Auditoria aponta R$ 74 mi em empréstimos suspeitos de banco paulista
Apuração da Desenvolve SP achou 178 operações de crédito suspeitas de fraude. Investigação averigua uso de laranjas e empresas de fachada
atualizado
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São Paulo – Uma auditoria interna da Desenvolve SP detectou ao menos 178 empréstimos com suspeitas de fraude feitos pelo banco de fomento do governo paulista a empresas que atuam no estado, com operações de crédito que somam R$ 74 milhões em valores liberados.
O Metrópoles obteve dados inéditos de investigação sigilosa que revela uma rede envolvendo suspeita de uso de laranjas, de empresas de fachada e de funcionários do banco que teriam fraudado financiamentos que causaram prejuízo milionário ao órgão estadual.
Segundo a investigação, as fraudes ocorreram entre os anos de 2021 e 2022, nos governos de João Doria e Rodrigo Garcia, que eram do PSDB e antecederam o governador Tarcísio de Freitas.
A Desenvolve SP é um banco de fomento vinculado ao governo de São Paulo e tem como objetivo financiar negócios, a juros baixos, com a intenção de desenvolver a economia paulista, gerando emprego e renda – atuação parecida com a do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do governo federal.
A auditoria interna foi feita por meio de amostragem, e o verdadeiro rombo pode ser maior.
Em outubro do ano passado, uma operação deflagrada pela Polícia Civil, com base na apuração interna do banco, resultou em demissões de funcionários suspeitos de envolvimento no esquema. A investigação na esfera criminal corre na 1ª Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas, no interior do estado.
O modus operandi do grupo envolvia empresas que só pagavam as primeiras parcelas do financiamento, de acordo com o que foi levantado. Quando o banco entrava com ações para tentar reaver os valores, não localizava as empresas, seus sócios ou os bens dos envolvidos, segundo o relatório policial.
“A previsão nos contratos da Desenvolve SP garantia uma carência extensa aos beneficiários, muitas vezes igual ou superior a 12 meses, tempo suficientemente hábil para que os valores recebidos fossem pulverizados em diversas outras contas e destinatários, caracterizando assim, a nosso ver, o crime de lavagem de dinheiro”, afirmou a polícia.
A apuração inicial dos auditores da Desenvolve SP, por sua vez, analisou 340 operações de crédito, classificando as suspeitas de fraude em três níveis: provável (82 casos), possível (96) e remoto (162). Quase R$ 43 milhões foram registrados como prováveis, enquanto R$ 31 milhões foram classificadas como possíveis, e R$ 40 milhões restantes apareceram com remota chance de fraude.
Investigação policial
A investigação policial que corre em Campinas centra o foco em empresas suspeitas de fraudes, sócios e laranjas. Cinco companhias figuravam como alvos iniciais, além de seus sócios e pessoas apontadas como testas de ferro no esquema.
A polícia avalia que pode haver ligação entre elas, devido à coincidência entre escritórios de contabilidade e de advocacia, valores de capital social iguais, registros apenas na Junta Comercial de Osasco, na Grande São Paulo, independentemente do endereço da empresa, e também a dificuldade de se localizar os sócios e as sedes.
Em um dos casos citados no inquérito, houve o aluguel de uma sala comercial que teria sido montada apenas como encenação para funcionários da Desenvolve SP.
Uma das empresas investigadas é a RWX Terraplanagem e Paisagismo Ltda., que a polícia afirma se tratar de uma firma de fachada, em nome de um suposto laranja chamado Raiwander Souza Botelho. Segundo apurado, entre as irregularidades no empréstimo de mais de R$ 800 mil, a empresa apresentou documentos falsos no pedido de financiamento à Desenvolve SP.
A reportagem ligou para o número que consta como sendo da sede da empresa, mas não localizou ninguém. O espaço segue aberto a manifestação.
Em outubro do ano passado, foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão em oito cidades, entre elas Campinas e Osasco, além do bloqueio de bens e contas bancárias dos investigados.
A reportagem descobriu também que, no âmbito administrativo, a Desenvolve SP teria investigado oito pessoas e quatro foram demitidas por causa das suspeitas. Entre as infrações encontradas, estariam o recebimento de presentes e também a relação com empresas fora dos protocolos do banco.
Intermediários
Enquanto a polícia mira as empresas, a auditoria da Desenvolve SP também cita a atuação de procuradores que cobrariam taxas supostamente abusivas para intermediar os contratos – no cotidiano, esses profissionais são conhecidos como “pastinhas”.
A apuração interna do banco destacou a atuação de um procurador chamado Roberto da Cunha Vieira Filho, cuja carteira de clientes teria um alto índice de endividamentos.
Das 340 operações de crédito analisadas, 103 foram vinculadas a ele, sendo que 39 foram classificadas como risco provável e 35 como possível. “O saldo devedor atual destas operações de crédito soma a quantia de R$ 37.156.929,06”, diz a auditoria.
O banco paulista afirmou que a carteira de representados por Vieira Filho tem um nível inaceitável de inadimplência.
“Se fôssemos considerar o requerente como um banco, um índice de atrasos de quase 76% da sua carteira se demonstraria inaceitável até mesmo para o Banco Central, que adotaria alguma medida interventiva frente àquele banco, com vistas a mitigar a situação dos atrasos”, afirmou o órgão, em resposta à queixa do procurador à Justiça.
Para padrão de comparação, o órgão ainda citou que o maior nível de inadimplência que o mercado experimentou foi em 2016, quando chegou a 3,44%.
Vieira Filho afirma não constar sequer como investigado na apuração policial sobre o caso e acionou o banco judicialmente alegando, entre outras coisas, danos morais.
Essa demanda foi julgada improcedente e a sentença afirma que ele encaminhava “documentação inconsistente à ré, que parte dessa documentação estava eivada de vícios de falsidade [independentemente da discussão sobre a contribuição do requerente para essas falsificações], que o requerente não se absteve de impedir operações fadadas ao inadimplemento por seus clientes e que deixou de cumprir seus deveres de atuação diligente frente à requerida”.
Vieira Filho justificou ao Metrópoles o índice de inadimplência das empresas por terem pegado capital de giro durante a pandemia de Covid-19. Além disso, afirmou que todas elas tinham contrato social na Junta Comercial e eram checadas na Serasa.
À Justiça, em ação contra a Desenvolve SP, a defesa dele ainda afirmou que ele presta serviço há 40 anos e que é “absurdo” a Desenvolve SP exigir dele um “padrão de diligência superior ao que exige de si própria, quando concedeu financiamentos a empresas que agora diz serem fantasmas”. Também negou o suposto abuso nas taxas.
O que diz a Desenvolve SP
A Desenvolve SP não deu informações sobre o caso, alegando que a investigação é sigilosa. O banco afirmou que “os casos relacionados à suspeita de fraude estão sendo investigados pela Polícia Civil, que é a autoridade competente para identificar os responsáveis e delimitar a extensão dos danos causados à Desenvolve SP”.
“Já com relação à auditoria, informamos que os relatórios são confidenciais e protegidos por sigilo estratégico”, afirmou o órgão, acrescentando que “é uma instituição financeira, sujeita às normas do Banco Central do Brasil, que preza pelo dever de sigilo bancário, pela proteção de dados pessoais e que cumpre todos os requisitos previstos na legislação”.