“Câmera corporal não é solução milagrosa”, diz CEO de fornecedor da PM
Em entrevista ao Metrópoles, Rick Smith, CEO da Axon Enterprise, afirma que câmera corporal ajuda o trabalho das polícias
atualizado
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São Paulo – Rick Smith, de 53 anos, decidiu abrir na garagem de casa, no Arizona, Estados Unidos, uma empresa de tecnologia para segurança pública após enterrar dois amigos que haviam sido mortos a tiros. O ano era 1993. A missão: “proteger vidas”.
Três décadas depois, a Axon Entreprise virou uma gigante do setor. A empresa de Rick Smith ganhou fama por desenvolver armas de eletrochoque, passou a apostar em câmeras corporais e, desde 2020, é a responsável por fornecer os equipamentos instalados no uniforme de policiais militares de São Paulo.
Em entrevista ao Metrópoles, concedida por e-mail, o CEO e fundador da Axon defende que as câmeras auxiliam o trabalho das polícias e explica como funciona o sistema usado pela PM paulista. Esta foi a primeira vez que ele fala com a imprensa brasileira.
“As câmeras corporais não são uma solução milagrosa”, afirma Rick Smith. “Elas ajudam a fornecer uma observação neutra e independente dos eventos no campo para auxiliar na documentação dos fatos e da verdade”.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Rick Smith ao Metrópoles.
Qual é a visão da Axon em relação ao Brasil e, especificamente, em relação a São Paulo?
O Brasil é um mercado importante para a Axon. Atualmente, nossos produtos são utilizados por mais de 15 instituições de segurança pública de diversas regiões do país. Temos trabalhado para expandir nossa presença e fornecer às autoridades brasileiras as opções mais avançadas no mercado de tecnologia para segurança pública.
O Brasil é um país marcado por desigualdades profundas e responde por índices de violência, em especial de homicídios, reconhecidamente entre os mais altos do mundo. Os problemas de segurança pública, muitos deles intimamente ligados a questões sociais, são complexos. Nesse contexto, como o uso da tecnologia pode contribuir efetivamente para proteger as pessoas?
A inovação tecnológica não pode resolver todos os problemas, mas desempenha um papel fundamental. A tecnologia da Axon está proporcionando mais transparência e responsabilidade às comunidades do que nunca. O papel da câmera corporal vai muito além de capturar imagens. Foi comprovado que ela ajuda a estabelecer confiança e garante que o público seja tratado de maneira justa e equitativa. As filmagens gravadas e capturadas nas câmeras corporais são frequentemente usadas para revisar ações em situações complexas. O público exige essa transparência em um mundo altamente complexo, e a segurança pública também apoia igualmente a tecnologia. As câmeras corporais proporcionam uma visão de situações que impulsionaram movimentos sociais ao longo da última década.
O senhor já declarou que a Axon, que atua em diferentes países, contribui para “tornar a bala obsoleta”. Como é possível transpor essa visão, na prática, para a realidade brasileira?
Embora as câmeras corporais não sejam uma solução milagrosa e não possam substituir boas políticas, treinamento e esforços de policiamento comunitário, elas desempenham um papel crucial no futuro da polícia. A maioria dos estudos mostrou que elas têm um efeito positivo na desescalada de situações, na redução do uso da força e no fortalecimento da confiança pública.
No Brasil, o debate sobre o uso de tecnologia em ações de prevenção e controle da letalidade policial tem sido contaminado por visões políticas. Como convencer as pessoas de que se trata de uma questão de segurança pública e não de preferência partidária?
Acreditamos que as câmeras corporais se tornaram uma parte aceita e crucial do policiamento moderno. Existem vários estudos que reforçam o valor das câmeras corporais. Em março de 2021, dados da Universidade de Chicago mostraram que os benefícios para a sociedade são cerca de cinco vezes maiores do que os custos das câmeras, sendo o principal deles a redução no uso da força. Outro estudo da Universidade Queen’s, no Canadá, concluiu que, quando o público é exposto a imagens positivas de câmeras corporais, há aumentos significativos de confiança na polícia e mais disposição para cooperar com as autoridades policiais. Isso indica que a continuidade da transparência das imagens, tanto positivas quanto negativas, pode apoiar a confiança entre a polícia e o público.
Quais experiências internacionais podem servir de inspiração para o Brasil?
