Área de Anhangá e almas cultuadas: as histórias assombradas de SP
No dia do Halloween, Metrópoles conta algumas das histórias mais assombradas de SP. Elas abrangem centro com almas vigiadas e uma tragédia
atualizado
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São Paulo — São Paulo é conhecida mundialmente por ser a cidade que não dorme. Uma vida cultural agitada, restaurantes que funcionam durante a madrugada e opções de entretenimento até altas horas alimentam a fama da capital paulista. Ao que parece, no entanto, não são só os vivos que aproveitam a noitada por aqui.
O Metrópoles relembra, nesta quinta-feira (31/10), data em que o Halloween, ou o Dia das Bruxas, é celebrado em todo o planeta, algumas histórias assombradas que percorrem São Paulo.
De tragédia e almas cultuadas à centro protegido pelo espírito indígena de Anhagá, conheça alguns dos casos que mantém a cidade acordada mais do que qualquer travessura ou gostosura:
As 13 almas do Joelma
Nove da manhã de uma sexta-feira. 1º de fevereiro de 1974. O Edifício Joelma, um dos principais prédios da capital paulista, localizado na avenida 9 de Julho, na região central, amanhece em chamas. Entre os seus 26 andares, cerca de 187 pessoas perderam a vida e mais de 300 ficaram feridas ao longo das mais de três horas de incêndio vividas no local.
Entre as vítimas fatais, estavam treze pessoas que nunca foram identificadas. Seus restos mortais estavam muito danificados e misturados e por isso não foi possível a conclusão do processo.
Aos poucos estes corpos foram levados ao cemitério e foram sendo sepultados, perfilados um ao lado do outro.
Em entrevista ao Metrópoles, o pesquisador Thiago Souza, de 45 anos, conta que toda essa situação comoveu a sociedade paulistana, que abraçou as vítimas.
“Muita gente se comoveu com isso [sepultamento]. As pessoas começaram a ir lá orar pelas almas, muito tocadas, compadecidas por tudo que aconteceu, por esse grande trauma”, conta o idealizador de projeto de passeios assombrados e de uma página de instagram chamada “o que te assombra“.
Segundo ele, que se denomina um contador de histórias, em uma ocasião, um funcionário que trabalhava no cemitério começou a ouvir gritos vindos dos túmulos dos 13 corpos. Sem saber o que fazer, o homem agiu institivamente e jogou água em cima das covas. Com a ação, as almas pararam de gritar, como se tivessem se acalmado.
Thiago diz que a história ficou conhecida e começou a se propagar pela zona leste da capital paulista, fazendo com que as pessoas fossem até o local em uma espécie de “culto” as almas.
“A partir disso, há um processo interessante que se intensifica das pessoas irem orar lá, mas também se desenvolve um processo devocional com as 13 almas que faleceram no Joelma. Elas são identificadas, por uma correspondência, com as 13 almas benditas do purgatório”.
O pesquisador ainda diz que até hoje, algumas pessoas vão agradecer as almas por acontecimentos do cotidiano em suas vidas.
“Já vi gente agradecendo pelo Corinthians ter sido campeão. Gente que curou o câncer. Filho que parou de beber. Gente que conseguiu vender o carro. A devoção às 13 almas é muito diversa”.
Thiago faz questão de derrubar uma “fake news” de que as 13 vítimas morreram juntas dentro de um elevador durante o incêndio. Segundo ele, as pessoas morreram separadas uma das outras e nem todas foram carbonizadas. Atestados de óbitos acessados pela reportagem mostram que duas delas morreram por choque traumático, sendo com uma apresentando afundamento do crânio.
Água, pães e velas
O comerciante Benedito Arnaldo, de 65 anos, conta que vai ao cemitério onde estão sepultada as 13 almas, uma vez por mês para “agradecer a graça que eu alcanço”.
Ele, que tem certeza que as preces feitas às almas são atendidas, conta o seu primeiro pedido:
“Eu sou vendedor e precisava bater minha meta no último dia do mês. Era impossível. Falei que, se eu conseguisse, levaria 13 garrafas de água, 13 pães e 13 velas. Pronto, bati minha meta. Ai eu venho todo mês trazer a água delas, a vela e os pães.”
Benedito ainda diz que lembra do fatídico dia do incêndio do Edifício Joelma e revela que o que mais lhe marcou foi um romance que leu com o nome de Treze Almas: “É o romance mais lindo que eu já li na vida”.
O espírito de Volquimar
Na mesma tragédia morreu Volquimar Santos, de 21 anos. Ela trabalhava no 23° andar do Edifício Joelma naquele fatídico 1° de fevereiro. Segundo a versão da história contada pelo espírita Chico Xavier no livro Somos Seis, o irmão caçula da vítima, Álvaro Avelino Carvalho dos Santos, trabalhava no térreo do mesmo prédio e ficou aguardando a irmã sair do incêndio.
