Após sons de bombas e angústia, resgatados de Gaza esperam paz em SP
Grupo de resgatados da Faixa de Gaza que aterrissou em São Paulo relembra momentos de medo e volta a fazer planos de futuro
atualizado
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São Paulo — Da cidade de Gaza, na Faixa de Gaza, de onde saíram pouco antes de sua casa ser destruída, até o estacionamento da Base Aérea de São Paulo, a família Bader passou por dias de medo intenso, barulhos inesquecíveis e incerteza diante do futuro.
A família corresponde a cinco das 26 pessoas resgatadas pelo governo do Brasil da Faixa de Gaza que chegaram a São Paulo nesta quarta-feira (15/11), de um total de 32 resgatados. Os resgatados eram esperados por amigos e por funcionários de organizações não governamentais que irão acolhê-los.
Os Bader — o casal e três crianças (na foto em destaque) — viveram sete anos no Brasil, mas o pai, Monir, de 38 anos, decidiu migrar para Gaza, para trabalhar, em 2022. Quando as bombas de Israel começaram a cair sobre sua cidade, em resposta a um ataque do qual eles não tiveram participação, a família buscou ajuda do governo brasileiro para escapar.
Monir e sua mulher, Noura, de 37 anos, arranham o português. Entendem todas as perguntas, mas deixam para o articulado Bader (cujo nome é o mesmo do sobrenome), o filho mais velho, de 11 anos, responder por eles — comportamento comum em famílias que são a primeira geração de imigrantes.
Explosões
Com uma camiseta do Corinthians no ombro e dizendo-se fã do goleiro Cássio, o garoto, que nasceu na Arábia Saudita, diz que, “de tão feliz”, não consegue descrever o que sente por estar de volta. “O Brasil é o melhor País, não tem melhor. Eu nunca vou sair daqui”, diz o garoto, que por repetidas vezes agradeceu “à Força Aérea e ao presidente Lula”, pelo resgate.
“Minha mãe quer ficar aqui para nunca sair. Ela quer esperar eu ser um grande jogador de futebol e eu estudar aqui, ser um estudante e um cara melhor para a vida”, diz o menino, fazendo às vezes de intérprete de Noura.
A família é sorridente, mas o olhar fica vazio quando falam dos últimos 40 dias. “Estavam batendo (bombardeando) aleatório, eles não sabem quem está aqui”, diz Bader . Em seguida, o menino faz um som com a boca que simula explosões.
“Eles só fazem ‘tuh, tuh, tuh’. Meu irmão pequeno chorava por causa do som e eu ia para minha mãe. Dava muito medo e era uma situação muito forte. Eu não estava acostumado com esse som”, afirma. “Agora, aqui, não tem nada”, segue Bader, já com o sorriso de volta ao rosto.
À espera da amiga
A estudante de enfermagem Alice Galdino, de 19 anos, estava na Base Aérea para encontrar com a amiga Shahed Al-Banna, de 19 anos, jovem que usou o celular para conceder diversas entrevistas enquanto o grupo de brasileiros ainda buscava formas de sair da Palestina e, involuntariamente, acabou se tornando uma das “caras” do grupo.
Alice e Shahed eram vizinhas e colegas de escola no Jaguaré, na zona norte da capital e passaram boa parta de infância juntas. Quando Shahed voltou para a Faixa de Gaza, com a mãe e a irmã, elas mantiveram contato.
“A gente ficou com muito medo, daqui. Preocupados. Tinha falta de sinal de internet, bateria, fuso, mas a gente se falou todos os dias”, afirmou Alice. “Assim que eles saíram da escola onde estavam, no norte, a escola foi bombardeada e destruída.”
Shahed perguntou da amiga assim que saiu da pista de aterrissagem da Base Aérea. Ela disse que há mais pessoas que precisam ser salvas mas que também quer retomar a vida e estudar.
“A maioria das pessoas que vieram aqui já perdeu as casas e os familiares. Então, não tem como voltar nem para visitar. A gente vai procurar um futuro aqui, um futuro melhor”, disse.
“Eu quero fazer faculdade. Eu vi muita opção. Estou gostando desse negócio de jornalista”, disse a garota, que reportou para o Brasil todo o medo que o grupo viveu antes do resgate.