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Atrasos, batidas e bilhões: como o monotrilho virou o “mico” de SP

Anunciado em 2009 como uma solução rápida, moderna e mais barata para o transporte paulistano, o monotrilho coleciona problemas

atualizado

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Governo do Estado de São Paulo
Monotrilho da Linha 15
1 de 1 Monotrilho da Linha 15 - Foto: Governo do Estado de São Paulo

São Paulo – No ano 2009, enquanto o Brasil começava a se preparar para sediar a Copa do Mundo de 2014, São Paulo, candidata a receber os principais jogos do torneio, apresentava uma “solução” que seria mais rápida, moderna e barata para os históricos congestionamentos que travavam a maior cidade do país: o monotrilho.

O projeto anunciado era de um trem elétrico, controlado por computador, que circularia em vias elevadas, transportando mais passageiros do que os ônibus e desafogando o trânsito paulistano. Com ele, São Paulo iria acelerar a expansão da rede metroferroviária para bairros mais afastados das zonas sul e leste da capital.

Dizia-se que o quilômetro do monotrilho custaria, em valores da época, até R$ 95 milhões, ante R$ 380 milhões do quilômetro de metrô, e que a obra demoraria metade do tempo de uma linha convencional para ficar pronta. Era o passaporte de São Paulo para a modernidade.

Passados 14 anos, outra realidade se impôs. O monotrilho é sinônimo de obras atrasadas, gastos exorbitantes e acidentes que colocam pessoas em risco. Virou um “mico” para São Paulo. De seis linhas que foram prometidas à cidade, apenas duas resultaram em obras. E só uma está em funcionamento, de forma parcial.

Acidentes em série

Só na última semana, ocorreram dois acidentes que, de acordo com as promessas políticas, jamais poderiam acontecer. Na terça e na quarta-feira (7 e 8/3), antes de a operação comercial da Linha 15-Prata começar, trens colidiram (houve uma batida na quarta e outra na quinta), po sorte sem deixar feridos.

Deveria ser impossível ocorrer batidas, graças ao sistema de controle chamado CBTC (Controle de Trens Baseado em Comunicação, na sigla em inglês), movido sem ação humana.

O Metrô ainda não informou quais foram as causas para as colisões desta semana. Mas esse caso tido como pontual é apenas um de uma lista ampla de problemas que expuseram a população a riscos:

  • Janeiro/2023: Uma trinca no trilho de concreto paralisou a circulação de trens durante uma tarde.
  • Setembro/2022: Uma placa de um dos trens caiu na Avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello.
  • Fevereiro/2020: Um pedaço de um pneu (os trens rodam sobre pneus) caiu na rua.
  • Janeiro/2019: Ocorreu a primeira batida entre dois trens, também antes do início da operação comercial. Uma peça caiu na rua.

Operação parcial

A Linha 15-Prata, única da cidade em operação, deveria sair da Vila Prudente, no começo da zona leste, e ir até o mais distante dos bairros da capital, a Cidade Tiradentes. Seriam 52 trens operando em sistema de carrossel, percorrendo uma distância de 23,8 km, com 17 estações, em 50 minutos.

A linha hoje tem apenas 11 estações e já custou R$ 5,2 bilhões. O governo planeja mais duas estações, que devem consumir ao menos mais R$ 1,8 bilhão.

Parte dos motivos de a linha não ir hoje até Cidade Tiradentes é porque o plano original contava com desapropriações que a Prefeitura teria de fazer. O sucessor de Gilberto Kassab,  Fernando Haddad (PT), não arcou com esses custos. Mas parte se deve também ao subdimensionamento do valor da obra, que se mostrou muito maior do que o custo previsto no início.

Linha 17

Mas é a Linha 17-Ouro, na zona sul, que concentra mais problemas. Essa seria a linha da Copa do Mundo. Ligaria o Aeroporto de Congonhas à estação Jabaquara do Metrô, em uma ponta, e ao Morumbi, na outra, onde fica o estádio do São Paulo, candidato a sediar os jogos na época. O percurso total seria de 21,5 km, com um custo, em valores corrigidos pela inflação, de R$ 6,5 bilhões.

A construtora Andrade Gutierrez, escolhida por licitação para a obra, deixou o projeto em 2015, um ano após a promessa de entrega do projeto, já no governo do atual vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), com menos de 30% das obras concluídas e com uma de troca de acusações entre a empresa e o Metrô.

Olha da Linha 17-Ouro
Esqueleto de concreto da Linha 17-Ouro do Metrö

A empresa questionava a qualidade dos projetos, tidos como inexequíveis. O governo apontava atrasos da empresa na conclusão das ordens de serviço. Com a operação Lava Jato em andamento, a capacidade da empresa de manter a empreitada se esgotou.

Naquela época, a linha já havia sido reduzida para um traçado até a Marginal Pinheiros, metade do trajeto original. Hoje, o projeto é de um ramal de apenas 6,7 km, que, segundo levantamento feito pelo Metrópoles, já consumiu R$ 4,04 bilhões, em valores atualizados.

De acordo com dados do Metrô, apenas 61% das obras civis desse traçado editado estão concluídos – a Coesa, antiga OAS, empresa que executa o projeto, passa por um processo de desligamento, conduzido pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), o que deve causar nova paralisação, em meio ao mesmo tipo de troca de acusações de oito anos atrás.

Histórico de atrasos

Em 2009, o monotrilho era um projeto conjunto da Prefeitura de São Paulo, comandada pelo agora secretário estadual de Governo, Gilberto Kassab (PSD), com o governo do estado. O secretário de Transportes era o agora ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O governador que bancou o plano do monotrilho era o tucano José Serra.

As empresas do ramo exerciam grande influência sobre os políticos da época. Kassab, por exemplo, chegou a conhecer um sistema em funcionamento no Japão, a convite da fabricante Hitachi. A canadense Bombardier tinha profissionais de relações públicas defendendo a proposta para jornalistas e acadêmicos que desconfiavam de tantas vantagens do monotrilho.

A cidade teve seis projetos em andamento, simultaneamente. As Linhas 15-Prata e 17-Ouro estavam com minutas de um edital de licitação circulando e o governo faria ainda a Linha 16-Bronze, que chegaria ao ABC, enquanto a Prefeitura teria ramais na Vila Sônia (zona oeste), na Avenida Celso Garcia (na zona leste), e no M’Boi Mirim.

Conforme os técnicos iam se debruçando sobre detalhes dos projetos, porém, os ramais foram sendo descartados. No fim, Kassab repassou R$ 1 bilhão para o governo estadual executar a Linha 15, e o governo federal usou recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Linha 17, por causa da sua importância para a Copa do Mundo.

Primeira proposta

A “solução” do monotrilho apresentada em 2009 parecia original, mas não foi a primeira. Em 1958, a empresa americana Monorail Inc., que tentava emplacar o modelo pelo mundo, levou o engenheiro-chefe do sistema de Transportes Urbanos de São Paulo à época para conhecer o sistema no estado do Texas.

O “vendedor” do projeto americano era um ex-coronel do Exército chamado Sidney Bingham, herói da II Guerra Mundial que havia sido diretor da Autoridade de Trânsito de Nova York. Naquele ano, ele apresentou à extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) de São Paulo o primeiro projeto de monotrilho do país. Os jornais registraram que uma milha (1,6 km) da linha custaria US$ 3 milhões.

Naquela época, o sistema de ônibus de São Paulo era tão superlotado, que cerca de 25% dos passageiros nem sequer pagavam passagem — havia tanta gente nos ônibus que as pessoas não conseguiam chegar às catracas. O projeto americano, contudo, nunca saiu do papel.

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