CNJ julga ilegal portaria para prender detentos nas “saidinhas” em SP
Portaria, utilizada pela gestão Guilherme Derrite na SSP, permitia que detentos fossem presos se descumprissem regras das saídas temporárias
atualizado
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São Paulo — O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) considerou ilegal um trecho de uma portaria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) de 2019 que autoriza as Polícias Civil e Militar a conduzir ao presídio detentos que sejam flagrados descumprindo regras da saída temporária, a conhecida “saidinha”, dias antes da última saída temporária do ano, que começou nesta segunda-feira (23/12).
Segundo o entendimento do CNJ, da última quinta-feira (19/12), o descumprimento das condições impostas para o benefício não pode implicar, “a mero juízo valorativo das autoridades administrativas responsáveis pela fiscalização”, na condução imediata do sentenciado a presídio, pois a restrição de liberdade depende de ordem judicial, salvo os casos de flagrante delito.
A portaria diz que o presidiário permaneceria custodiado “como medida acautelatória em proteção à sociedade”. A decisão é amplamente utilizada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do governo do estado, capitaneada por Guilherme Derrite. Desde a implementação da medida, em junho do ano passado, a SSP contabiliza mais de 3 mil detentos beneficiados que foram presos pela Polícia Militar por descumprimento das regras impostas pelo Poder Judiciário. Só na última saída temporária, entre 17 e 23 de setembro, a Polícia Militar recapturou 829 detentos.
O CNJ, no entanto, estabelece que o descumprimento das condições fixadas deve ser imediatamente registrado no prontuário da pessoa, e comunicada a conduta que se classifique como falta disciplinar de natureza grave. Esses registros são encaminhados ao Poder Judiciário para as providências cabíveis.
“Resta inegável, então, que a ‘custódia’ promovida no Estado de São Paulo, como medida acautelatória em proteção à sociedade, daquele que, segundo as Polícias Civil e Militar, teria descumprindo as condições da saída temporária, se distancia das normas de regência, notadamente pelo aspecto de que essa restrição de liberdade (prisão) ser exercida à revelia de decisão judicial”, escreveu o conselheiro relator José Edivaldo Rocha Rotondano no acórdão.
Durante a saidinha, os detentos devem cumprir medidas cautelares, entre elas, evitar festas, eventos noturnos e permanecer em suas residências entre as 20h e as 6h. Caso algum deles seja flagrado descumprindo regras como essas, fica decidido que o policial militar deve apenas registrar o caso por meio de boletim de ocorrência, e liberar o beneficiado em seguida.
A decisão do CNJ vem após a Defensoria Pública de São Paulo questionar a portaria por meio de habeas corpus, que foi ajuizado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que o documento permite prisões ilegais, sem prévia ordem judicial ou situação de flagrante delito.
O STJ não concedeu habeas corpus, mas encaminhou o caso para o CNJ, que abriu procedimento de controle administrativo e concluiu pela ilegalidade da norma.
O que diz a SSP
Em nota ao Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o projeto de cooperação com o Poder Judiciário que permitiu reconduzir à prisão detentos que descumprem as condições do benefício “representou um avanço no combate à reincidência criminal no estado”.
A SSP ressaltou que, em todos os casos, os presos reconduzidos pela polícia a unidades prisionais passam por audiências de custódia nas 24 horas seguintes, cabendo à Justiça a avaliação de cada caso.
Segundo a pasta, dos mais de 3 mil detentos recapturados desde o ano passado, 168 foram flagrados cometendo novos crimes. “As detenções resultaram em uma redução de mais de 14 mil roubos e furtos durante as últimas saídas temporárias (junho, setembro e dezembro de 2023 e março, junho e setembro de 2024), o que demonstra a efetividade no combate à impunidade e à reincidência promovida pela atual gestão.”
Entre março e setembro de 2024, a SSP contabiliza que 1.978 sentenciados foram conduzidos aos presídios, com 93,5% das detenções consideradas legais pelo Poder Judiciário em audiências de custódia, “reforçando a legalidade e o respeito aos direitos fundamentais no cumprimento das medidas de proteção à sociedade”.