Brasileira que seria repatriada volta ao sul do Líbano: “Muito triste”
Jane Cheaito estava inscrita para o 13º voo de repatriação, que chegou em SP nesta 4ª (27/11). Com o cessar-fogo, ela voltou ao sul do país
atualizado
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São Paulo — Enquanto o 13º voo de repatriação de brasileiros vindos do Líbano, em operação da Força Aérea Brasileira (FAB), pousava na manhã desta quarta-feira (27/11) na Base Aérea de São Paulo, em Guarulhos, na Grande São Paulo, a brasileira Jane Silva Cheaito, de 60 anos, vivia um cenário de indefinição da vida no Líbano.
Há mais de 12 anos no país, a capixaba chegou a se inscrever para o voo de repatriação que chegou às 3h35 desta quarta em São Paulo trazendo 150 resgatados e um pet, mas teve que desistir de última hora porque o médico de seu marido não o liberou para a viagem de mais de 15 horas de duração.
Após meses em conflito, o governo de Israel e o grupo libanês Hezbollah chegaram a um acordo de cessar-fogo nessa terça-feira (26/11). A trégua de 60 dias foi anunciada pelo primeiro-ministro isralense, Benjamin Netanyahu, durante um discurso televisivo, e teve início oficial nesta quarta.
Jane foi procurar abrigo na cidade cristã Jounieh, no norte do país, no mesmo dia do início dos ataques, em 23 de setembro. Porém, quando soube do cessar-fogo, ela e o marido voltaram nessa terça para Tiro, ao sul, onde moram e mantém um mercado de bairro — que foi destruído pelos ataques (veja acima).
“Eu cheguei tão triste. Minha cidade está acabada, está derrubada demais. Meu mercado, detonado. Ainda tem uma bomba escondida embaixo dos destroços, bem no fundo do mercado, que não estourou, mas fez um estrago”, contou Jane ao Metrópoles.
O apartamento de Jane, felizmente, só tem janelas, portas e um teto solar quebrados. Agora, ela e o marido estão limpando os cômodos e tentando restabelecer o fornecimento de água e energia à casa. “É muito triste você voltar para casa e encontrar desse jeito, é triste demais, mas graças a Deus eu tenho casa. O resto é sem explicação, está detonado.”
Início da guerra
Naquele 23 de setembro, em que Israel lançou um amplo ataque aéreo no sul e no leste do Líbano, além da capital Beirute, Jane acordou por volta de 6h da manhã em Tiro “debaixo de bombas”.
“Muita, muita bomba. O prédio onde eu morava tremia. O meu esposo tinha ido trabalhar e voltou rapidamente, porque viu que eu estava muito nervosa, eu chorava, eu estava desesperada”, afirmou a brasileira.
Era véspera do seu aniversário, mas Jane não tinha muito o que comemorar. Ela já tinha um mala preparada em casa para situações de emergência, e ela e o marido saíram de carro “debaixo de bombas mesmo”, assim como outros milhares. O destino foi rapidamente decidido com a ajuda de um sobrinho que visitava uma cidade cristã com frequência, Jounieh.
O trajeto de 120 quilômetros que normalmente duraria 2h20 de carro foi de 15 horas. Jane chegou por volta de 4h da manhã de 24 de setembro na cidade, e mal se lembrava do seu aniversário. “Já tinha esquecido. Era tanta bomba. Tanto medo. Quando eu cheguei aqui [Jounieh], parecia que eu estava no céu, no Brasil”, contou.
Assista:
Na cidade cristã, ela e seu marido se hospedaram em um hotel e de lá não saíram por mais de dois meses. Ainda que conseguissem ouvir barulhos de bombas ao longe, sentiam-se seguros. Ela sabia no entanto que a sua cidade, ao sul, estava completamente destruída. O ataque que atingiu o seu mercado foi na última sexta-feira (22/11), mesmo dia em que decidiu se inscrever no 13º voo de repatriação.
Quando soube do início da negociação do cessar-fogo na segunda-feira (25/11), Jane se emocionou. Chorando, ela havia contado à reportagem que, se acontecesse a trégua de 60 dias, ela iria voltar a Tiro — o que realmente aconteceu.
Veja a destruição em Tiro:
Por ora, com a trégua, ela escolheu ficar por lá. Mas se a guerra voltar, ela pretende voltar ao Brasil. O filho mais velho de Jane mora no Paraguai, e a filha faz faculdade em Foz do Iguaçu, no Paraná. Se voltasse ao país, ela poderia ir para esses lugares, ou ainda voltar para o Espírito Santo. Uma amiga americana em São Paulo também poderia lhe acolher.
“Todo dia a minha família me enche o saco, me perguntando ‘vai vir?’. Eu peço, por favor, me entenda, me compreenda. É difícil pra nós, não é simplesmente ‘sair’ assim. Nossa vida é aqui. Eu não posso de repente deixar tudo pra trás”, relata a brasileira. “Enquanto houver um pouquinho de fio de esperança, a gente está aguentando aqui ainda. Vamos aguentar.”
Repatriação
Estima-se que 20 mil brasileiros morem em território libanês. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) contabiliza cerca de 3 mil brasileiros (incluindo os já resgatados) que desejam deixar o país, em meio à escalada das operações militares das Forças Armadas de Israel.
A primeira leva de cidadãos brasileiros repatriados do Líbano chegou ao Brasil na manhã de 6 de outubro. Ao todo, desembarcaram 229 pessoas, incluindo 10 bebês de colo. Também havia três pets. O avião KC-30 da FAB pousou na Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, às 10h25, onde era aguardado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Logo após o desembarque, Lula fez um rápido discurso criticando o posicionamento de Israel de “matar inocentes, mulheres e crianças, sem nenhum respeito pela vida humana”. “O Brasil é um país generoso e não tem contencioso com nenhum país do mundo, porque a gente não deseja guerra. A guerra só destrói. O que constrói é a paz”, disse o presidente.
O segundo voo chegou a Guarulhos dois dias depois, em 8 de outubro, com 227 resgatados – incluindo 49 crianças (sete de colo) – e três pets a bordo. No dia 10, chegou o terceiro KC-30, com 218 resgatados e cinco pets.
O quarto voo da FAB que resgatou brasileiros do Líbano pousou às 7h11 de 12 de outubro na Base Aérea de São Paulo, em Guarulhos. O voo transportou 211 passageiros – entre eles, 12 crianças de colo.
O quinto voo trouxe 220 pessoas e dois pets ao Brasil, alcançando a marca de 1.104 repatriados. A aeronave pousou em Guarulhos em 14 de outubro.
Cinco dias depois, em 19 de outubro, o sexto voo da FAB pousou em São Paulo, com 212 passageiros, incluindo 14 crianças de colo e um gato a bordo. No dia 22, chegou o sétimo voo, com 82 passageiros e um pet a bordo do KC-390 Millennium.
O oitavo voo trouxe o maior número de brasileiros repatriados do Líbano em um só voo: 239 passageiros e 3 pets. A aeronave KC-30 pousou na Base Aérea de São Paulo, em Guarulhos, em 25 de outubro.
O nono voo chegou a São Paulo em 29 de outubro, com 221 repatriados e um pet a bordo.
O décimo voo trouxe 213 passageiros e quatro pets ao Brasil, alcançando a marca de 2.072 repatriados. A aeronave pousou em Guarulhos em 5 de novembro.
Com 237 passageiros e cinco pets a bordo, o décimo primeiro voo pousou em solo brasileiro em 14 de novembro, enquanto o décimo segundo chegou em 20 de novembro com 204 pessoas e quatro pets.