“Big Brother” da PM pode ter mais de 20 mil câmeras privadas em SP
Governo Tarcísio busca parceria com empresas que operam câmeras de segurança para condomínios para turbinar programa de megavigilância de SP
atualizado
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São Paulo — Em franca expansão na capital paulista, as câmeras instaladas por empresas de segurança e monitoramento em frente a prédios e casas na cidade devem ser incorporadas ao Muralha Paulista, programa de megavigilância do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) que vai funcionar como uma espécie de “Big Brother” da Polícia Militar (PM).
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) negocia com as empresas o compartilhamento, em tempo real, das imagens captadas por mais de 20 mil equipamentos privados que filmam a movimentação das pessoas e de veículos em ruas e calçadas de São Paulo, para incorporá-las ao sistema de reconhecimento facial que está sendo desenvolvido com o objetivo de prevenir crimes rastreando possíveis criminosos em meio à população.
O mercado de câmeras de monitoramento tem crescido vertiginosamente nos últimos anos em São Paulo, em meio à escalada da sensação de insegurança provocada por roubos a pedestres em frente a condomínios. As empresas apresentam os postes de vigilância, que estão dominando a paisagem da cidade, como um sistema de “segurança colaborativa”, com amplo campo de visão, repelindo a criminalidade.
A ideia do governo Tarcísio é se valer da estrutura de segurança privada já instalada na cidade para turbinar o programa Muralha Paulista, que está sendo estruturado com auxílio de uma empresa de defesa e vigilância dos Emirados Árabes Unidos, a Edge Group, dirigida no Brasil por um ex-secretário do Ministério da Defesa que atuou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A estimativa de pelo menos 20 mil câmeras que podem ser incorporadas ao sistema é a soma do número de equipamentos declarados pelas próprias empresas que estão sendo procuradas pelo governo. O Metrópoles mapeou 12 companhias que instalam câmeras em postes na frente de condomínios, entre as quais a Gabriel, Cosecurity, Polytel, White e Vektran.
A reportagem percorreu bairros do centro expandido da capital, como Vila Mariana, Consolação, Higienópolis, Perdizes, Vila Madalena e Pinheiros, e constatou que as ruas estão apinhadas com esses postes de vigilância. Metade das empresas concordou em fornecer os números de equipamentos que operam — não foi possível fazer contato com três empresas e outras três não responderam à reportagem.
As maiores empresas deste mercado confirmaram que abriram diálogo com o governo para compartilhar suas imagens, mas todas ainda tratam o tema como embrionário. “Já temos uma cooperação com o poder público no Rio de Janeiro, que é onde a empresa nasceu, e para nós termos cooperação em São Paulo não seria novidade”, diz Pedro Costa, diretor jurídico da Gabriel.
“Nos parece que ainda faltam informações sobre como vai funcionar. Então, não houve nenhum comunicado oficial. Houve conversas preliminares sobre questões técnicas, mas sem entrar em detalhes sobre como será a arquitetura”, afirma o diretor da empresa.
Câmeras em expansão
A instalação de postes particulares com câmeras teve início após a pandemia de Covid. Uma das primeiras empresas do ramo é a Cosecurity, braço de tecnologia de uma empresa de segurança condominial. “A vantagem de você ter câmeras viradas para a rua é que é como ter uma vigilância comunitária. A segurança particular até agora estava muito preocupada com a vigilância interna”, afirma Antonio José Cangiani, porta-voz da empresa.
Nos bairros visitados pela reportagem, é praticamente impossível caminhar por mais de 100 metros sem cruzar com um desses equipamentos. Embora os postes devessem ficar na área interna dos condomínios, há tanto equipamentos em recuos próximos aos muros e grades, quanto aqueles que estão deliberadamente em canteiros ou nas calçadas. Segundo a Prefeitura, não há uma regulamentação específica para a instalação deste mobiliário urbano.
Reforço público
Além de câmeras das próprias forças de segurança paulista, o governo Tarcísio pretende usar câmeras de órgãos como o Metrô e 20 mil câmeras da Prefeitura de São Paulo vem instalado nas ruas do centro expandido em um programa próprio, o Smart Sampa, que também conta com sistema de reconhecimento facial. Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), metade dos equipamentos está em operação.
Nessa quarta-feira (22/5), o prefeito da capital assinou um contrato para instalar a central de monitoramento provisório desse programa em um imóvel da Rua XV de Novembro. O plano é que o centro definitivo fique no antigo prédio dos Correios, no Vale do Anhangabaú, também na região central.
Privacidade e exclusão
Há uma semana, em uma reunião convocada pela Frente Parlamentar de Defesa do Centro com síndicos de prédios da região, oficiais da PM exibiram publicamente dados pessoais de cidadãos flagrados pelas câmeras do Muralha Paulista, para demonstrar a eficiência do sistema de reconhecimento facial.
Coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Rede de Observatórios da Segurança e de O Panóptico, o cientista social e político Pablo Nunes afirma que o monitoramento por câmeras realizado pelas empresas privadas fortalece a sensação de que certas áreas da cidade não são para todos, mesmo os locais públicos.
“Há um fortalecimento e aprofundamento dessa separação da cidade. Há também essa zona cinzenta em que empresas privadas fazem trabalho de segurança pública, mas que não são vistas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), por exemplo, como empresas que estão tratando dados pessoais”, diz Pablo Nunes.
O especialista diz se tratar de um tema bastante complexo do ponto de vista da regulação. “Também abre espaço para esse tipo de uso de tecnologia que vai alimentar grupos de vigilância, grupos de linchadores que se utilizam desse expediente para higienizar esses territórios, esses espaços da cidade que são tão vigiados por essas empresas”, completa.