Temos observado sucesso com as câmeras corporais em diversos países, incluindo a Suécia, que foi a primeira força policial nacional europeia a adotar câmeras corporais em 2019 após um período de teste de 18 meses; as Maldivas, que também utilizam o Axon Respond para permitir aos supervisores acesso à transmissão ao vivo para uma maior consciência situacional; e Gujarat, que realizou a maior implantação de câmeras corporais na Índia, com mais de 10.000 unidades. A razão para aderir à Rede Axon é unânime, esses países desejam equipar seus policiais com a mais recente tecnologia policial para aprimorar seus programas de segurança pública e aumentar a segurança dos oficiais e da comunidade.
Em São Paulo, especialistas avaliam que a instalação de câmeras nas fardas de policiais militares contribuiu para redução de 40% da letalidade em 2022. Em 2023, no entanto, os números oficiais já mostram uma tendência inversa, com aumento de 26% dos casos. Por que as mortes estão subindo mesmo com as câmeras?
Conforme mencionado anteriormente, as câmeras corporais não são uma solução milagrosa. Elas ajudam a fornecer uma observação neutra e independente dos eventos no campo para auxiliar na documentação dos fatos e da verdade, o que contribui para a segurança tanto da comunidade quanto dos policiais.
São Paulo tem pouco mais de 10 mil câmeras contratadas para um efetivo de cerca de 90 mil pessoas na Polícia Militar. Essa proporção de câmeras em relação ao tamanho da tropa é adequada?
Não podemos comentar sobre o contrato de um cliente. Sugerimos que você entre em contato com a Polícia Militar para obter um posicionamento.
Recentemente, São Paulo deflagrou uma grande ação policial, a Operação Escudo, em resposta ao assassinato de um PM, que resultou em pelo menos 18 mortes de civis. Dessas, só sete ocorrências tiveram as ações policiais registradas pelas câmeras. Como o senhor analisa esse panorama?
Qualquer perda de vida é uma tragédia, mas não podemos comentar sobre essa situação.
Qual é a autonomia das câmeras usadas pela PM de SP? Existe alguma limitação técnica para a ampliação dessa autonomia?
As câmeras corporais Axon são projetadas para durar um turno completo de 10 a 12 horas.
Eventuais instabilidades ou insuficiências das redes de telefonia e internet podem afetar o funcionamento das câmeras? Como a Axon garante as imagens se o policial estiver em um local sem conexão?
Todas as evidências digitais são gravadas no dispositivo da câmera e podem ser salvas para uso posterior. As câmeras Axon Body 3 e 4 são capazes de transmitir ao vivo no campo por meio do Axon Respond, mas isso requer conectividade.
O policial em campo pode interromper a gravação? Em situações de interesse público, como confrontos, o fator humano é preponderante para a existência das imagens?
Cabe a cada órgão determinar a política sobre quando as câmeras corporais devem estar gravando.
O policial precisa ser treinado para o uso correto das câmeras corporais?
A Axon garante que nossos clientes recebam treinamento sobre os aspectos técnicos de todos os nossos produtos, incluindo as câmeras corporais. Também oferecemos treinamento adicional por meio da Axon Academy, que disponibiliza uma biblioteca de conteúdo de e-learning suplementar e materiais de treinamento projetados para fortalecer as habilidades.
Como se dá o sistema de armazenamento de imagens das câmeras? E na hipótese de não haver conexão com a internet?
No caso de não haver conexão com a internet, as evidências digitais podem ser transferidas manualmente usando um cabo USB.
Quais as situações mais comuns que impediriam, em tese, a gravação de supostos confrontos?
Embora não possamos especular aqui, nós utilizamos tecnologia para garantir que momentos importantes sejam registrados. Por exemplo, a Tecnologia de Sinal ajuda a garantir que as câmeras estejam sempre ligadas e gravando quando deveriam estar – caso a autoridade policial opte por utilizá-la. A tecnologia ativa automaticamente a câmera sem a necessidade de usar as mãos com base em uma série de entradas configuráveis, como ativação de sinalização luminosa, abertura de porta de veículo policial, arma de choque sendo armada ou uma arma de fogo sendo retirada de seu coldre.
Como o senhor enxerga o futuro do monitoramento por câmeras corporais?
Nós percorremos um longo caminho nos 30 anos desde a fundação da Axon. Nossas inovações, como as armas de energia TASER, as câmeras corporais e o software de gerenciamento de evidências digitais, tornaram-se mainstream nos Estados Unidos. Mas não podemos — e não iremos — parar por aí. Em nossa essência, acreditamos que criar e aproveitar novas tecnologias pode nos ajudar a dar saltos gigantes rumo ao futuro. O futuro das câmeras corporais promete ir além de simplesmente capturar evidências para encontrar novas soluções que mantenham os policiais conectados e as comunidades seguras e apoiadas.