Carnaval: Mocidade e Império se destacam na 2ª noite de desfiles em SP
Carnaval do Grupo Especial tem 2ª noite de desfile com Mocidade Alegre e Império de Casa Verde na briga pelo título; Gaviões levanta torcida
atualizado
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São Paulo — A segunda e última noite de desfiles do Grupo Especial do Carnaval no Anhembi, em São Paulo, trouxe a Mocidade Alegre na briga para manter o título conquistado no ano passado. O favoritismo é dividido com a Império de Casa Verde, que fez uma apresentação grandiosa. Com nível técnico elevado também no primeiro dia, a disputa entre as 14 escolas promete ser bastante equilibrada. A apuração acontece na terça-feira (13/2).
O encerramento do Grupo Especial teve sete escolas passando pelo Anhembi. A Gaviões da Fiel levantou a torcida com sua viagem ao infinito. O retorno da Vai-Vai neste sábado (10/2) à elite do carnaval paulistano foi marcado pela crítica social. Também houve espaço para a Tom Maior, com carros e fantasias luxuosos, além da Águia de Ouro, também brilhante no Carnaval deste ano. A Acadêmicos do Tucuruvi encerrou os desfiles como uma aula sobre religiosidade.
Ao longo dos dois dias, não houve registro de problemas técnicos. Nenhuma agremiação estourou o limite de tempo para concluir a apresentação.
Vai-Vai
O retorno da Vai-Vai ao Grupo Especial conseguiu escrever um manifesto de luta e resistência durante a apresentação no Anhembi — foi papo reto. A começar pelo título do enredo, que citou música dos Racionais MC’s (“Capítulo 4, Versículo”) — Mano Brown esteve presente e participou da abertura do desfile. A letra do rap fala da exclusão do povo negro, alvo de violência policial e sem oportunidades.
No aspecto musical, houve intervenções com DJ em meio ao samba. A comissão de frente trouxe o Largo do São Bento, berço do hip hop em solo paulistano. Teve as portas do metrô se abrindo e, de lá, saindo componentes para dançar break e black music. Em primeiro plano, uma representação de Exu em uma moto. Pichações e grafite também estiveram presentes ao longo de toda a apresentação.
A escola do Bixiga também opôs a cultura popular, da qual a agremiação é um expoente, ao movimento modernista, forjado pela elite no Theatro Municipal em 1922. Trouxe ainda a estátua de Borba Gato toda grafitada e queimando. A representação do bandeirante já foi alvo de protestos e até incendiada. Seja na dança, religiosidade ou na força das fantasias, a escola fundada em 1930, com 15 títulos na história, fez uma apresentação contundente.
Tom Maior
A Tom Maior caprichou nas alegorias, gigantescas e de acabamento primoroso, para contar uma estória de amor (“Aysú”), retratando os desejos e sofrimentos no romance entre Abaeté e Anahí — uma versão indígena de uma representação clássica de Orfeu e Eurídice, com os desencontros entre sol e lua, que nunca se encontram. Também não faltou fantasia luxuosa ao longo de todas as alas.
O abre-alas de 70 metros de comprimento da Tom Maior foi o grande destaque. Animais de todos os tipos foram animados por técnicas de robótica que causaram grande impacto no sambódromo. Apesar do intenso uso da tecnologia, algo simples chamou bastante a atenção: indígenas remaram em canoas na lateral da alegoria, compondo a representação da terra perfeita, o paraíso.
A bateria também fez bonito. Prometeu e cumpriu ao fazer uma coreografia, como em bailado, em frente à arquibancada monumental do Anhembi. Também usou e abusou das mudanças de ritmo ao longo do desfile.
Mocidade Alegre
A Mocidade Alegre passou pelo Anhembi com a certeza de que tem todas as credenciais para manter o título com sua “Brasiléia Desvairada”. Defendeu a taça conquistada no ano passado com alas muito bem coreografadas, samba gostoso e fácil de acompanhar, e bateria “Ritmo Puro” competente como sempre. Tudo para contar a viagem do modernista Mário de Andrade e seu registro da diversidade cultural brasileira, prato cheio para o carnavalesco Jorge Silveira.
Baianas em pedra sabão, acinzentadas, quebraram a policromia da apresentação e, por isso mesmo, se destacaram com extremo requinte. Elas estiveram inseridas no trecho que contou a passagem de Mario de Andrade por Minas Gerais. A Mocidade “rodou o Brasil”, como disse a letra do samba, e ao voltar a São Paulo fez batuque de qualidade impecável.