Percebendo que Vôlqui, como era carinhosamente chamada, não aparecia, Álvaro contou a mãe sobre o acontecido e juntos foram ao Instituto Médico Legal (IML) ver se o corpo da jovem havia chego no local. Temendo a reação da mãe, Álvaro entrou no IML acompanhado apenas de um amigo e ao encontrar o corpo da irmã preferiu ocultar a notícia da matriarca até que fossem até um Pronto Socorro Cardiológico, onde daria a notícia junto de um médico.
O caçula convenceu a mãe e então partiram para um hospital próximo com a desculpa de ainda procurar o corpo de Volquimar. Porém, no caminho para a unidade de saúde, a jovem apareceu em espírito para a mãe, sem que o irmão e o amigo vissem, e disse:
“Mãe, o Álvaro já me achou e identificou meu corpo”.
A mãe então perguntou ao filho se ele já tinha achado a irmã, sem deixar muito claro como havia obtido essa informação. Álvaro continuou negando, mesmo confuso, e a notícia só foi passada no Pronto Socorro, como havia planejado.
No dia seguinte, Volquimar foi sepultada no Cemitério Nova Cachoerinha.
“Mãezinha estou bem”
Ainda em luto pela filha, Walkyria foi ao encontro do médium Chico Xavier. Ele citou uma cartolina que Volquimar havia deixado na casa da família como um instrumento de comunicação entre o espírito dela e os familiares vivos.
Por meio da cartolina e de mensagens psicografadas, a jovem foi se comunicando com a mãe até finalmente conseguir escrever uma carta com o título “mãezinha estou bem”, no dia 13 de julho de 1974, cinco meses depois do acidente.
Na carta, Volquimar conta que já havia um tumulto grande no prédio quando recebeu a notícia do incêndio e que por isso não conseguiu descer até o térreo. A saída encontrada foi ir para cima do edifício ver se algum helicóptero conseguiria lhe resgatar. Não obteve sucesso.
A jovem diz ainda que “tudo aconteceu de repente, como se devêssemos todos naquela manhã obedecer, de um modo só, a ordem que vinha do mais alto, a fim de que a gente trocasse de vida e corpo”.
Volquimar cita constantemente seu avô como um grande amigo e alguém que lhe ajudou na passagem espiritual. Em um determinado trecho da carta, a jovem diz que tanto ela quanto sua mãe, sabiam que o tempo de vida de Volqui na Terra seria curto:
“De qualquer modo, a sua filha terminara o tempo aí e, na essência, nós sempre tivemos a certeza de que a minha existência seria curta na terra desta vez, em que aí estive”.
Um ano depois, Volquimar escreveria novamente à mãe.
Anhangabaú – território de Anhangá
Relatos de fantasma não faltam em pontos de centro de São Paulo, como o Edifício Martinelli, Prédio do Correios, no Teatro Municipal, entre outros. Sabe o que todos esses endereços têm em comum? Estão localizados no Vale do Anhangabaú. Ou melhor no território de Anhangá.
Para o leitor que estiver lendo essa matéria na região é recomendado prestar atenção daqui para frente. Pode ser que algum fantasma esteja lendo o texto com você.
O contador de histórias Thiago Souza conta que o motivo da aparição frequente desses espíritos pode ter relação com o protetor da região, o espírito mitológico indígena Anhangá.
Thiago explica que Anhangá é um protetor que mediava as relações da floresta. A entidade impede que alguém crie desequilíbrio no território. Segundo ele, a lenda funciona como uma metáfora, visto que, de acordo com Thiago, o Anhangabaú “é o centro de uma cidade completamente desordenada. Vítima de uma descaso com o meio ambiente e com os fenômenos climáticos extremos”.
Por isso, o Anhangá teria “escolhido” a região para atuar.
O idealizador da página de instagram chamada “o que te assombra” ainda conta que Anhangá não é necessariamente um demônio e que esse rótulo foi instituído durante o período de catequização dos indígenas em São Paulo:
“Um dos instrumentos de evangelização da igreja era fazer peças de teatro utilizando passagens do evangelho. Ele [Padre Anchieta] pegava uma passagem do evangelho e contextualizava essas cenas, esses enredos, com personagens da mitologia indígena”.
Nesse processo, Anhangá ficou determinado como um espírito maligno pelo fato de dificultar a ação de caçadores na região.
Hoje em dia, Thiago conta que indígenas acreditam em duas vertentes da atuação do espírito. Uma diz que Anhangá suga as almas das pessoas que morrem no local e por isso elas não conseguem seguir para um plano superior.
Uma outra defende a ideia de que o Anhangá agita as almas da região e por isso relatos de pessoas vendo fantasmas na região são comuns.
“Quando ele [Anhagá] percebe alguém que morre no território de Anhangá, ele vai lá e se alimenta da energia dessa alma e ela não consegue alçar. É um tipo de selva. E aí, tem uma outra vertente que diz que ele, na verdade, agita e provoca as almas dos lugares.”