada pela Polícia Federal (PF), pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No início das demandas judiciais, foi Nelson Wilians quem assumiu a defesa da Ambec. À Justiça, ele alegava que a filiação de aposentados era realizada de forma “manual” e que funcionários da associação responsáveis pelo serviço poderiam usar CPFs errados em razão de uma “possível inversão no dígito lançado no sistema”.
A Ambec acumula milhares de processos no Judiciário, com centenas de condenações. Mais recentemente, defendida por outro escritório, ela passou a juntar áudios — sem data da gravação — de ligações telefônicas com aposentados que contestam filiações, desacompanhadas de qualquer outro documento. O detalhe é que o INSS não permite filiações por telefone, apenas assinadas e com cópia de documento do filiado.
Procurado, o advogado Nelson Wilians disse que não vai se manifestar sobre os pagamentos feitos a Camisotti. Após a publicação da reportagem na segunda-feira, ele postou em seu perfil no Instagram que “não se pode confundir o advogado com o cliente”.
“A relação jurídica privada narrada é totalmente legal e declarada, e nem tem nada a ver com o motivo das investigações”, escreveu Nelson Wilians.
Por meio de nota, Camisotti afirmou que as transações envolvem “relação privada, sem qualquer irregularidade”. “Foge, portanto, do interesse público”, diz. O empresário tem negado qualquer relação com as entidades investigadas por fraude nos descontos de mensalidade de aposentados do INSS.