Pascoal da Conceição atua como Mário de Andrade há 30 anos e, nesta madrugada, interpretou o modernista na comissão de frente da Mocidade. No fim, contou estar emocionado, também ter aprendido ainda mais sobre o personagem. “Ele é uma espécie de servidor da cultura brasileira”, disse. “Aprendo toda vez. É tão emocionante”, afirmou.
Gaviões da Fiel
A arquibancada embarcou na viagem ao infinito proposta pela Gaviões da Fiel, isso antes mesmo de a escola começar o desfile. Jogando em casa, a torcida do Corinthians pode se sentir à vontade para fazer a festa. E um detalhe criou uma camada sonora digna de ficção científica, dando base à apresentação. O teclado com efeitos especiais se misturou à bateria “Ritimão”, casando com o enredo perfeitamente.
A comissão de frente futurista conduziu a escola pelo sambódromo. Uma nave espacial serviu de base a arlequins e colombinas espelhados, que brilharam em frente à torcida, refletindo as luzes do Anhembi. Pendurados em cabos, eles se lançavam no espaço. Quando na pista, executavam a coreografia à perfeição.
A escola não desconsiderou a ambição desmedida do ser humano, que “pode por tudo a perder”, e deixou o planeta nas mãos da Mãe Terra em uma das alegorias bem trabalhadas. Depois de inúmeros exemplos que desfilaram pelo Anhembi, o que mais poderia ser infinito para um gavião? O amor pelo Corinthians, representado no último carro. Ele fechou a apresentação, que foi digna de levantar a arquibancada e do enredo inspirado no primeiro título da agremiação, em 1995.
Águia de Ouro
Carros alegóricos grandiosos, muitas cores e um brilho reluzente nas fantasias serviram para fazer a Águia de Ouro desfilar nas ondas do rádio. Foi assim que a escola da Pompeia contou a história do meio de comunicação de massa que atravessa as décadas no coração da povo. Jogos de futebol, programas religiosos e notícias da guerra estiveram representados.
Um dos carros trouxe o teatro municipal do Rio de Janeiro, com casais dançando em um baile de gala. Foi um dos pontos altos do desfile, tanto pelo luxo quanto pelas coreografias. Não faltou nem violino para embalar a festa. Em outro carro, Nossa Senhora Aparecida esteve representada dentro da alegoria, para onde foram direcionadas as preces dos ouvintes.
Padre Landell de Moura, que fez os primeiros experimentos com o rádio no Brasil, também esteve presente. No Anhembi, ele virou a fantasia dos ritmistas da escola, todos com batinas azuis e detalhes em dourado. O público ficou sintonizado na apresentação.
Império de Casa Verde
A cantora Fafá de Belém foi homenageada pela Império de Casa Verde. A escola aproveitou para fazer um desfile grandioso ao discorrer sobre tradições, festejos, lendas e religiosidade do Pará. Teve boto, os bois, carimbó e tudo que permeia a cultura paraense.
A Império é conhecida pelo gigantismo de seus carros alegóricos e não foi diferente neste ano, com apresentação impecável. Feições de Fafá estavam presentes em todas as alegorias. Logo no abre-alas, o tradicional tigre puxou três chassis. Mariana, filha da cantora, veio como Nossa Senhora numa berlinda sobre as costas do felino. As netas vieram mais abaixo.
Além do luxo das fantasias e da grandiosidade das alegorias, o samba caiu no gosto do povo e deu segurança para a bateria fazer diversas paradinhas durante a passagem pelo sambódromo. O grito “ê, emoriô” ecoou forte pela pista. E Fafá veio ao final, com sorriso e emoção do tamanho do desfile. “Falaram da gente, olhando nos nossos olhos. A nossa religiosidade, a nossa festa, que nos faz feliz”, afirmou a cantora. “[Sou] Essa cabocla com traço marajoara na cara, porque é isso que a gente é”, disse.
Acadêmicos do Tucuruvi
A Acadêmicos do Tucuruvi apresentou um enredo marcado por forte religiosidade africana ao abordar o Ifá. Foi também um chamado ao respeito da ancestralidade, em meio a casos de intolerância. A escola entrou na avenida já ao amanhecer de tempo firme na capital paulista, com sol raiando ao fundo.
Segundo as tradições, o Ifá é o conhecimento que permite obter direcionamento na vida, no destino de cada um. A apresentação teve um caráter de manifestação religiosa, seja na evolução dos integrantes ou nos detalhes das fantasias, repletas de búzios. A bateria trouxe atabaques à frente, reforçando os elementos africanos.
A própria coreografia foi desenhada após estudo e consulta ao Ifá, por meio de conversas com pai Maurício e autorização religiosa obtida na Nigéria. No próprio semblante dos integrantes, era possível notar as expressões respeitosas de cada um. Foi uma apresentação intimista, que contrastou com que as escolas que passaram anteriormente.