“Cantor do PCC” matou agente penitenciário a mando da facção, diz MPSP
Em denúncia de 2012, MPSP detalhou envolvimento de 175 supostos membros do PCC; documento não foi analisado pelo STJ ao manter liberdade
atualizado
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São Paulo – O ex-diretor da escola de Samba Gaviões da Fiel Elvis Riola de Andrade, mantido em liberdade pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é acusado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), em um outro processo, de ter relações com a alta cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC).
De acordo com a denúncia, Cantor, como é conhecido, teria executado o agente penitenciário Denilson Dantas Jerônimo a mando dos líderes da facção. O MPSP o associa ainda ao tráfico de 700 kg de maconha apreendidos pela polícia.
As informações constam em uma denúncia apresentada pelo MPSP contra 175 supostos integrantes do PCC em 2012. No documento, os promotores detalham o funcionamento da organização e a prática de crimes como tráfico de drogas e atentados contra agentes públicos. A acusação envolve toda a cúpula da facção, incluindo Marco William Herbas Camacho, o Marcola.
Apesar de trazer mais detalhes sobre o envolvimento de Cantor com o PCC e mais provas sobre sua autoria no caso do homicídio do agente penitenciário, a denúncia do MPSP não foi objeto do julgamento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça na última terça-feira (5/3).
A acusação de que Elvis teria sido o responsável por executar o agente penitenciário consta no depoimento do ex-integrante do PCC Orlando Mota Júnior, conhecido como “Macarrão”. Macarrão foi ouvido como testemunha protegida em outra investigação, que resultou na denúncia por homicídio contra Elvis. Ele acabou sendo descoberto pela cúpula da facção. Como represália, sua esposa teria sido assassinada a mando dos líderes, diz o MPSP.
De acordo com Macarrão, a execução de Denilson Dantas Jerônimo teria sido uma “missão” dada pela cúpula do PCC a Cantor.
Conversas telefônicas citadas no inquérito indicam que, após a delação que apontou o envolvimento dele no crime, a cúpula da facção, incluindo seu líder supremo, Marcos William Herbas Camacho, o “Marcola”, demonstrou preocupação e garantiu que Cantor não precisaria se preocupar com advogado.
Na ação penal pela qual foi acusado pelo homicídio do agente, Elvis confessou o crime e foi condenado.
Conversas telefônicas
Em conversas telefônicas interceptadas em junho de 2010, líderes do PCC demonstram preocupação com as revelações de Macarrão ao MPSP. No dia 6 daquele mês, Edilson Borges Nogueira, o Birosca, diz a Fabiano Alves de Sousa, o Paca, que seria necessário informar ao “Dr. da Música” sobre a delação. Para os promotores, “Dr. da Música” seria uma referência ao advogado de Cantor.
“Precisar pôr a Vaca (pode ser a advogada Lucy de Lima) em contato com o Dr. da música (advogado do Cantor), para dar uma olhada… Isso daí preocupa”, afirma Birosca, de acordo com a interpretação do MPSP.
Paca responde: “O barato é muito louco… Filha da puta! Se não tomar uma atitude para servir de exemplo, uma atitude daquele jeito (matar Macarrão), o bagulho fica fácil mesmo”.
Marcola preocupado
Em 15 de junho de 2010, em conversa com Birosca, Roberto Soriano, o Soriano, afirma que “Quarenta” estaria “decepcionado” com a atitude de Macarrão. O vulgo “Quarenta” seria uma referência ao líder supremo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O trecho da conversa telefônica não foi reproduzido textualmente pelo MPSP na denúncia.
De acordo com os promotores, na conversa, Soriano e Birosca demonstram preocupação com a possibilidade de serem transferidos pelo Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), modelo de maior restrição do sistema penitenciário paulista.
PCC paga advogado
Em 26 de junho de 2010, Paca diz, em conversa com Soriano, que a mulher de Cantor teria repassado a ele na cadeia o recado de que o PCC seria responsável por sua defesa. Os líderes da facção se mostram dispostos a pagar até R$ 500 mil na contratação de um advogado.
