Apartamento no centro de SP era QG de matadores da máfia chinesa
Membros do Grupo Bitong, ramificação da máfia chinesa, utilizavam apartamento no centro de São Paulo como escritório e QG de extorsão
atualizado
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São Paulo — O Grupo Bitong, ramificação da máfia chinesa em São Paulo, utilizava um apartamento residencial no centro da capital paulista como escritório para seus negócios escusos. A organização tem como alvo chineses que atuam, principalmente, no comércio de produtos importados em centros comerciais populares, como a 25 de Março e o Brás.
Localizado na Avenida Senador Queirós, no bairro da Sé, o local foi palco de extorsões e ameaças — crimes comuns no modus operandi da associação criminosa, como indicam investigações da Polícia Civil e do Ministério Público (MPSP).
Eles teriam atuado no local especialmente entre 2014 e o início de 2017, quando parte do grupo foi preso em uma ação no Guarujá, no litoral de São Paulo.
O líder, apontado como sendo Liu Bitong, permaneceu quase oito anos foragido da Justiça, até ser preso pela Polícia Federal (PF) em Roraima, no último 16 de dezembro.
QG da máfia
Segundo detalhes das investigações, obtidos pelo Metrópoles, pelo menos três chineses, acusados de pertencer ao Grupo Bitong, informaram à Justiça como endereço residencial o prédio localizado na Avenida Senador Queirós. Eles eram procurados por crimes como extorsão, sequestro e associação criminosa.
No entanto, as buscas pelos indivíduos no local não foram efetivas. De acordo com o relato dos oficiais de Justiça que tentaram cumprir mandados de busca no endereço, ninguém no local deu informações sobre os chineses – seja o síndico, o segurança ou o porteiro do prédio.
Apesar disso, os depoimentos das vítimas à polícia, e posteriormente à Justiça, frequentemente citam o endereço como o escritório da máfia.
Uma delas, identificada como Alpha, afirmou em depoimento que recebeu um telefonema do suposto líder da organização, Liu Bitong, com um convite para ir até a “empresa” da máfia, no referido endereço.
Outra vítima, identificada como Kilo, disse ter ido a um “apartamento desconhecido”, onde começou a ser extorquido. Na ocasião, os criminosos teriam lhe cobrado R$ 300 mil para que ele não fosse morto.
Escritório da máfia
Uma terceira vítima da máfia, identificada como Hotel, afirmou em depoimento que “efetuou o pagamento de R$ 80 mil, em dinheiro, a Bo Lin [matador] na Senador Queirós, que é o escritório da ‘empresa da máfia’”, diz trecho da transcrição do testemunho.
Hotel disse, ainda, que os demais réus da investigação estavam presentes, “pois todos são membros da máfia, e que Liu Bitong é o chefe da organização criminosa”.
Outra vítima, identificada como November, afirmou que o líder do grupo o ligou dizendo que ele deveria ir até seu escritório, situado na Senador Queirós.
“Foi até o local e Liu Bitong lhe disse que, se ele não cooperasse, teria que voltar para a China com sua família, e entregar toda a mercadoria que tinha no estoque”, diz a transcrição.
Outro trecho do mesmo depoimento diz que “o dinheiro, às vezes, era entregue no escritório de Liu Bitong, que ficava na rua Senador Queirós, e sempre havia mais pessoas no local”.
November conta que pagou de R$ 600 mil a R$ 700 mil à máfia chinesa por conta das extorsões.
Mais uma vítima, chamada de Lima na investigação, também foi até o QG da máfia pagar pelas extorsões que vinha sofrendo. Esses pagamentos ocorreram de 2014 a 2015, totalizando o valor de R$ 700 mil, segundo o depoimento.
“Narrou que às vezes entregava o dinheiro no ‘escritório’ deles, localizado na Rua Senador Queirós, e às vezes eles vinham buscar em sua loja”, detalha trecho da transcrição.
Lima afirmou também que todos os réus do processo participaram das extorsões e, quando ia ao local entregar o dinheiro, todos participavam da contagem do montante.
Justiça confirma uso de apartamento como QG
Na decisão que condenou o grupo por associação criminosa, a juíza Tatiana Franklin Regueira, da 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), considerou que “não existem dúvidas de que, entre os anos de 2014 e 2016, ou seja, de forma estável e duradoura, todos os réus ora indicados participaram das extorsões uma ou mais — comandadas por Liu Bitong, via de regra, sempre agindo, com modus operandi similar”.
Segundo a magistrada, o réu Liu Bitong, na maioria das vezes, efetuava a primeira cobrança, e Bo Lin fazia ameaças, com o reforço de Bitong. “Os demais ou eles próprios, recebiam o dinheiro, no comércio das vítimas ou no ‘escritório’ situado na avenida Senador Queirós (como apontado por diversas vítimas)”, diz trecho da sentença.
Regueira apontou, ainda, que também não existem dúvidas de que o Grupo Bitong utilizava armas para a realização dos crimes, “eis que vítimas relataram ter visto algum ou alguns integrantes da associação armados ou seguranças armados no escritório situado na Rua Senador Queirós”.
Os réus foram condenados a penas que vão de 17 a 142 anos de prisão, por crimes como associação criminosa, extorsão e sequestro. Dois dos 11 denunciados pelo MPSP foram absolvidos, pois a investigação não identificou crime em suas ações que motivasse uma acusação.
Extorsões, ameaças, sequestros e mortes
Além dos crimes citados, membros do Grupo Bitong também são apontados como responsáveis por homicídios de comerciantes chineses no centro de São Paulo, o que foi – e ainda é – investigado em outros processos judiciais.
O Metrópoles mostrou o caso de uma execução cometida na Sé, em janeiro de 2015, em via pública. Também foi revelado outro assassinato supostamente cometido pelo grupo, dessa vez no bairro da Liberdade, em dezembro de 2016, na saída de um karaokê.
Nas duas ocasiões, as vítimas foram assassinadas porque se recusaram a continuar cedendo às extorsões.
O homicídio cometido na Liberdade tem julgamento previsto para maio deste ano. Se condenados, os suspeitos de integrar a máfia chinesa em São Paulo devem enfrentar novas penas de reclusão.