“Churrasco” e “picanha” eram códigos para venda de sentenças, diz PF
Operação Churrascada, da PF, que mira suposto esquema de venda de sentenças por desembargador de SP, interceptou mensagens de investigados
atualizado
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São Paulo — Diálogos interceptados pela Polícia Federal (PF) mostram que suspeitos de envolvimento em um suposto esquema de venda de sentenças no gabinete do desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), usavam expressões como “churrasco”, “carne” e “picanha” como códigos para pagamentos de propina que teriam sido feitos ao magistrado por decisões judiciais favoráveis.
O desembargador foi alvo de busca e apreensão no âmbito da Operação Churrascada, deflagrada pela PF na última quinta-feira (20/6), por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também determinou o afastamento de Ivo de Almeida (foto em destaque) de suas funções por um ano. Um pedido de prisão foi negado. A defesa do magistrado diz que aguarda acesso ao processo para “reestabelecer a verdade e a Justiça”.
As mensagens, segundo a PF, foram encontradas nos celulares dos investigados, entre eles o guarda municipal Wellington Pires, que já tinha sido alvo de uma operação em 2021, sobre supostos desvios de hospitais públicos, o advogado Luiz Pires Moraes Neto, e Valmi Lacerda Sampaio (morto em 2019), que era amigo do desembargador. Nos diálogos, Ivo de Almeida é citado nominalmente como alguém que estava “na mão” do grupo.
Segundo a PF, era Valmi quem anunciava as datas de “churrasco”, codinome usado para batizar plantões judiciários nos quais Ivo de Almeida despacharia, para que pedidos deles chegassem diretamente ao desembargador enquanto o relator natural dessas ações estivesse em folga.
Em uma das mensagens, datada de 2018, Valmi avisa a Wellington: “Vamos fazer mais um churrasco no dia 23/08”. Dias depois, Wellington diz: “Eu tô em São Roque e tem uma picanha aí para levar procê ver se vai assar ela no dia 23 ou não [sic]”. Valmi, então, pede pressa para mandar as “folhas” e “analisar rápido”. Wellington envia cópias de uma execução de pena de uma mulher condenada a 8 anos de prisão por furto mediante fraude de R$ 3 milhões.
Nas mensagens seguintes, o advogado Luiz Pires Moraes Neto perguntou se já teria uma “posição”. “Se for preciso correr atrás da carne.” Na conversa, é sugerido um pagamento a um posto de gasolina. Valmi era sócio de um posto que recebeu pagamentos de Luiz Pires, segundo a PF. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não menciona se houve ou não decisão de Ivo de Almeida favorável.
Após a morte de Valmi, quem surgiu como o interlocutor de Ivo de Almeida foi Wilson Vital Menezes Junior, que se apresentava como “filho” de Valmi, apesar de não terem esse grau de parentesco. Nesses diálogos, mais recentes, há indícios de que o desembargador mudou decisões para beneficiar condenados defendidos pelo advogado por meio de propina.
Negociações de HC
Um dos casos é o de Adormevil Vieira Santana, condenado a 7 anos de prisão por roubo e estelionato. Nessa tratativa, Wellington abordou Wilson Vital por mensagens: “Esse HC, esse menino já puxou um bom tempo já, tá até cumprindo pena. Vê o que dá pra fazer. Se a gente consegue fazer alguma coisa, que dá pra fazer e quanto é?”. Após aceitar a propina supostamente para o desembargador, Wilson afirma a Wellington: “Estava com o nosso amigo ontem, falou para você ir mandando aos poucos. Assim ele já vai se acertando com os outros 2 que estão junto com ele”.
Nos diálogos, os advogados discutem a venda de obras de arte da família de Adomervil para fazer pagamentos ao magistrado. No caso de Adomervil, o desembargador lhe concedeu prisão domiciliar — ele cumpria pena em regime fechado. A PGR aponta que a decisão não apenas beneficiou Adomervil seletivamente — outros acusados não tiveram a mesma sorte — como contradiz com o próprio histórico de entendimentos do desembargador. A PF encontrou transferências de R$ 100 mil para o posto de Valmi feitas por Luiz Pires.
Procurado pelo Metrópoles, o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, que defende Ivo de Almeida, afirma que “ainda não obteve acesso aos autos que supostamente sustentaram as medidas cautelares deferidas pelo STJ”. “Aguarda-se, assim, a autorização ao total conteúdo das investigações para que a defesa possa se manifestar e, em consequência, reestabelecer no caso a verdade e a Justiça”, pontua.
Os demais investigados citados não foram localizados pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.