“Ela (mulher de Cantor) foi lá ver ele e falou que quem vai trabalhar para ele é aquela pessoa (advogado) daquele velho daquela clínica de reprodução, que estuprou um monte de mulher, então é o (advogado) dele. Aí falou pra ela que pode ficar tranquilo nesse sentido, que é pá lá, que depois só passa a despesa”, afirma Paca.
“É isso mesmo, mas ali é coisa de quinhentão (500 mil reais)”, diz Soriano.
700 kg de maconha
Em um dos capítulos da denúncia, também são mencionadas interceptações telefônicas que, segundo o MPSP, ligam o Cantor a 727 kg de maconha e 2,9 kg de cocaína apreendidos pela polícia em uma oficina mecânica na zona norte de São Paulo. Em um dos áudios, um investigado menciona que o Bob, apelido para maconha, que chegou do “Música”, outro apelido dado a Elvis pela facção, está guardado em um cofre.
Na gravação, Gegê do Mangue, uma das lideranças do PCC, que foi solto pela Justiça em 2018 e acabou assassinado, afirma que são “700 para a família”. Em outra interceptação, a própria irmã de Elvis foi flagrada conversando com um dos investigados sobre a remessa de maconha.
Julgamento no STJ
O julgamento da Quinta Turma do STJ que manteve Cantor em liberdade na última terça-feira (5/3) analisou um habeas corpus concedido pela ministra Daniela Teixeira em dezembro do ano passado.
O mandado de prisão que recaía sobre ele estava relacionado à ação penal pela qual já respondia, desde 2009, por causa da morte do agente. Nesse processo, ele ficou mais de uma década preso preventivamente enquanto respondia pela ação, e alegou inocência.
Ao fim do processo, confessou o crime e apontou até mandantes do assassinato do agente penitenciário. A informação consta em pedidos de sua própria defesa aos quais o Metrópoles obteve acesso. Os detalhes do depoimento estão em processo físico não obtido pela reportagem.
No júri, foi condenado a 15 anos de prisão, em regime inicial semiaberto, com direito a responder em liberdade. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aumentou a pena para 16 anos, o cumprimento para o regime fechado e restabeleceu a prisão preventiva.
Foi contra essa decisão que a defesa de Cantor apelou e teve seu pedido acolhido pela ministra Daniella Teixeira, que foi endossada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nessa terça-feira (5/3).
“Imprensa não tem lugar no processo”
No julgamento dessa terça-feira (5/3), a ministra Daniela Teixeira afirmou que, no processo em análise, estava sendo analisada apenas a participação de Cantor no homicídio do agente penitenciário, não importando sua eventual relação com a facção.
“O que me norteia é julgar com o que existe nos autos. A palavra da defesa, para esta magistrada, tem o mesmo peso da acusação. Com todo o respeito à imprensa, não tem lugar no processo judicial. O que saiu na imprensa sobre esse paciente eu não posso considerar. Nesse processo em julgamento, não tem a palavra ‘tráfico’, a palavra ‘organização criminosa’”, disse ela.
Prisão na Bolívia
Menos de um mês depois da liminar concedida por Daniela Teixeira, Cantor foi preso pela polícia boliviana em Santa Cruz de La Sierra em 11 de janeiro. Ele, no entanto, acabou sendo colocado em liberdade no dia seguinte, porque não havia mandado de prisão contra ele.
A ministra afirma que, se o réu cometeu algum crime na Bolívia, o Ministério Público deveria dar início a um novo processo.
“O que é trazido, já em pedido de reconsideração, é que o paciente teria fugido para a Bolívia. Aí é trazido aqui uma documentação da Bolívia, sem tradução, em espanhol, onde ele teria sido detido. É uma documentação que eu não posso sequer examinar, porque não foi submetida ao contraditório. Se ele cometeu algum ilícito na Bolívia, é na Bolívia que ele deve prestar contas. O Ministério Público, com a máxima vênia, deve iniciar um novo processo”, disse.
Lei das Organizações criminosas
Um integrante do MP com atuação especializada no combate ao crime organizado disse ao Metrópoles em reservado que, devido à inexistência da Lei das Organizações Criminosas na época da denúncia que apontou 175 supostos integrantes do PCC, Cantor e outros citados no documentos foram acusados de formação de quadrilha ou bando.
Com a tipificação mais branda, muitas das prisões preventivas decretadas na época foram revogadas, diz o procurador.